Aos 73 anos, aposentado, Mario Gabriele Andretti ainda é um dos pilotos mais requisitados pelos jornalistas ao redor do mundo. Amy Hollowbush, sua secretária, agenda quatro entrevistas por semana. “Às vezes me pergunto o porquê”, diz, modesto. Mas ele sabe que é uma lenda viva. Que viveu uma carreira gloriosa. Venceu o Mundial de Fórmula 1, as 500 Milhas de Indianápolis, a Daytona 500 e a subida de Pikes Peak. Conquistou quatro títulos IndyCar. Deixou todos comendo poeira três vezes em Sebring. Foi insuperável em carros de turismo e em monopostos; em circuitos comuns, de rua e em ovais; em estradas de terra e em dragsters. Em 1963, em um único dia conseguiu vencer três corridas – em dois Estados diferentes. Era um dia do trabalho. E ele fez muito bem o dele. É o único piloto no mundo que competiu em campeonatos importantes durante cinco décadas seguidas.

Mas há uma corrida que Mario Andretti nunca ganhou: as 24 Horas de Le Mans, cuja nonagésima edição acaba de ser realizada. Questionado sobre a prova, chegou a se rebelar uma vez, dizendo: “Se eu nunca ganhei, é porque a equipe Corvette também nunca havia ganhado.” É verdade. Mario correu as 24 Horas por uma equipe da qual foi coproprietário. Seu sócio era Paul Newman – que, em 1969, estrelou no filme “Winning” (exibido no Brasil como 500 Milhas). Atrás do volante, no mundo real, o ator também foi piloto, e terminou as 24 Horas de Le Mans em segundo lugar em 1979. Em 1983, passou a ser sócio da Newman-Haas, equipe pela qual corria apenas Andretti. Os dois participaram juntos de uma corrida no famoso circuito de Sarthe. Formaram a dupla mais fotografada do século.

Andretti questiona a si mesmo: “Por que nunca ganhei em Le Mans?” E logo responde: “Porque não tenho paciência.” Enzo Ferrari o descreveu como Big Foot (“pé de chumbo” ou “pezão”), dono de um enorme desejo de vencer, mas de forma obstinada, sem cálculos ou estratégias. “E ainda assim”, diz ele, “ ficamos por algumas voltas muito próximos da vitória”.

Houve uma vez em que sua equipe quase mudou para sempre a história da corrida. Era formada por Andretti, Andretti e Andretti. Mario, Michael e John. Pai, filho e sobrinho (John é filho de Aldo, irmão gêmeo de Mario). Estavam na equipe oficial da Porsche, e o ano era 1988. “À uma da madrugada, estávamos na liderança. Perfeito. Estávamos tentando controlar ao máximo o gasto de combustível, e aí um injetor quebrou. Tivemos que correr metade da prova com apenas cinco cilindros. Terminamos em sexto.”

Naquele mesmo dia, havia, ainda, um quarto membro da família na França: Dee Ann, esposa de Mario (mãe de Michael e tia de John). Eles havia se casado em 1961, e ela era sua professora de inglês. Mario era um jovem ítalo-americano que trabalhava em uma oficina escondendo um sonho secreto e guardando sua raiva por ter sido expulso da península de Ístria, que era dominada pela Itália, mas foi reintegrada à Iugoslávia após a Segunda Guerra. “Se ela ficava preocupada com as corridas? Talvez. Dee Ann sempre foi uma pessoa reservada, que guardava tudo para si. De vez em quando nós – eu e Michael – ficávamos competitivos demais, e isso ela reprovava. Raspávamos roda com roda durante as corridas.” Em um final de prova, em 1986 em Portland (EUA), Mario frustrou a vitória do filho Michael por uma diferença de só três centímetros (0,07s). “Ele estava na liderança, isolado. Eu, 15 segundos atrás. Aí o engenheiro-chefe avisou que Michael estava com pouquíssimo combustível. Me ajeitei no assento e acelerei tudo. Ganhei por muito pouco.” Não pensou em deixar seu filho ganhar? “Nem por um instante.” Se essa cena se repetisse 100 vezes, você aceleraria da mesma forma, com a mesma determinação? “Mas é óbvio que sim, sem dúvida nenhuma.”

O ano em que Mario ficou mais próximo da vitória em Le Mans foi 1995, quando, ao volante de um Courage C34 com motor Porsche, chegou em segundo lugar na classificação geral (e primeiro em sua categoria). “Cometi um erro logo no começo: tentei passar um adversário por fora, e acabei na grama (o vídeo está disponível no YouTube). Foram necessários 20 minutos para os reparos. De volta à pista, fomos nos recuperando pouco a pouco. Aí a noite chegou, e com ela sete horas seguidas de chuva. Não dava para ver nada, e não podíamos sofrer acidentes. Fomos recuperando, recuperando, até que, quase no final, devido aos danos no carro, Bob Wollek teve de trocar os pneus de novo.” Como uma miragem que desaparece quando você se aproxima, a vitória em Le Mans escapou de minhas mãos mais uma vez. “A chuva nunca foi um problema para mim. Conheço cada centímetro, cada curva daquele circuito. Só a névoa me preocupa. É uma pista que eu adoro. É bastante longa, mas tem seu próprio ritmo. Exige traçados feitos com precisão. A curva Porsche, por exemplo, pode te fazer ganhar muito tempo, ou perder também. E até perder a corrida.” Mario Andretti voltou a correr em Le Mans mesmo após sua despedida oficial do automobilismo. Afinal, era uma vitória que realmente desejava mais que tudo. Por isso foi tão difícil para ele renunciar definitivamente à chance de obtê-la no ano 2000. “Não foi bem minha decisão. Queria correr de novo em 2001, mas tinha uma condição: que Marcos, meu neto, e Michael, meu vilho, corressem junto comigo.”

Mario queria juntar três gerações dos Andretti na pista, formando uma equipe (Marcos é filho de Michael). O neto aceitou a proposta do avô. Michael, no entanto, recusou. “Ele disse: estou velho demais para isso.”

Mas se as corridas sumiram de seus dias, não sumiram de suas noites. “Às vezes sonho que, ainda criança e com um carro construído por mim, me atiro pela Barbacan (cidade onde nasceu). Lá havia uma estradinha longa e estreita, que descia para a parte mais baixa da península. Eu descia como um foguete – tinha seis ou sete anos –, quase derrubando as senhoras que subiam com suas sacolas de compras. Depois, elas seguiam em procissão para reclamar de mim para meu tio, Quirino Ghersa, padre da paróquia. E ele pedia para que tivessem paciência comigo.” Dom Quirino já havia percebido que Mario apenas estava treinando para se tornar o famoso “Big Foot”. Fazê-lo parar seria uma maldade. Quando questionado se um dia venceria Le Mans, Quirino disse: “Que seja feita a vontade do Senhor.”