A Coreia não tem história automobilística. Isso “permite olhar o futuro com muita fantasia e poucos vínculos”. É o que diz Peter Schreyer, que não tem nada de coreano, mas é chefe de design do grupo Hyundai- Kia e atual presidente da Kia Motors. Mesmo sem tradição, Seul quis pisar em terreno seguro e arrumou um professor da velha Europa. O resultado? O grupo cresce – já é o quinto maior ator da cena mundial – e exibe carros de design, qualidade e tecnologia cada vez mais maduros. “Somos muito orgulhosos, mas o processo não terminou. Precisamos ir mais longe, com consistência. Quando se faz um modelo novo, temos que surpreender os clientes de forma positiva, sem desorientá-los. Tem que ser uma evolução, mas com continuidade. Senão, perde-se a identidade”, explica o alemão, que, antes de chegar à marca, trabalhou no grupo Volks e criou ícones como o New Beetle e o Audi TT. Peter entrou na montadora em 2006 como responsável pelo design da Kia. Em 2012, assumiu a presidência e passou a chefe de design também da marca-mãe, a Hyundai.

Como se faz para respeitar o estilo e a identidade de duas marcas relativamente jovens e sem referência histórica, como a Hyundai e a Kia?
Internamente, comparamos a Kia a um cristal de gelo e a Hyundai a uma gota d’água. Um cristal é geometricamente definido, preciso, estruturado. Já uma gota é homogênea, fluida, dinâmica. Fala-se tanto do nariz de tigre, que marca a nova cara dos Kia, mas trata-se apenas de uma particularidade. A mim me preocupa observar o quadro geral e assegurar que toda a linha mostre uma clara continuidade de linguagem entre o exterior e o interior, com linhas e proporções que se harmonizem. O modo como a Kia resolveu essa questão é muito arquitetônico, se é que posso usar esse termo.

E a marca Hyundai, pela qual você agora também é responsável. De que ela necessita em design? Até agora, a Hyundai tem despertado grande atenção em todo o mundo, com uma imagem de escultura fluida que eu acho que não deve ser questionada. No entanto, deve-se começar a evoluir a partir daí e desenvolver ainda mais. Existem muitos detalhes para melhorar. Dá para “disciplinar” mais as linhas, os interiores, de modo a transmitir um apelo mais próximo de um carro Premium, sem sacrificar o preço razoável.

Você não considera que as pessoas, em geral, veem a Kia como uma marca mais jovem e esportiva e a Hyundai como mais elegante e refinada?
Talvez a marca Kia seja mais jovem. Poderia dizer até mais esportiva. Mas, se eu administrasse a Hyundai, poderia dizer que ela entrou no campeonato mundial de rali. Então, quem é mais esportiva? A esportividade tem diferentes formas de expressão.

O que nos dizem os últimos protótipos apresentados pelo grupo – o Hyundai HDN-9 e os Kia Provo e Cub?
O HDN-9 dá uma ideia do que se pode esperar de um futuro cupê da marca. As linhas são limpas, bem organizadas e o carro oferece uma bela interpretação de como se pode desenvolver a grade dos Hyundai. Já os conceitos da Kia são duas propostas no setor dos compactos do segmento B, próximas ao Premium. Solidez, volumes plenos, mas, ao mesmo tempo, também jovem e esportivo.O Provo, mais provocativo, dá uma boa base para o que seria uma versão sem capota.

Está explorando novos nichos?
Isso fazemos sempre. Fizemos com o Kia GT, um cupê quatro portas (apresentado em Frankfurt em 2011) que, para nós, representava um segmento absolutamente inédito.

E ainda é apenas um conceito…
Ah, isso ainda não sabemos. Não é dito, não é dito… (e um sorriso astuto faz parecer que há planos muito concretos).

Quais são os modelos mais urgentes para enriquecer as gamas de produtos?
Há segmentos nos quais ainda não estamos presentes. Hoje há muita atenção aos SUVs compactos, para os quais temos muitas possibilidades. Podemos ter um pequeno SUV de base e um sofisticado, um modelo prático e espaçoso e um outro jovem e esportivo.

As duas marcas não precisam de uma maior diferenciação de produtos?
Penso que, em um mundo ideal, seria oportuno ter uma maior distinção de modelos. Por esse motivo, pensamos em pequenos SUVs para diferentes finalidades. Nesse momento, sofremos com um certo grau de canibalização entre alguns modelos do grupo.

Existe um estilo coreano?
Não nos automóveis. A Coreia é uma grande cultura em artesanato, arquitetura, arte figurativa. Isso influencia também o estilo automobilístico. Mesclada à tradição oriental, causa um efeito fusion interessante. Mas talvez o caráter mais evidente da cultura coreana contemporânea seja a determinação, a vontade ferrenha de alcançar um objetivo.