“Durante muito tempo achei que esses benefícios fossem só para cadeirantes” Ana Clara Prates

Ela nem precisa pechinchar. Tem cerca de 30% de desconto na compra de um carro zero km. Não paga IPVA, está isenta do rodízio municipal de veículos e encontra vaga nos shoppings até na véspera de Natal. Mas acredite você não a invejaria por isso. É que, apesar de aparentemente normal, ela tem uma limitação física que a classifica como pessoa portadora de deficiência (PPD). “Nunca soube que a LER poderia me impossibilitar de dirigir carro manual e sem direção hidráulica. Mas as dores são insuportáveis. No dia seguinte, não consigo mexer o braço”, conta a estagiária Ana Clara Prates, que está em processo de obtenção da carteira especial de habilitação para PPD. “Sempre que estaciono nas vagas reservadas sou xingada”, afirma a aposentada Roseli Brunetta Del Sasso, que tem esclerose múltipla. “Os sintomas são invisíveis, mas essa patologia gera muita fadiga, por isso preciso de um veículo adaptado”, completa.

“Existem deficiências evidentes como amputações e paraplegia, mas pessoas que são visualmente ‘normais’ ainda podem ser consideradas deficientes, é o caso de quem sofreu AVC (acidente vascular cerebral), de quem tem hérnia cervical, lombar ou torácica, síndrome do manguito rotador (que causa ruptura ou secção do ligamento do ombro) ou lesão por esforços repetitivos. Tudo vai depender dos sintomas”, explica João Carlos de Castro Santos, que há 16 anos é médico perito de trânsito. O especialista conta que corriqueiramente mulheres mastectomizadas (que precisaram retirar parte das mamas por causa de um câncer) recorrem à avaliação. “Caso ela tenha sido submetida a uma mastectomia radical, com certeza, está apta a receber o benefício, pois a mudança repetitiva de marchas causaria inchaço e muita dor. O objetivo é dar conforto para a motorista; isso resulta em maior segurança no trânsito”, esclarece.

Mesmo sem nenhum problema aparente, alguns motoristas têm desconto na compra do carro, não pagam IPVA e usam vagas especiais

Segurança, aliás, é um fator importante. Uma pessoa com mobilidade reduzida que não dirija um veículo adequado pode estar se expondo a riscos. Por isso, o deficiente precisa tirar uma habilitação especial, que exige exames de aptidão física. Caso a pessoa tenha alguma limitação, essa informação constará na CNH através de siglas que indicam, por exemplo, que ela precisa de um câmbio automático. “Tive bursite, ocasionada pela tendinite. Fiz três cirurgias e tenho sequela no antebraço direito. Não posso fazer movimentos bruscos, como trocar marchas. Isso causa muitas dores e dormência em meus braços e pescoço”, conta a advogada Stella Marília Femile de Carvalho, que comprou um Nissan Livina com isenção há cerca de dois meses.

UM LONGO CAMINHO

O problema é que muitas pessoas que sofrem com mobilidade reduzida não sabem que têm direito a benefícios que podem facilitar sua vida e alguns pacientes se recusam a ser classificados como PPDs. “Tenho uns três ou quatro amigos que possuem deficiências internas, mas têm vergonha de comprar carros com isenções. Eu respondo que com a possibilidade de nos locomover com conforto e segurança, somos produtivos e contribuímos para movimentar a economia do País”, defende Roseli, que comprou um Chevrolet Prisma 2007 com ar, já que a esclerose múltipla causa oscilações na temperatura do corpo e o calor compromete a coordenação motora.

No alto, a aposentada Roseli, que tem esclerose múltipla. Acima, a Grand Special, única concessionária do Brasil especializada em portadores de deficiência. São 70 atendimentos ao mês

Hoje está mais fácil encontrar um carro que atenda a essas necessidades. Para quem precisa de um veículo automático, por exemplo, é possível encontrar modelos como o recém-lançado Gol I-Motion, que, de tabela, custa R$ 34.605. Para um portador de deficiência, o modelo custaria cerca de R$ 25.000. Além disso, desde o início de agosto, o Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária) elevou o teto para a compra de carros para PPD de R$ 60 mil para R$ 70 mil.

A isenção total vale para o IPI, o ICMS e o IOF. Já o IPVA fica a critério de cada Estado. No total, o desconto pode chegar a 30%. Caso o deficiente não seja o condutor do veículo, só tem direito à isenção do IPI, assim como os menores de 18 anos. Quem estiver disposto a exigir seus direitos, no entanto, deve se preparar para uma longa jornada, que começa com um laudo médico emitido por uma clínica credenciada pelo Detran. Na sequência, a pessoa está apta a solicitar a isenção do IPI junto à Receita Federal, e do ICMS, na Secretaria da Fazenda. Após o faturamento do veículo, é a vez de requerer o IPVA.“Tentamos comprar um carro para transportar meu filho que é cadeirante, mas, após tanta burocracia, desistimos”, conta a corretora Florência Schmidt. “Para minimizar esse problema, montamos uma loja com total acessibilidade e apoio. Não só na estrutura, mas também na parte burocrática”, afirma José Roberto Cardoso, gerente comercial da Grand Special. “Realmente não é fácil!”, disse a dona de casa Denise Meksyk Catalani, que devido a um câncer de mama precisou retirar os gânglios linfáticos. “Mas as pessoas devem procurar seus direitos. Vale a pena!”, aconselha.