O poço da indústria automobilística parece não ter fundo. Esta semana, os presidentes das associações que reúnem fabricantes e importadores, Luís Antonio Megale e José Luiz Gandini, falaram dos números da Anfavea e da Abeifa, respectivamente. Ambos apresentaram os números acumulados de janeiro a abril. O licenciamento dos chamados veículos leves (automóveis de passeio, picapes, vans e furgões) recuou 32,7% em relação ao péssimo primeiro quadrimestre do ano passado: foi de 861,9 mil para 623,3 mil.

Das 35 marcas que venderam carros nos dois períodos, nada menos que 30 caíram. A Peugeot estancou sua queda e conseguiu emplacar 14 veículos a mais, enquanto a Subaru licenciou um carro a menos. Percentualmente, a Ferrari cresceu 20%, mas trata-se apenas um carro a mais vendido (passou de 5 para 6), portanto nem vou considerar seu crescimento num mercado superior a 600 mil veículos.

Quem de fato cresceu foram apenas duas grifes automotivas: a Jaguar e a Porsche. A marca inglesa subiu de 130 para 223 unidades (+71,5%). A marca alemã foi de 208 para 236 emplacamentos (+13,5%). Mas isso não significa que a Jaguar esteja ganhando dinheiro, pois sua cota de importação anual é de apenas 96 carros. Portanto, ela operou utilizando 656% de sua cota no primeiro quadrimestre, o que significa que está pagando 30% a mais de imposto em cada carro vendido fora da quantia determinada pelo governo, além dos 35% de praxe pela importação.

Por ser do mesmo grupo da Land Rover, a Jaguar pode usar a cota dessa marca, que é muito maior (4.800 carros/ano). Mas a Land Rover também está operando com um excedente de cota, na faixa de 157%. A situação da JLR (Jaguar Land Rover) vai mudar quando começar a produção da fábrica em Itatiaia (RJ), pois a cota do grupo aumentará. A Porsche operou abaixo de sua cota. Como se vê, não é fácil vender carros no Brasil – a quantidade de contas necessárias para pagar menos impostos confunde até os principais executivos da indústria.

Essa questão da dupla taxação levou Gandini a sugerir uma dobradinha Abeifa/Anfavea para tentar mudar as regras junto ao governo. Megale não diz nem que sim nem que não: “Toda queda de mercado tem importância para nós. Os carros importados estão com a menor participação desde 2009. Os importados mais baratos foram os primeiros a terem redução em seus volumes e agora os carros de maior valor também começaram a ser afetados”.

Mas, segundo observadores da indústria, Gandini pode esperar sentado. Megale não vai empunhar nenhuma bandeira pró-importados, pois acredita que o problema do mercado é de confiança: “De forma nenhuma pensamos que só os produtos fabricados no Brasil têm que ser preservados, mas acreditamos que essa situação ruim para os importados vai mudar quando voltar a confiança do consumidor”.

Um exemplo marcante da diferença entre nacionais e importados está na Hyundai. Na Anfavea, a marca é tratada como duas empresas separadas: a Hyundai Brasil (fabricante da família HB20) e a Hyundai Caoa (importadora dos demais carros coreanos). Na soma de ambas, a Hyundai vendeu 2.565 carros a menos este ano em relação a 2015: passou de 63,3 mil para 60,7 mil (-4,2%). Mas, enquanto a Hyundai Caoa recuou 33,7%, a Hyundai Brasil cresceu 3,5%. Com 52,2 mil emplacamentos, contra 50,4 mil registrados há um ano, a Hyundai Brasil foi a única associada da Anfavea que cresceu no período. Não por coincidência, é o único filiado que só trabalha com carros nacionais.

Daí se conclui que os clientes da Jaguar e da Porsche (além dos seis da Ferrari) foram os únicos que ainda não sentiram a crise. Estamos falando de um total de 465 pessoas.