Muita coisa mudou no mercado automobilístico brasileiro de 2013 para cá. A crise na economia afastou os consumidores das concessionárias e trocar de carro deixou de ser uma prioridade, como nos bons tempos de Lula na Presidência da República e até mesmo no primeiro mandato de Dilma Rousseff. Ainda que o carro tenha se tornado “barato em dólar”, devido à desvalorização da moeda, os brasileiros continuam recebendo seus salários em reais. Aqueles que ainda têm salários para receber. Por isso, a queda de vendas afetou principalmente os modelos considerados veículos de entrada, que desde o advento do carro popular” ainda no governo Itamar Franco (1992-1994), tem liderado as vendas internas.

Em 2016, no auge da crise econômica e política, o cenário é outro. Os chamados hatches pequenos já vendem mais que os veículos de entrada. Até os SUVs/crossovers se aproximam das vendas daqueles que um dia foram chamados de carros populares. Em 2015, os veículos de entrada representaram 26,4% das vendas, contra 24,1% dos hatches pequenos e 10,5% dos SUVs. No primeiro bimestre de 2016, quem lidera as vendas são os hatches pequenos (26,2%), seguidos dos veículos de entrada (20,8%) e tendo bem próximos os SUVs (16,9%). Assim, a lista dos 10 automóveis de passeio mais vendidos no varejo – que representa 78,7% do mercado e traz um retrato fiel da preferência dos consumidores – tem apenas dois modelos de entrada: Fiat Palio e Ford Ka. E mesmo assim muito longe dos líderes, com metade ou menos da venda conseguido pelo modelo mais comercializado.

A lista dos 10 carros preferidos pelos consumidores traz o Chevrolet Onix na liderança, com 20.540 vendas. Sua versão mais acessível não é nada barata: R$ 39.190 com motor 1.0. Mas só 56% das vendas do Onix usam motor 1.0. As vendas com motor 1.4 somam 44% e a versão mais barata custa R$ 46.190. Em seguida no ranking vem o Hyundai HB20, com 14.140 vendas. Da mesma forma, o HB20 pode ser comprado com motor 1.0 a partir de R$ 40.545 e nas versões 1.6 a partir de R$ 50.295. O primeiro carro realmente “barato” da lista é o Palio, que emplacou apenas 10.217 unidades em dois meses. Mesmo assim, só 52% de suas vendas são do modelo Fire (a partir de R$ 29.160); os restantes 48% são de versões que custam no mínimo R$ 41.780. Em seguida aparecem dois carros do público classe A: o Honda HR-V (8.690 vendas) e o Jeep Renegade (8.189). O segundo e último representante dos veículos de entrada é o Ford Ka (7.975 licenciamentos), que também não é barato: parte de R$ 41.590. A lista dos mais vendidos é completada pelo Chevrolet Prisma (7.806 emplacamentos), Volkswagen Fox (7.726), Toyota Corolla (7.151) e Hyundai HB20S (6.236). Antigos campeões de venda ou com potencial para tanto estão em posições lamentáveis: VW Up em 11º, VW Gol em 12º, Toyota Etios em 13º, Renault Sandero em 14º e Fiat Uno em 17º.

Caso consiga ser efetivado como ministro da Casa Civil, o ex-presidente Lula pretende liberar crédito barato (com juros subsidiados) da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil e do BNDES. Usaria, inclusive, parte das reservas internacionais do País para distribuir esse crédito. Nada que a própria Dilma não pudesse fazê-lo. Mas Lula tem um apreço especial pela indústria automobilística e talvez tenha em mente atuar na fomentação desse setor também. O problema é que muitos consumidores que compraram carro zero na era Lula acabaram se endividando – e talvez não queiram se arriscar de novo. Afinal, não adianta criar crédito para a compra de carros se as pessoas não sabem se terão emprego na semana que vem. Pior: com a inflação na casa de 10%, poucos estão dispostos a entrar em dívidas. E com os preços nos patamares atuais, só mesmo pessoas mais abastadas continuarão comprando automóvel.

Também não é desprezível a parcela de jovens e pessoas com menos de 30 anos que desistiram de ter um carro na garagem devido ao alto custo de manutenção (IPVA, multas, combustível, estacionamento, seguro, revisões etc.) para um produto que costuma ficar 90% do tempo sem uso. Para sorte das montadoras, as pessoas ainda precisam de carro no Brasil devido às grandes distâncias, à falta de trens ligando as cidades e ao insuficiente serviço de transporte coletivo nas metrópoles.

Nesse cenário, no qual temos um carro como o Gol – que foi líder por 27 anos – na 12ª posição na preferência dos consumidores, a divisão do bolo entre os fabricantes também está mudando. A queda de participação da Fiat é dramática. A marca italiana já vem há tempos perdendo para a Chevrolet no ranking dos automóveis de passeio e agora está atrás também na soma de carros com comerciais leves. Um pouco mais abaixo, a Volkswagen, ao mesmo tempo em que pode ultrapassar a Fiat, já está ameaçada pela Hyundai, que parece ter roubado de vez a quarta posição da Ford, apesar de ter minúscula participação entre os comerciais. O ranking dos automóveis de passeio tem como líder a Chevrolet (17,8%), seguida por Fiat (12,8%), Volkswagen (12,7%), Hyundai (11,0%) e Ford (9,0%). Somando os comerciais leves, os números mudam, mas o ranking é o mesmo: Chevrolet (16,7%), Fiat (15,3%), Volkswagen (13,9%), Hyundai (9,8%) e Ford (8,5%).

Estamos apenas começando a temporada e tudo pode mudar, mas uma coisa é certa: nem Lula salva o ano das montadoras. Antes ele precisa salvar a si próprio e ao governo.