Carlos Sainz, o Junior, não o pai, disse ao El País que em toda a história da Fórmula 1 os pilotos precisaram de bons carros para vencer: “Isso sempre existiu, seja na época de Ayrton Senna, Michael Schumacher ou Fernando Alonso. Se eles não tivessem tido o melhor carro, não poderiam ter ganho o Mundial. Isso nunca mudou”. O piloto Sainz Junior referia-se ao fato de todo mundo apostar que Valteri Bottas ganhará corridas agora que foi para a Mercedes, na vaga do campeão Nico Roberg.

+ 27 imagens para lembrar a carreira de Senna
+ O Gol GTI de Ayrton Senna: o esportivo que nem o campeão viu
+ Miniatura do McLaren Senna custa o mesmo que um Ford Ka 0 km

No Brasil, entretanto, o UOL tratou de colocar um pouco de pimenta na fala de Sainz e tascou no título da reportagem: “Se Senna não tivesse o melhor carro, não teria sido campeão, diz espanhol”. Bem, bastou isso para que o orgulho nacional tupiniquim se sentisse ferido. Antigas viúvas de Ayrton Senna acordaram do sono profundo e saíram em defesa do tricampeão. Algumas frases na internet:

“Quem é você prá falar do Ayrton Senna? Senna ganhou corrida com uma marcha só.Não compare Ayrton Senna com nada e com ninguém!”

“Nem (vou) zoar você. Vai que é doença. Em 1989 Senna perdeu o título para o Balestre! Ele ganhou o título no braço e foi garfado!”

“Senna bateu no Prost em 90. Mas quem bateu no Senna em 89? Vai tomar seu leitinho com pera e deixa quem entende conversar, menino.”

“Que piloto ganhou com um câmbio quebrado? Em dia de chuva quais pilotos encaravam a pista sem dá o famoso migué? etc… etc. Fala sério Senna foi único e ponto!!”

“O despeito, a inveja e a incompetência andam de mãos dadas. Vai te catar pilotinho de videogame, em outras épocas vc não servia nem pra lavar os carros dos caras. Imbecil.”

“Quem é o Sainz Jr na fila do pão?”

“Sainz provou que consegue ser pior com a língua do que já é com os braços, mandem ele pegar um McLaren MP4/8 e fazer o mesmo que Senna.”

Pois eu digo: a capacidade de Ayrton Senna está fora de cogitação. Inclusive na condução de carros ruins. Ayrton (como os pilotos diferenciados) era capaz de tirar leite de pedra de máquinas ruins. Mas ele não foi o único. Basta ir em qualquer kartódromo do mundo e dar o mesmo carro ruim para dois pilotos de talentos diferentes.

Dito isso, Sainz Junior não falou nenhum exagero. E como ele citou apenas Senna, Schumacher e Alonso, acertou na mosca. Nenhum deles conseguiu ser campeão (vencer corridas é outra coisa) sem ter o melhor carro. Quanto a Schumacher e Alonso, ninguém duvida disso. Quanto a Senna, vejamos.

Ayrton estreou na F1 em 1984, na Toleman. Conseguiu dar um show no GP de Mônaco, sob chuva, mas só. O melhor carro era da McLaren Porsche. Em 1985 e 1986, na Lotus, Ayrton tinha um carro muito rápido, mas só conseguiu ganhar quatro corridas. Porém, para quebrar a regra de Carlos Sainz, o campeão de 1986 foi Alain Prost, da McLaren Porsche, porque a dupla Nelson Piquet/Nigel Mansell, que tinha o melhor carro (Williams Honda) ficou brigando entre si. Na última prova, Prost levou o título. Talvez tenha sido a última vez em que um campeão não tinha o melhor carro.

Em 1987, Senna continuava na Lotus e Piquet foi campeão, com o melhor carro, novamente da Williams. Senna só foi ser campeão em 1988, pela McLaren Honda, que era um carro imbatível. E assim ganhou também em 1990 e em 1991.

Nesse ano existe uma polêmica, pois a Williams Renault terminou o ano com um rendimento muito superior. Mas, naquela época, os carros se desenvolviam ao longo da temporada. E no início do ano a McLaren Honda ainda era imbatível, o que permitiu a Senna (sem a incomôda presença de Prost na equipe) abrir 40 pontos. De qualquer forma, ele foi brilhante quando a Williams se igualou à McLaren.

Em 1992 e 1993 a Williams Renault confirmaria sua superioridade, com dois títulos seguidos de Mansell e Prost. Por causa disso, por saber que ter o melhor carro era fundamental, Senna trocou a McLaren pela Williams em 1994, mas morreu na terceira corrida.

Entrentando, a regra de ter o melhor carro para ser campeão foi quebrada anteriormente algumas vezes, além de Prost em 1986. E ela aconteceu com dois brasileiros: Emerson Fittipaldi em 1974 e Nelson Piquet em 1981.

Para ser campeão em 1974, pela McLaren Ford, Emerson precisou contar com a inexperiência de Niki Lauda e a falta de estrela de Clay Regazzoni. Ambos corriam pela Ferrari, que tinha uma máquina muito mais rápida do que a do brasileiro. Mas Niki jogou duas corridas fora e acabou perdendo a chance do título. No ano seguinte, mais experiente, levou a Ferrari ao seu primeiro título depois de uma década de jejum.

Em 1981, correndo pela Brabham Ford, Nelson Piquet se aproveitou de um boicote que a Williams Ford fez internamente contra o argentino Carlos Reutemann. A dupla Carlos Reutemann/Alan Jones tinha o melhor carro, mas a preferência do time era por Jones, campeão da temporada anterior. Logo em sua estreia, no GP do Brasil, Reutemann desrespeitou uma ordem da Williams e ela se vingou no final. Na corrida decisiva, quando precisava chegar à frente de Piquet, o argentino se arrastou na pista, enquanto a vitória ficou tranquilamente nas mãos de Jones.

Enfim, exceções existem. Mas Carlos Sainz Junior não cometeu nenhuma heresia ao dizer que Senna, Schumacher e Alonso só foram campeões quando tiveram os melhores carros.