A Volkswagen do Brasil está passando por uma revolução silenciosa. Desde que o sul-africano David Powels assumiu a companhia, em janeiro de 2015, a montadora alemã tem feito uma série de lições de casa e está reformulando suas estratégias. Isso não tem nada a ver com os investimentos de R$ 10 bilhões até 2018 anunciados na gestão de Thomas Schmall em 2014. Eles foram mantidos. A Volkswagen, na verdade, está mudando o jeito de pensar. E esse jeito será menos alemão do que antes. Nas próximas campanhas da Volks já será possível perceber o caminho que está sendo tomado pela companhia. Alguns deles já são visíveis, como a substituição do slogan “Das Auto” pelo simples e objetivo “Volkswagen”.

Tive a oportunidade de participar de um almoço com David Powels esta semana. Ele disse que está “onze quilos mais magro, mas só os quatro primeiros foram planejados”. Os outros sete ficaram por conta da crise econômica que afetou o País e, claro, a Volkswagen. Combinada com o escândalo das emissões dos motores a diesel da Volkswagen nos Estados Unidos, a degradação da economia brasileira dificultou as coisas para a operação brasileira. De um lado, a concorrência feroz fez o Gol despencar mais de 100,6 mil unidades nas vendas – um recorde negativo para um carro que tem o melhor currículo da história da indústria brasileira. Do outro, a cotação do dólar/euro estourou os custos de produção do Golf nacional, devido ao valor do aço, dos vidros e dos plásticos, fazendo com que a Volks fosse “obrigada” a lançar um carro tecnicamente inferior praticamente com o mesmo preço do modelo importado. Apesar disso, Powels não parece ser o tipo que perde a calma nas crises. Pelo contrário.

Já em maio, o sul-africano trouxe o argentino Jorge Portugal para ocupar o cargo de vice-presidente de Vendas e Marketing. Juntos, começaram a trabalhar na nova Volks. Quando decidiu as novas estratégias para o mercado brasileiro, Powels visitou pessoalmente as quatro fábricas instaladas no Brasil (em São Bernardo do Campo, Taubaté, São Carlos e São José dos Pinhais) e num prazo de apenas 48 horas comunicou aos cerca de 20 mil empregados os novos rumos da empresa. Enviou alguns executivos para conhecer a experiência da Volkswagen na África do Sul, onde assumiu a marca no limbo e entregou-a na liderança, com 23% de um mercado de 450 mil carros/ano, oito pontos percentuais à frente da Toyota. “Não adianta falar qual é a imagem que queremos ter, precisamos mostrar com fatos e atitudes”, afirma Powels. “E a primeira mudança que temos que fazer é dentro de casa.”

Ele considera que o novo posicionamento da Volkswagen passa por três etapas de convencimento, pela ordem: funcionários, revendedores e clientes. Dessas, a segunda etapa talvez seja a que mais complique os planos de Powels. Mas que planos são esses? Ser mais brasileira e mais voltada para as pessoas. A nova diretoria constatou que a Volkswagen descuidou dos clientes, especialmente no pós-venda, e deu mais importância à parte técnica dos carros do que à necessidade das pessoas. Sentado ao meu lado enquanto comia uma pequena porção de salada, batatas gratinadas e um pedaço de salmão grelhado, Powels disse que “os carros são máquinas e, ao contrário de alguns anos atrás, as diferenças tecnológicas entre eles são menores, por isso temos que conquistar um cliente no longo prazo, cuidando dele para que os valores da Volkswagen sejam mais duradouros”. O presidente da Volks pretende convencer seus 600 revendedores de que é melhor vender oito carros para o mesmo cliente em seu período de vida de 20 a 60 anos, do que oferecer peças em promoção que, eventualmente, nem são necessárias para o carro que está numa revisão. O problema é que a rede Volkswagen é formada por mais de 400 grupos empresariais que têm negócios também com outras marcas – e não necessariamente enxergam a busca pelo lucro com os mesmos ideais e a mesma paciência de Powels.

Para o sul-africano que reside em São Paulo e fala português com boa desenvoltura, o novo objetivo da Volks é ter o melhor custo para o cliente durante a utilização do carro, da compra até a revenda. Isso não significa que os modelos VW devam custar menos que os da concorrente – aliás, não vão custar. “Temos tradicionalmente custos maiores do que muitos de nossos concorrentes, por isso os carros podem custar um pouco mais no momento da compra, mas precisamos mostrar ao cliente que ele vai gastar menos durante a sua utilização e também terá maior valor de revenda”, disse. Mas, apesar da tradição da Volkswagen, Powels tem consciência de que a reconstrução da imagem da marca no Brasil levará “no mínimo de cinco a dez anos”. Ele também deixou claro que a Volks não vai mais investir nas vendas diretas (que têm grandes descontos) da mesma forma que fazia antigamente. O foco agora é no consumidor de varejo, aquele que vai às concessionárias – daí a importância da rede em sua estratégia.

Apesar de o presidente observar que “não tem que dizer, tem que mostrar” o que será feito, o novo VP de Vendas e Marketing traçou uma estratégia de comunicação. “Nosso objetivo é fazer a marca Volkswagen ser, novamente, a referência no mercado automotivo”, explicou. Portanto, a nova Volkswagen será “mais emocional, mais próxima dos brasileiros, mais ágil, mais pioneira e mais focada nos clientes”. Portugal teve a dura missão de fazer o mea-culpa da marca: “Não seremos somente uma marca de carros, mas também uma marca de pessoas. Isso está no nosso nome, pois Volkswagen significa carro do povo. O problema é que durante alguns anos nos esquecemos disso”.

Quando foi a campo ouvir o que as pessoas tinham a dizer, descobriu que ninguém entendia o que era “Das Auto”, o slogan que a matriz de Wolfsburg mandou para substituir a antiga e consagrada frase “você conhece, você confia”. Sua conclusão: “Das Auto atrapalhava porque estava numa língua estrangeira e quando traduzíamos ficava ainda pior, pois soava arrogante”. O novo slogan será: “Volkswagen. Inspirada na sua vida”.

Resta saber agora se David Powels terá a força para convencer 600 concessionários de que eles são a extensão da Volkswagen. Exatamente como era nos anos 70 e 80, quando a Volks era de fato o “carro do povo” e líder de mercado.