Há exatos 25 anos, depois de chamar os carros brasileiros de carroças, o presidente Fernando Collor de Mello lançou um incentivo para os modelos 1.0. Uma drástica redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) tornou-os extremamente competitivos, causando uma corrida de investimentos das marcas nacionais no segmento. Ao longo desse quarto de século, esses motores ganharam injeção eletrônica, adotaram o sistema flex e adicionaram novas tecnologias, mas agora chegou a hora de perder. Perder pra ganhar, no caso: os novos 1.0 abrem mão de um cilindro para ganhar agilidade e eficiência (leia mais sobre o porquê disso aqui).

É a nova era dos carros “mil”. A era dos 3 cilindros. Vendidos no exterior e em importados há tempos, os motores 3 cilindros ainda são novidade para grande parte dos brasileiros: embora Kia Picanto e Hyundai HB20 os tenham desde 2011/2012, foi no ano passado que eles ganharam produção nacional e passaram a equipar os demais modelos que você vê aqui. Esses motores 1.0 são mais potentes e econômicos do que seus “ancestrais” 4 cilindros: a potência passou de 48 cv no Mille de 1990 para 85 cv nos motores atuais – e eles chegam a rodar mais de 20 km/l. Acima, você vê os cinco modelos mais importantes dessa nova era. Todos têm quase os mesmos porte e público-alvo.

Ford Ka e Hyundai HB20 vão de R$ 38.990/R$ 37.995, respectivamente, até cerca de R$ 44.000, enquanto o VW Up começa em R$ 30.560 com duas portas, mas equiparado vai para a mesma faixa. Já o Nissan March é mais barato (R$ 35.990 a R$ 40.990) e o VW Fox Bluemotion, mais caro (R$ 39.900 “pelado”). Para essa disputa, escolhemos carros na faixa de R$ 41.000: as versões intermediárias do Ka (SE Plus, R$ 41.090) e do HB20 (Comfort Plus, R$ 41.265) e a topo do March (SV, R$ 40.990), além dos rivais equiparados com opcionais Up Move (R$ 42.101) e Fox Bluemotion (R$ 46.380). São os carros das fotos, exceto Ka e HB20, que estão nas versões SEL e Style (R$ 43.890 e R$ 44.135, respectivamente). Vamos ver quem se saiu melhor?

5º lugar: Fox Bluemotion
 

O Fox ficou em último, mas,isso não significa que seja o pior carro. Ele até surpreende, considerando sua idade avançada: embora o Fox de 2009 seja chamado pela marca de segunda geração, na verdade é uma reestilização do carro de 2003. Então esse hatch, no fundo, é o segundo facelift de um projeto já com 12 anos – embora tenha evoluído e ganhado novos motores (o 1.6 MSI e esse 3 cilindros 1.0), direção elétrica e transmissões. É um bom hatch, mas muitas de suas qualidades hoje são vistas nos rivais aqui – mesmo que de um segmento inferior. Do lado positivo, seu acabamento é caprichado (esse é o ponto em que mais evoluiu) e, ao volante, a posição de dirigir elevada agrada.


No Fox, o acabamento fica um pouco acima da média, e os instrumentos são um ótimo exemplo de boa leitura e racionalidade. O sistema de som é um item opcional

Direção e suspensão têm acertos excelentes e o nível de ruído é baixo. Na cidade, é um carro leve de guiar e ágil, graças às boas respostas em baixas rotações do 3 cilindros com comando variável. Na estrada, a 120 km/h, o consumo é ótimo (17 km/l ou mais com gasolina) e o conta-giros marca 3.750 rpm, graças à ajuda da transmissão manual de relações alongadas (mas que não prejudica as retomadas). Mesmo em rotações altas, o 3 cilindros tem pouco ruído e vibração. Mas nem tudo são flores. Suas dimensões não são tão generosas, e o espaço traseiro não é lá aquelas coisas (com o banco corrediço opcional para trás a situação melhora, mas o porta-malas diminui para 260 litros).


Os bancos dianteiros do Fox são bons, mas muito altos. O espaço traseiro e o porta-malas podem aumentar ou diminuir com o banco corrediço opcional

Embora o volante tenha ajuste de profundidade, a posição de dirigir seria melhor se o banco não jogasse o corpo para a frente (solução para ganhar espaço para as pernas atrás). No fim, esse Fox Bluemotion é, sim, mais refinado em muita coisa – mas isso tem seu preço. Ele é o modelo mais caro dessa disputa: com ar-condicionado e sistema de som, passa de R$ 46.000, ainda sem rodas de liga, isofix e outros itens que os rivais oferecem (leia a tabela de equipamentos). Ele tem preço de carros maiores e melhores, como um Ford New Fiesta 1.5. É pela relação custo-benefício, portanto, que o Fox fica em último – mesmo sem ser o pior carro.

4º lugar: Nissan March
 

De cara, o March atrai pelos preços mais baixos, considerando as versões equivalentes dos rivais. Essa topo de linha SV, por exemplo, leva vantagem sobre os concorrentes de preço similar (em suas versões intermediárias) pelas rodas de liga e pelos faróis de neblina, basicamente – itens que os demais só ganham em suas versões mais caras.


O March tem painel simples e conservador, mas os plásticos são de boa qualidade. Seu sistema de som é bastante fácil de usar. Os bancos dianteiros são menores e mais altos
 

Na cidade, o March é fácil de manobrar, graças à direção elétrica leve e ao bom raio de giro, e suas suspensões trabalham em silêncio, transmitindo robustez e conforto. Graças ao comando de admissão variável, as respostas do 3 cilindros nas faixa de 2.000 rpm são bem satisfatórias, garantindo boa agilidade. Ainda de positivo, esse Nissan tem teto alto – bom para passageiros de maior estatura – e um sistema de som de uso mais fácil do que a média. Para completar, somando-se os preços de peças e das revisões, é o carro que tem a manutenção mais barata. Os inconvenientes aparecem mais na estrada.


Para ganhar espaço traseiro, os bancos dianteiros do March ficaram muito elevados. O porta-malas fica dentro da média, mas sua cobertura desencaixa frequentemente

Seu isolamento acústico não é tão bom – ouve-se mais do motor, dos pneus e do vento – e, ao esticar as marchas para ultrapassagens, seu motor vibra um pouco mais. Viagens longas se tornam cansativas por causa dos bancos, elevados demais, como no Fox. Para finalizar, o câmbio tem engates ruidosos e um tanto imprecisos, principalmente na comparação com a concorrência, que é ótima nesse quesito. O March está longe de ser ruim, mas seus rivais são páreo duro. A marca sabe disso e está trabalhando em uma nova geração mais sofisticada (leia aqui).

3º lugar: HB20
 

Fenômeno de vendas, o HB20 elevou o padrão do segmento quando lançado, em 2012. Os materiais de acabamento são muito bons, há uma gaveta debaixo do banco do motorista e muitos porta-objetos. Além disso, ele foi o primeiro da categoria com ancoragem para cadeirinhas infantis (isofix). Na mecânica, seu 3 cilindros foi o pioneiro entre os carros nacionais: tem comando variável na admissão e, junto com a unidade da Volks, menor vibração e ruído. O câmbio também agrada, com engates justos e alavanca de curso curto. Outro destaque está na manutenção barata e na exclusiva generosa garantia de cinco anos.


No HB20, o volante só tem comandos do  som e ajustes de altura e de profundidade na versão topo de linha. Nas demais, é mais difícil achar uma boa posição de dirigir

Desde 2012, porém, novos rivais chegaram, correndo atrás do padrão até então superior desse compacto da Hyundai. Hoje, ele e o Fox são os únicos aqui não globais (na Europa há o i20 e o Fox foi aposentado). O design deve ser atualizado no ano que vem, e, comparado aos concorrentes, o HB20 já não é mais tão superior. Por isso ficou em terceiro. Suas suspensões, apesar de confortáveis, são ruidosas e “dão batente” com certa frequência. O porta-malas é discretamente maior, mas tem boca menor, e o banco de motorista não apoia tão bem as costas. A posição de dirigir agrada, graças aos ajustes de altura e profundidade do volante – mas ambos são oferecidos só nas versões topo de linha.


Apesar do entre-eixos maior, o HB20 não tem tanto espaço na cabine. Os bancos podiam ser mais firmes, e o porta-malas tem acesso mais alto (culpa do design)

Na mecânica, o HB20 também ficou para trás. A direção é a única hidráulica: pesada nas manobras e de respostas lentas, pede correções na estrada. Já o motor é bom, como dito, mas parece se esforçar mais do que os outros, e ainda assim tem resultados inferiores. Na prova de 0-100 km/h, por exemplo, é mais lento que os rivais (longos 15,9 segundos com gasolina). Em relação à transmissão, apesar dos bons engates, a quinta é muito curta. Para quem pega estrada sempre, isso é ruim: a 120 km/h, o motor gira acima de 4.100 rpm, prejudicando o ruído e o consumo (ele é o único nota B no ranking geral do Inmetro).

2º lugar: VW Up
 

Não se engane pelos preços baixos, a não ser que queira um carro pelado. Muitos dos itens de série dos rivais são opcionais no Up. Equiparado a eles, tem preço quase igual, e acaba ficando até mais equipado por conta dos pacotes (leia tabela ao lado). É bom destacar que, apesar de ter crescido em relação ao europeu, o Up nacional é o menor aqui. Não lhe falta espaço, mas é um pouco inferior aos rivais (e nunca tem vidros traseiros elétricos). Mas esses são alguns dos raros pontos negativos, junto com os amortecedores caros e as revisões sempre semestrais.


O Up tem painel clean, meio retrô. O conta-giros é pequeno, e o sistema Maps&More, opcional, traz navegador. O interior é da versão Move, mas a foto externa é da Take

No mais, o carro agrada bastante. O acabamento simples combina com o ar clean/retrô do painel e há plásticos refinados, além de construção exemplar. Ele não tem tantos porta-objetos, mas há um útil compartimento para o smartphone. Ainda no interior, como opcional, tem o exclusivo Maps&More (sistema multimídia com navegador por GPS, computador de bordo e outras funções). O porta-malas de 285 litros tem uma prateleira debaixo da qual se pode esconder objetos (e pode ser colocada para baixo para aumentar o espaço). Destaque também para a segurança: além de ter isofix, ele ganhou cinco estrelas para adultos e quatro para crianças nos crash tests. O Up pode até ser mais pequenino, porém ao volante ele cresce.


O espaço no banco traseiro é um pouco menor no Up, mas os bancos dianteiros são confortáveis. O porta-malas tem dois andares – com um compartimento “secreto”

Seu 3 cilindros é o que tem melhores respostas em baixas rotações, além de pouca vibração. A aceleração de 0-100 km/h em 12,4 segundos o destaca do grupo: é desempenho de carro com motor maior. Esse vigor, acompanhado de um ronquinho agradável, chega a empolgar. Já a direção elétrica é bem calibrada, enquanto o câmbio tem engates perfeitos. Seu consumo é o melhor, graças ao ótimo resultado urbano (13,5 km/l com gasolina). A posição de dirigir é boa e a dinâmica, excelente: ele não pede correções na estrada, onde a 120 km/h o motor gira a 3.900 rpm, marcando 18 km/l com gasolina. Já a 100 km/h, passa fácil de 20 km/l.

1º lugar: Ford Ka
 

O Brasil não é como a Europa, e poucos aqui compram um carro só para uso urbano. Foi sabendo disso que a Volks cresceu o Up nacional. Aqui, um carro, mesmo que “mil”, tem de transportar a família e encarar com mesma desenvoltura cidade e estrada. Nessa transformação do Ka de carrinho duas portas para um quatro portas de respeito, a Ford não se esqueceu disso: esse novo Ka beira os 3,90 m do HB20, mas oferece ainda mais espaço na cabine, na frente e atrás (além de os joelhos ficarem mais folgados, o teto é alto). Isso resultou em um porta-malas menor, mas ainda bem aceitável, com 257 litros. O acabamento não se destaca, tampouco é ruim.


O Ka tem a melhor posicão de dirigir, graças ao amplo ajuste do assento. O painel tem linhas angulosas e o sistema multimídia é um de seus maiores destaques

Cheio de texturas, agrada aos olhos. No interior, há muitos porta-copos e porta-objetos, inclusive com duas opções para smartphones – no console, ou no alto do painel (para ser usado como navegador). O som desde a versão intermediária vem com o sistema Sync, com funções completas e um acionamento com comandos de voz que entende até mesmo o nome da banda que quer ouvir. Antes até de dar a partida, o Ka já agrada pela posição de dirigir: embora a direção seja ajustável só em altura, o banco do motorista tem bom apoio para as costas e ajuste muito amplo. Já em movimento, o Ka se mostra muito bem acertado.


Bancos confortáveis, bom espaço para as pernas no banco traseiro e porta-malas apenas um pouco abaixo da média garantem ao Ka o melhor aproveitamento interno

Tem volante de boa pegada, direção com peso e precisão perfeitos e suspensões robustas e boas de curvas. O câmbio tem alavanca curta, engates justos e relações de marcha com a quinta alongada, favorecendo consumo e conforto no uso rodoviário. A 120 km/h, seu motor gira a 3.600 rpm e o painel marca 17 km/l ou mais. O Ka é o único cujo motor tem duplo comando variável, além de ser mais potente, com 85 cv. É uma unidade esperta e, mesmo nas esticadas, não faz barulho. Completando os bons atributos, a versão topo tem controle de estabilidade e assistente de partida em subidas, itens até então inéditos no segmento.

De negativo, falta isofix (o que pode fazer do Up ou do HB20 opções melhores se você usa esse sistema), os retrovisores não têm ajuste elétrico e, às vezes, o motor “briga” com o ar-condicionado nas saídas, perdendo força. Mas o maior problema está nas revisões: nos primeiros 30.000 km ou três anos, saem por quase o dobro das do HB20 (leia tabela). Apesar disso, o Ka ainda leva a vitória por oferecer aqui a melhor combinação entre mecânica, espaço, preço e versatilidade.

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O segredo dos 3 cilindros

Por Douglas Mendonça

As vantagens dos motores 3 cilindros não vêm de hoje. Os engenheiros já sabem há décadas que em motores pequenos, de pouca capacidade cúbica, quanto menos cilindros melhor. É um pistão a menos criando atrito dentro do cilindro, uma biela a menos gerando atrito com o virabrequim, além de menores atritos dos comandos abrindo e fechando as válvulas e vencendo a pressão de suas próprias molas. Fica claro porque um motor 3 cilindros tem um rendimento mecânico superior ao de um similar 4 cilindros. E as vantagens não param por aí. O motor 3 cilindros é mais curto, permitindo que se gaste menos material para a fundição de bloco e cabeçote, além de ter um virabrequim menor, que permite acomodá-lo mais facilmente em seu habitáculo.

Nem é preciso dizer que a indústria economiza muito: usa-se menos um pistão e seus anéis, menos bielas e bronzinas, além de um número menor de válvulas, molas etc. É muito dinheiro que se deixa de gastar, e isso entregando mais economia para o consumidor. Por que então não se fazem motores com 2 ou até 1 cilindro? Nesses casos, haveria sim uma redução ainda maior no atrito, mas precisaríamos de um volante de motor pesado para compensar a inércia do funcionamento descompassado de um motor assim construído. Além disso, as explosões distanciadas trariam vibrações desagradáveis, que exigiriam eixos contrarrotantes para suavizá-las.

E isso geraria custos e perda de performance. Assim, a melhor configuração é a de 3 cilindros. Essa é uma tendência mundial: a Fiat já tem pronto um 3 cilindros que utilizará em seu novo carro popular, a Renault prepara para o próximo ano sua nova família de 3 cilindros e até a BMW já tem seu motor de alto rendimento de 3 cilindros e 1,2 ou 1,5 litro. A GM, que relutou um pouco, já está avançada em suas pesquisas, e a tendência é que utilize o turbo nos seus pequenos motores 1.0, ou até menores. Nesse caso, a busca é por alta performance com baixo consumo. A nova era já começou.