16/10/2013 - 14:11
Houve um tempo em que para pilotar um Fórmula 1 era preciso ter mais do que habilidade. Era preciso ter força física, resistência, autocontrole e muita, muita coragem. Até um pouco de loucura. Ganhava-se pouco e as despesas médicas, assim como as de viagem, saíam do próprio bolso. Foi nessa época que um argentino, filho de italianos, transformou-se em um dos maiores pilotos de Fórmula 1 de todos os tempos. Seu pentacampeonato foi superado por Michael Schumacher 46 anos depois, mas, ainda assim, Juan Manuel Fangio manteve-se insuperável. Pelos números que conseguiu, pela maneira como pilotava.
Sua primeira corrida foi com um Ford T, aos 17 anos, e ele chegou em último lugar. Ao ingressar tardiamente na F1, uma categoria que ainda engatinhava, tinha algumas vantagens sobre os jovens companheiros. Era maduro (tinha 39 anos), estava acostumado a lidar com adversidades, era paciente e muito focado. Quando perguntado sobre a sua preferência pelos monopostos, ele respondia sempre que gostava de ver as rodas da frente. “Mas a verdade é que ele era totalmente concentrado no volante, era realmente muito veloz”, afirmou o piloto Stirling Moss, contemporâneo de Fangio e seu companheiro na equipe Mercedes.
Fangio era hábil também em liderar grupos. Sempre conseguia o melhor carro, participava ativamente do acerto e da preparação e, muito gentil, conquistava a amizade dos mecânicos. Mas também sabia tirar leite de pedra se preciso. Um dos episódios mais marcantes de sua carreira foi em Nürburgring com a Maserati no GP de 1957. Depois de um pit stop mal conduzido, do qual saiu com uma perda de tempo de mais de um minuto, Fangio conduziu brilhantemente o bólido, fez a volta mais rápida e bateu as duas Ferrari que estavam na liderança. Esta foi sua quinta e última temporada vitoriosa.
Mas sua performance foi brilhante em toda a carreira. Nenhum outro piloto teve resultados tão bons quanto os dele. Em oito temporadas (sendo que em uma se acidentou e perdeu diversas provas), de 1950 a 1958, foi campeão em cinco e vice em duas. Seu aproveitamento foi de 47% de vitórias, 62% de títulos e 94% de largadas na primeira fila. Isso sempre sendo elogiado por seu fair play, pela sua humildade e pelo respeito aos adversários. E praticamente sem acidentes. O único grave foi em 1952. Depois de dirigir durante toda a noite, para voltar de um evento e chegar a tempo do GP de Monza, ele entrou na pista cansado e perdeu o controle do carro na segunda volta. Ficou meses imobilizado.
Sua passagem pela Ferrari não foi muito feliz. Foi a única das quatro equipes em que o argentino permaneceu por apenas uma temporada. Apesar de ter sido campeão com a marca do cavalo rampante, não deixou saudades na escuderia, que enumerou três motivos para sua saída: problemas com o carro, má sorte e individualismo. O piloto chegou a ser acusado por Enzo Ferrari de não ser fiel a nenhuma equipe e de estar sempre atrás de quem tivesse a melhor máquina a oferecer. Depois de iniciar na Alfa Romeo em 1950, passou à Maserati em 1953 e ficou ali até meados de 1954, quando se transferiu para a Mercedes. Em 1956 defendeu a Ferrari e, no ano seguinte, voltou à Maserati. Em 1958, em uma corrida em Cuba, foi sequestrado pelos membros do movimento revolucionário de Fidel Castro (leia a história completa na edição 341 de MOTOR SHOW).
Depois desse episódio, o argentino se retirou do automobilismo. Alguns dizem que a experiência no cativeiro (ele se tornou muito amigo de seus raptores) o tornou sensível “à causa” e despertou nele a vontade de abandonar as corridas. Outros afirmam que ele parou porque, aos 47 anos, começou a sentir o peso da idade e já estava cansado de ver amigos morrendo nas pistas. Há, ainda, os que acreditam que ele se desiludiu com a Fórmula 1 quando os patrocinadores começaram a ter um peso grande nas decisões técnicas. Nunca saberemos ao certo. Mas é provável que tenha sido mesmo por tudo isso que o mito resolveu parar e voltar à Argentina. Juan Manuel Fangio morreu em 1995, aos 84 anos, em Buenos Aires. O mito continua vivo.