30/11/2023 - 18:50
Conteúdo atualizado*
Texto adaptado: Flávio Silveira
Reportagem: Marco Pascali, Alessio Viola e Marco Perucca Orfei
Vão dizer, e depois vão repetir. Vão tentar convencê-lo. Mas, acredite: a Purosangue não é um SUV. Crossover pode até ser, pois a “mistura de gêneros” é evidente. Além de rodas grandes, esta Ferrari é um modelo quatro-portas que não se resigna a considerar recessivos seus genes de cupê: tem capô longo e cabine que se estreita na parte traseira. Não importa se um centro de gravidade tão alto nunca tivesse sido visto em Maranello: faz lembrar a FF e a GTC4 Lusso, além de 2+2s de outrora, como a 250 GT de 1960 e a 330 GT de 1964.
Pode até parecer exagero, mas basta dirigi-la por alguns minutos para perceber sua magnitude: a Ferrari Purosangue cria um novo mundo, feito de invenções mecânicas, notável vivacidade sob o pé direito e uma capacidade única de satisfazer as expectativas de motoristas milionários. Uma mistura diabólica que encanta pelo equilíbrio sem precedentes entre as emoções (viscerais) e a usabilidade (um carro para o dia a dia).
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Mas a Ferrari mostrou mais uma vez que sabe lidar com o pathos das quatro rodas com extrema facilidade, e fez até mesmo um acordo com a física: com 2.033 quilos, quase cinco metros de comprimento e 1,59 de altura (o mesmo que no Honda HR-V), não deveria “dançar” entre as curvas como fez comigo. Você dirige mais baixo e próximo da pista do que no Lamborghini Urus ou no Aston Martin DBX, e senta mais alto do que em um sedã como o BMW M5. O equilíbrio entre conforto e dinâmica é o mesmo dos ancestrais shooting brake, atualizados para o terceiro milênio. A direção é de hiperesportivo, são apenas 10,6 segundos para se chegar a 200 km/h (menos que na F40), a sonoridade do motor V12 é contagiante e a traseira gosta (e muito) de “atravessar”.
Ah, e você ainda pode transportar a família e a sua bagagem no fim de semana, pois emoções e demandas contrastantes coexistem, com o bônus de se ter mais rodas motrizes (e esterçantes), assentos e portas. O modelo levou os clientes à loucura: há fila de espera de dois anos para se presentear com o novo carro-chefe da Rossa (ou tentar entrar em uma lista exclusiva), um automóvel que será mais raro que uma berlinetta. O preço na Itália começa em € 390 mil (ou R$ 2,2 milhões); no Brasil, ele chegou partindo de R$ 7,5 milhões.
Ferrari de família
Seja parado, seja aos 310 km/h de velocidade máxima, a cabine da Purosangue impressiona. Há um grande porta-malas (473 litros, só 27 a menos que em uma perua como a BMW Série 3 Touring), portas traseiras que permitem que dois adultos se sentem regiamente em uma das poltronas (a propósito, a abertura suicida – ou invertida –, com um só braço, é uma obra-prima da engenharia) e a típica posição de dirigir elevada, para se ver tudo no trânsito cotidiano.
A carroceria tem a parte superior sinuosa, reinterpretando as formas clássicas da marca italiana, porém com um “vestido” mais alto e comprido que o normal. A parte inferior é mais técnica, feita para “adestrar” o ar: o objetivo aqui não é colar o carro ao chão, mas melhorar a eficiência. Pelo mesmo motivo, há também um sistema start-stop otimizado, com modo “veleiro” (desliga motor e segue na “banguela”). São detalhes úteis para conter o consumo (mesmo assim, é difícil passar de 6 km/l) e também garantem conforto acústico em alta velocidade.
Pela primeira vez, há bancos massageadores e um som premium Burmester em uma Ferrari, este último com a árdua tarefa de competir com as notas do fenomenal motor V12, deliciosamente distribuídas entre a admissão e o escapamento.
Mecânica autoral
Debaixo do capô, está a unidade de 725 cv e 6.496 cm3 da GTC4 Lusso, renovado e corrigido à luz de experiências memoráveis: os cabeçotes, por exemplo, derivam daqueles que são usados na 812 Competizione, e os dutos de admissão, sistema de escape, lubrificação e as bombas d’água e de óleo foram redesenhadas para respeitar os limites atuais de emissões sonoras e de poluentes. Mas a Purosangue pode ser uma máquina muito feroz, e o arsenal escondido sob a carroceria de alumínio (com chassi do mesmo material) é útil para esse fim: vai da caixa de câmbio transaxle (transeixo) ao engenhoso sistema de tração integral – já testado na FF e na GTC4 Lusso – que permite gerar a vetorização de torque, muito útil para tornar todas as curvas deliciosas. Em resumo, tudo contribui para a distribuição ideal do peso.
Um motor, duas transmissões
A carroceria é feita com ligas especiais de alumínio, aços de alta resistência e compostos de carbono. Estes materiais permitiram aos técnicos de Maranello obter valores de rigidez da (torção/flexão) muito altos e, ao mesmo tempo, manter o peso pouco acima de duas toneladas. O motor na dianteira, porém em posição recuada, e a transmissão de dupla embreagem com oito marchas, na traseira, em conjunto com o diferencial “E-Diff”, garantem uma ótima distribuição de peso entre os dois eixos (49% dianteiro, 51% traseiro). Para ter tração integral, pela parte da frente do motor, outra parte do torque é transferida às rodas dianteiras por meio de uma PTU (Power Transfer Unit). Esta incluiu uma segunda caixa de câmbio automática (duas marchas e ré) e duas embreagens eletrohidráulicas, para direcionar assimetricamente o torque nas rodas dianteiras (vetorização do torque). A caixa de câmbio dianteira trabalha em conjunto com as quatro primeiras marchas da traseira, para depois desengatar completamente acima de 200 km/h.
As suspensões também inovam: os amortecedores têm quatro atuadores elétricos de 48V integrados que gerenciam em tempo real amortecimento, rolagem, inclinação e distância do solo – e um motor elétrico de alta densidade de potência na placa inferior que, graças a um sistema de engrenagens e esferas, modifica o comprimento da haste. Peculiar é o fato de poder introduzir energia na haste, no ponto que conecta massas suspensas e não suspensas: é possível desacelerar o movimento da suspensão, mas, se necessário, também acelerar (para a roda ultrapassar um obstáculo, por exemplo). Para isso, há uma bateria de lítio sob o banco do motorista.
Controle total
A suspensão ativa (TASV) de 48 volts é um capítulo à parte, e demonstra a capacidade da Ferrari de usar a imaginação para encontrar soluções para os requisitos de design mais ousados. O sistema, cuja sigla significa True Active Spool Valve, foi desenvolvido em parceria exclusiva com a fornecedora Multimatic: os quatro amortecedores gerenciam rolagem, inclinação, amortecimento e distância do solo em tempo real, garantindo o mesmo conforto do qual eu desfrutava antes de me jogar nas estradas de Trento-Bondone, com o asfalto gelado e escorregadio, um inferno para quem tem mais de 700 cv a altos giros (além das 7.700 rpm, mesmo que o limitador corte a 8.200), e grande massa – mas a sensação é a de guiar um carro compacto e afiado, capaz de velocidades emocionantes, sempre capaz de ser controlado apenas com pequenos movimentos do volante. Consistente com o que estamos acostumados a ver há muitos anos em outras Ferrari.
A Purosangue é um carro que sabe nos fazer admirar as ideias de quem o imaginou e o desenvolveu. Exemplo? O sistema de controle do ar-condicionado: ele “surge” para mostrar a tela na qual se controla todas as funções, mas você pode interagir fisicamente com ele mesmo quando ela está fechada, porque seu anel fica exposto na parte superior para possibilitar ajustes mais rápidos. O painel fica mais limpo e você, ao volante, não abre mão dos controles físicos, importantes para reduzir distrações. Outra coisa: o tapete pode ser substituído por um material rígido balístico, bonito, bastante robusto e visualmente agradável: é indestrutível e “anti-tudo”, algo valioso em um modelo que está destinado a ser usado nas pistas de esqui ou nas mais belas paisagens do planeta.
Resumindo: se você nunca escondeu a paixão por carros grandes, exclusivos e superpotentes e tem uma paixão pela engenharia com “E” maiúsculo, aqui está seu novo Santo Graal. É a Ferrari que não esperávamos, o supercarro da era dos SUVs.
Ferrari Purosangue
Motor: dianteiro, longitudinal, doze cilindros em V, 48V, injeção direta, duplo comando
Cilindrada: 6.496 cm3
Combustível: gasolina
Potência: 725 cv a 7.750 rpm
Torque: 716 kgfm a 6.250 rpm
Câmbio: automatizado de dupla embreagem, oito marchas (d) / duas marchas (t)
Direção: elétrica, rodas traseiras esterçantes
Suspensões: quadrilátero (d) e multilink de cinco braços (t), amortecedores com controle eletrônico e função de barra estabilizadora ativa
Freios: discos de carbocerâmica (d/t)
Tração: integral, diferencial traseiro blocante, torque vectoring na dianteira
Dimensões: 4,97 m (c), 2,03 m (l), 1,59 m (a)
Entre-eixos: 3,02 m
Pneus: R22 (d) e R23 (t)
Porta-malas: 473 litros
Tanque: 100 litros
Peso: 2.033 kg
0-100 km/h: 3s3
0-200 km/h: 10s6
Velocidade máxima: 310 km/h
Consumo médio: 5,8 km/l (Europa)
Nota do Inmetro: E*