Por Flávio Silveira

Os carros elétricos são uma excelente solução para as cidades, considerando a poluição do ar com emissão de CO2 e de outros gases que poluem o ambiente (localmente). Juntando a isso o benefício da ausência de ruído do motor, são ideais para estes locais de concentração populacional. É também onde são mais utilizáveis, com sua baixa autonomia. Já para fazer viagens que excedam 200 ou 300 quilômetros – com tranquilidade, sem ter que planejar cada mínimo detalhe, sem ter surpresas desagradáveis e sem fazer paradas longas. Esqueça, eles não são pra isso, como demonstramos. Mas e se, em vez de opor combustão e eletricidade, fizéssemos um híbrido, no qual trabalhem juntos?

Não é uma ideia nova – a Toyota lançou o Prius em 1994 –, mas, agora, muitos seguiram essa receita, com variações de ingredientes e na montagem. Há marcas que fizeram até melhor, como a Honda com o sistema e:HEV do Civic 2024 – o “e” no nome é para reforçar que ele é “mais elétrico” que outros híbridos. Afinal, este tipo de carro tenta usar cada motor na situação em que é mais eficiente –na cidade, o elétrico; na estrada, a combustão. Então, em baixas velocidades, o Honda usa tração elétrica (o motor a gasolina gera energia para a bateria). Na estrada, em velocidade constante, ele ativa uma engrenagem e o motor a gasolina  passa a tracioná-lo (o elétrico ainda atua em coasting e pedidos de potência extra).

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Há também os carros híbridos plugáveis (PHEV, na sigla em inglês). São capazes de rodar até 150 quilômetros, dependendo da marca, no modo 100% elétrico – mas, em viagens longas, perdem a vantagem se não forem frequentemente carregados. Neste caso, o melhor é um híbrido normal (HEV), livre de plugues, como vimos em 2.000 quilômetros a bordo deste Civic. Ele foi escolhido porque usa o melhor sistema híbrido vendido no Brasil hoje, e queríamos mostrar o consumo de um bom híbrido no “mundo real”.

Antes de prosseguir, explico porque o e:HEV é o melhor. Inteligente, ele consegue entregar não só um consumo extraordinário, mas, também, uma dirigibilidade empolgante. Usando recursos como simulação de marchas – com interrupção simultânea do torque do motor elétrico para dar ainda mais realismo –, o Civic tem a agilidade urbana dos elétricos e uma sensação de dirigir que passa longe do tédio da maioria dos híbridos, que incomodam principalmente pela dissociação entre ruído e movimento. Só faltou ser flex.

Um teste no mundo real

Fizemos duas paradas em 1.500 quilômetros de viagem, e só porque o tanque é pequeno: foi reduzido a 40 litros pra abrir espaço para a bateria do sistema híbrido. Somando tudo, passamos menos de dez minutos “carregando” o Civic. Não fosse um carro tão econômico, isso limitaria a autonomia e poderia ser um problema. Mas, como o consumo é baixo, dá para rodar muito.

Como o que traz economia aos híbridos é o motor elétrico, e, como já vimos, elétricos rendem mais na cidade (pois regeneram energia), os híbridos também rendem mais no cenário urbano. E foi em um deles, São Paulo, que passamos o primeiro dia com o Civic. Rodando partes iguais na plana Zona Sul e na sinuosa Zona Oeste, foram 97 quilômetros com média de 20,4 km/l. No anda e para do trânsito, destaque para o silêncio na cabine e para a agilidade das respostas do sedã – e nas marginais, a 90 km/h, o sistema de direção semiautônoma funcionou perfeitamente.

No dia seguinte, tínhamos uma viagem com destino ao interior de Santa Catarina. Se estivesse com um elétrico, considerando as estradas, seria seguro carregar pela primeira vez a pouco mais de 200 quilômetros de casa. Parei para conferir: o Civic ainda estava com dois terços do tanque e o eletroposto em questão tinha dois carros abastecendo e um esperando. Para a segunda parada, após 380 quilômetros, teria que desviar da rota, então nem passei para conferir. E não haveria nenhum carregador rápido no destino – o que me obrigaria a passar dois dias plugados na tomada de alguém, sem um carro para passear por lá. Ou teria que conseguir mais de 400 quilômetros com uma carga para voltar ao primeiro carregador na rota de volta (nenhum elétrico faria isso). Ou, ainda, perder (mais) tempo para tentar carregar em outra cidade.

Mas, como estava em um híbrido, não precisei me preocupar. Andando dentro do limite ou um pouco acima – 110 a 120 km/h –, quando se está no plano, motores funcionam em total harmonia e mal se percebe quando o propulsor a combustão está ligado (é preciso olhar o símbolo no cluster). Já nas descidas, segue no modo elétrico e ainda aproveita o que seria o freio-motor carregando sua bateria – para depois ajudar na subida ou em pedidos do motorista por mais potência. No trecho entre São Paulo e Curitiba, foram ótimos 18,5 km/l – mesmo com o carro cheio de pessoas e de bagagens em uma sequência de serras, com caminhões e ultrapassagens (fáceis por conta do torque instantâneo do motor elétrico), entre outros desafios das estradas.

Na descida de Curitiba pro litoral, a estrada interditada por um acidente não exigiu um novo planejamento, procura de eletropostos, cálculo de autonomia, nada… Simplesmente mudei o caminho e segui viagem. Na descida da serra, antes passando por cidades cheias de lombadas e paradas, a média foi melhor ainda: 36 km/l. Mas, pra baixo todo santo ajuda. Nesse cenário, as aletas que ajustam o nível de regeneração ajudaram bem, poupando freios e gerando eletricidade para o trecho seguinte, no pé da serra.

Com uma média geral de 19,2 km/l, chegamos ao destino, uma cidade plana (foram oito horas de viagem: com um elétrico teríamos levado no mínimo duas extras, considerando filas e tempo de carregamento). Nessa região, rodamos principalmente em velocidades entre 50 e 70 km/h. Um cenário ideal para baixo consumo. E o Civic aproveitou bem. Em mais de 300 quilômetros, quase só urbanos, usou a inércia e funcionou 90% do tempo com o motor elétrico tracionando e motor a combustão (às vezes) gerando energia – e fez média de 24 km/l, com pico de 28. Só incomodou o fato de o assistente de direção não “trabalhar” abaixo de 72 km/h (no trânsito lento, faz falta). Dias depois, voltamos pelo trajeto originalmente planejado, pois não havia acidente. Na subida da serra para Curitiba, ele ainda fez bons 15 km/l. Depois, andei algo em torno de 100 quilômetros a 140 km/h – e fez 14 km/l (de um modo que o Civic anterior, só a combustão, não faria 10).

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Acima, o painel bem mais limpo do que era nas gerações anteriores, com quadro de instrumentos digital que traz várias informações sobre o funcionamento do sistema híbrido e sobre o consumo. No lugar do tradicional monitor de ponto-cego, a Honda insiste em uma câmera no retrovisor direito

Cheguei em casa, depois de 1.525 quilômetros, com a marca de 19,7 km/l. Em dinheiro, foram R$ 0,28 por quilômetro (gasolina a R$ 5,50). Um carro elétrico do mesmo porte não faria mais do que 5 km/kWh em condições iguais – e gastaria no mínimo R$ 0,20 por quilômetro, se abastecido em casa (considerando R$ 1 por kWh). Mas o valor dobra nos eletropostos – R$ 1,94 o kWh, na média desta viagem –, e, por isso, a viagem seria mais cara que com o Honda. Isso sem falar na ansiedade, no tempo perdido em carregamentos e filas e em não poder sequer dar umas “esticadinhas”, pois a autonomia some. Já na cidade, livre da ansiedade de recarga, o elétrico leva vantagem: um modelo equivalente gastaria R$ 0,16 por quilômetro (com um wallbox em casa), contra um valor em torno de R$ 0,23 para um HEV como este.

No fim, os híbridos são uma síntese ideal entre o carro elétrico e aqueles a combustão: extremamente econômicos no custo ao rodar, eliminam parte da poluição das cidades, como os elétricos, mas podem ser abastecidos como um carro a combustão – em qualquer posto, ou qualquer lugar, sem imprevistos. Mesmo que o futuro seja 100% elétrico, uma fase (longa) de transição será necessária. E o Civic Híbrido é a forma perfeita de fazê-la. Na verdade, quase: faltou usar etanol, um combustível renovável e mais limpo.

Honda Civic Híbrido 2.0 Touring

Preço básico R$ R$ 265.900
carro avaliado R$ 265.900

Motores: dianteiro, a combustão, quatro cilindros em linha 2.0, 16V, injeção direta, duplo comando com variação na admissão e escape + dois elétricos dianteiros
Cilindrada: 1.993 cm3
Combustível: gasolina + bateria (híbrido completo, paralelo, Honda e:HEV)
Potência: 143 cv a 6.000 rpm + 184 cv = 184 cv
Torque: 186 Nm a 4.500 rpm + 315 Nm = 315 Nm
Câmbio: automático e-CVT, caixa redutora com relação fixa
Direção: elétrica
Suspensões: McPherson (d)e multilink (t)
Freios: discos ventilados (d) e discos (t)
Tração: dianteira
Dimensões: 4,679 m (c), 1,802 m (l), 1,432 m (a)
Entre-eixos: 2,735 m
Pneus: 215/50 R17
Porta-malas: 495 litros
Tanque: 40 litros
Peso: 1.449 kg
0-100 km/h: 7s8 (teste na Europa) – 8s1 (medição MOTOR SHOW) Velocidade máxima: 180 km/h (limitada eletronicamente Consumo cidade: 18,3 km/l (Inmetro) e 24 km/l (neste teste)
Consumo estrada: 15,9 km/l (Inmetro) e 19,2 km/l (neste teste)
Nota do Inmetro: B (ranking geral)
Classificação na categoria: A (Grande)