Maior economia da Europa está em crise. Entre as mais afetadas estão as fábricas de automóveis, esperando que o novo governo da Alemanha crie um clima econômico mais favorável.

Num momento em que enfrenta grandes dificuldades, a indústria automobilística alemã aguarda ansiosamente o resultado da eleição de 23 de fevereiro de 2025. Com a economia em recessão, o governo do chanceler federal Olaf Scholz, hoje reduzido a uma coalizão minoritária entre social-democratas e verdes, está sendo diretamente responsabilizado por parte dos problemas.

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Clima na indústria automobilística alemã

De acordo com o instituto econômico Ifo, o clima na indústria automobilística alemã está ruim há meses. Em janeiro, o índice Ifo para o clima de negócios caiu para 40,7 pontos negativos, de 34,7 pontos negativos em dezembro.

Janeiro registrou um recuo nas vendas de automóveis novos. Dados oficiais mostram que 207.640 unidades foram vendidas, ou 2,8% a menos que no mesmo mês de 2024.

Carros exclusivamente elétricos tiveram uma participação de mercado de 16,6%, ficando atrás dos híbridos, com 37,1%, e dos movidos a gasolina, com 30%. Em termos absolutos, as vendas de carros elétricos estão no mesmo nível dos meses anteriores.

A substituição dos motores de combustão pelos elétricos é um ponto central para todos os fabricantes de automóveis da Alemanha. Mesmo que especialistas prevejam um aumento de médio e longo prazo nas vendas de elétricos, o que predomina é a incerteza, tanto entre as montadoras como entre os consumidores.

O principal motivo é “a falta de uma linha clara do governo federal na mobilidade elétrica”, avalia o economista Jürgen Pieper. Ele lembra que Berlim inicialmente subsidiou a compra de carros elétricos, mas de repente acabou com o subsídio.

O economista Dirk Dohse, do instituto econômico IfW, também critica o “vai e vem” no apoio estatal aos carros elétricos: em especial o fim sumário do “bônus ambiental” em dezembro de 2023 teria contribuído para o ambiente de incerteza.

Funcionários da Volkswagen AG marcham por salários mais altos durante uma "greve de advertência" do sindicato de metalúrgicos IG Metall da Alemanha, em Osnabrueck, Alemanha, 6 de novembro de 2024. O cartaz diz: "Empregos para todos os locais da VW - nunca houve tanta luta quanto agora"
Funcionários da Volkswagen AG marcham por salários mais altos durante uma “greve de advertência” do sindicato de metalúrgicos IG Metall da Alemanha, em Osnabrueck, Alemanha, 6 de novembro de 2024. O cartaz diz: “Empregos para todos os locais da VW – nunca houve tanta luta quanto agora” – Crédito: REUTERS/Teresa Kroeger/Foto de arquivo

Energia cara demais

Para Dohse, esse ponto é particularmente preocupante: “Nos rankings internacionais, a Alemanha frequentemente é empurrada para baixo”. O setor industrial sofre com os altos custos de energia e a burocracia excessiva, afirma.

A questão da atratividade da Alemanha como polo industrial é crucial para a VDA, a qual exige que o governo federal e a União Europeia recoloquem o país nas primeiras posições do ranking internacional. Isso requereria energia barata, menos regulamentações e burocracia, e um sistema de impostos mais competitivo.

Dohse ressalva que a União Europeia também desempenha um papel, já que o governo federal alemão teria apenas influência limitada sobre as metas climáticas que partem da UE”.

estande da Audi
O estande da Audi é retratado no dia da mídia no Salão do Automóvel de Paris de 2024 , em Paris , França, em 14 de outubro de 2024 – Crédito: REUTERS/Benoit Tessier

Erros da própria indústria

Além disso, o economista vê um certo grau de culpa por parte do próprio setor industrial: “Ajustes estruturais necessários foram adiados por muito tempo, o que acarretou uma diminuição considerável das margens de lucro. As empresas alemãs levaram muito tempo para se aliarem a parceiros forte na área de software”.

É por isso, segundo ele, que hoje a indústria automobilística alemã não tem nenhum modelo de grande sucesso no mercado de carros elétricos, ao contrário, por exemplo, da chinesa BYD.

Um estudo recente da associação de acionistas DSW confirma que muitos dos problemas enfrentados pela indústria alemã foram criados por ela mesma. Estruturas ultrapassadas, diretorias infladas e fraca capacidade de inovação seriam as principais razões para a crise. Já os altos preços da energia, frequentemente mencionados, desempenhariam um papel secundário.

Devido à pandemia de covid-19 e a guerra na Ucrânia, as empresas alemãs enfrentaram condições difíceis, afirma o autor do estudo, o consultor Martin Geissler. “Mas isso não deve obscurecer o fato de que muitos dos problemas atuais são causados internamente, sendo o resultado de as empresas simplesmente deixarem de fazer mudanças importantes por duas décadas.”

De acordo com o estudo, altos custos salariais e estruturais representam o maior fardo para as empresas alemãs, seguidos pela burocracia. Soma-se a isso o aumento da concorrência internacional, por exemplo da China, que afeta particularmente a indústria automobilística (incluindo a Volkswagen, a maior montadora da Europa), e a escassez de trabalhadores qualificados.

Baard Gundersen carregando seu BMW iX
Baard Gundersen carregando seu BMW iX – Crédito: Jonathan NACKSTRAND / AFP

Clareza nos incentivos

Os especialistas dizem que a solução para o setor automotivo passa por acabar com a incerteza para a indústria e os consumidores. É questionável se subsídios são a melhor opção, mas, se eles existirem, então deve haver um período de validade pré-determinado e regras claras e transparentes, diz Dohse, para quem alterações ao sabor da conjuntura econômica devem ser evitadas.

Pieper acrescenta que o governo não deve regulamentar demais, mas permanecer aberto a diferentes soluções tecnológicas. Além disso, deve “estabelecer metas precisas, mas deixar para o setor industrial decidir qual o melhor caminho para alcançá-las”. Dohse lembra que a infraestrutura para a recargas das baterias também é importante, sendo prioritária a rápida expansão das estações de carregamento.

Influência dos EUA

No entanto, está claro para todos que o futuro da indústria automobilística alemã não depende apenas de decisões tomadas em Berlim ou em Bruxelas. Também terão grande influência as políticas do governo do presidente americano Donald Trump, que logo no início do mandato adotou medidas vistas por economistas como o início de uma guerra comercial.

Pieper avalia que, diante da atual situação de incertezas, o próximo governo alemão provavelmente tentará facilitar a vida da indústria automobilística, por exemplo adiando a proibição dos motores de combustão, anunciada para 2035, ou criando novos incentivos para a compra de carros elétricos ou híbridos.

A primeira opção, porém, se torna mais improvável se o Partido Verde integrar a próxima coalizão de governo, que possivelmente será liderada pelos conservadores da aliança entre entre a União Democrata Cristã e Social Cristã (CDU-CSU), que têm como candidato a chanceler federal Friedrich Merz, um político sem experiência de governo, mas com fortes ligações com o setor empresarial.

Manifestantes seguram cartazes durante um protesto de funcionários da montadora alemã Mercedes
Manifestantes seguram cartazes durante um protesto de funcionários da montadora alemã Mercedes exigindo salários mais altos, em uma fábrica da Mercedes em Berlim, Alemanha , 29 de outubro de 2024. REUTERS/Liesa Johannssen

Conexões entre indústria e estados

Na Alemanha, as conexões entre a indústria automobilística e a política são estreitas, e não apenas no nível federal. As montadoras dependem, também nos níveis estadual e municipal, de taxas e impostos favoráveis. E para os governos, os empregos gerados são muito importantes e precisam ser protegidos.

Na Baixa Saxônia, a interdependência é mais óbvia, pois o estado detém 20% das ações do Grupo VW, possuindo, portanto, poder de veto em decisões da direção. O governo estadual, hoje liderado pelo Partido Social-Democrata (SPD), também integra o conselho de supervisão da empresa.

Mas também há fortes conexões no estado de Baden-Württemberg, hoje comandado pelo Partido Verde. Lá estão sediadas a Mercedes-Benz e a Porsche (do Grupo VW). Na Baviera, governada há décadas pelo partido conservador CSU, estão as sedes da Audi, também parte do Grupo VW, e da BMW.