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Nelson Piquet Souto Maior completou 65 voltas na corrida da vida no último dia 17 de agosto. Esse carioca que nasceu em 1952, antes da instalação da indústria automobilística no Brasil, torce para o Vasco da Gama e é um homem bem diferente daquele cantado pelos Beatles em “When I am 64”, música de Paul McCartney que fala de um velhinho pacato e que precisa da atenção da mulher amada. Normal. Se fosse um beatle, Nelson seria o John Lennon (um sujeito brilhante, surpreendente, que estava satisfeito com as próprias conquistas e não precisava ficar provando que era o melhor) e Ayrton Senna seria o Paul (um cara igualmente brilhante, mas perfeccionista, totalmente focado no trabalho e em busca incansável do sucesso).

Mas não é da personalidade de Nelson Piquet que eu quero falar. E sim de sua visão acima da média, de sua contribuição para a modernização da Fórmula 1 e dos carros que usamos, de sua ousadia ao testar novas tecnologias e – por que não? – das vezes em que colocou o mito Ayrton Senna no bolso.

Mas, calma, isso aqui não é um comparativo entre os dois tricampeões. Porém, como o Brasil sempre foi dividido quando o assunto é Piquet e Senna, como se o sucesso de um diminuísse o sucesso de outro, não tem como não citar o eterno Ayrton, às vezes.

Também é necessário lembrar que foi Nelson Piquet, na temporada de 1980, quem recuperou a auto-estima braseira na Fórmula 1. Depois de um início arrebatador no início dos anos 1970, com dois títulos de Emerson Fittipaldi, a experiência da equipe Copersucar-Fittipaldi jogou os torcedores passionais na depressão a partir de 1976, quando o campeão passou a correr por seu próprio time. Curiosamente, na primeira vitória de Nelson na F1, no GP dos EUA Oeste de 1980, com um Brabham BT49, Emerson obteve seu último pódio na Fórmula 1. A cena foi simbólica: no pódio de Long Beach, o velho campeão passava o cetro ao seu sucessor nas pistas.

TECNOLOGIA

Piquet já foi Piket (seu pai não queria que ele corresse), iniciou como Nelsinho, depois passou a ser apenas Nelson e hoje muitos o chamam de Nelsão. Sempre foi um piloto “raiz”, que entendia do carro tanto quanto seus mecânicos, ao contrário de muitos pilotos “Nutella” de hoje, que são hábeis com os botões do volante mas não têm um profundo conhecimento técnico do carro.

Quando ainda era o Nelsinho, em 1976, na Fórmula Super Vê, Piquet chegou a bolar com um mecânico um sistema de cabos que permitia a ele interferir na aerodinâmica do carro (Polar Volkswagen) durante a corrida. O ganho de velocidade nas retas sem o arrasto aerodinâmico é enorme. Para se ter uma ideia do quanto Nelson estava à frente de seu tempo, só em 1988 a Porsche substituiu os aerofólios tipo “rabo de baleia” do modelo 911 de rua pela asa móvel que vemos até hoje (fica embutida no carro e abre-se quando alcança determinada velocidade). Sem contar que a Fórmula 1 encontrou no sistema DRS (abertura das asas traseiras) uma forma de provocar mais ultrapassagens  nas corridas.

E os motores turbo? Nelson foi o primeiro campeão mundial com um carro turbo. Ao volante do Brabham BT52B, equipado com um pequeno motor 4 cilindros em linha turbinado, ele conquistou seu bicampeonato na Fórmula 1 em 1983. O downsizing nos motores virou uma febre nos últimos anos e o turbocompressor passou a ser uma realidade em quase todos os carros de sucesso no Brasil. Hoje temos o Volkswagen Up 1.0, o Hyundai HB20 1.0, o Ford Fiesta EcoBoost 1.0, o Honda Civic 1.5 e o Chevrolet Cruze 1.4 usando motores turbo, só para citar alguns. Sem contar os vários modelos de entrada com motor de três cilindros.

Nelson ganhou sete corridas pela Brabham BMW e mais sete pela Williams Honda, que usava um V6 turbinado. Portanto, de suas 23 vitórias na Fórmula 1, 14 foram com motor turbo e nove com o tradicional Cosworth V8 aspirado da Ford. Além disso, ele fez 24 poles, marcou 23 vezes a melhor volta da corrida, liderou 1.600 voltas e andou 7.610 km na liderança. E chegou pertíssimo de mais dois títulos em 1980 e 1986. Um pouco mais de sorte e teria sido pentacampeão como o argentino Juan Manuel Fangio.

Piquet foi o precursor também do uso da suspensão ativa. Esse sistema, que identifica a necessidade do carro de acordo com o piso, é ajustado eletronicamente. Foi uma revolução para os pilotos de Fórmula 1. Acostumados a pilotar um carro extremamente nervoso, que pulava como cabrito, passaram e conduzir bólidos muito mais estáveis na pista, o que exigiu uma rápida adaptação no modo de dirigir. A Williams estreou esse sistema no modelo FW11B, no GP da Itália de 1987, com o próprio Nelson Piquet, que fez a pole position e venceu a corrida, disparando rumo ao tricampeonato. Nigel Mansell, seu companheiro de equipe, não se adaptou e preferiu usar o carro velho até o fim do campeonato.

A suspensão ativa durou na Fórmula 1 até 1994 e depois foi banida. Mas se tornou cada vez mais popular nas ruas. Hoje, dificilmente um carro esportivo ou (ou simplesmente de luxo) não traz em seu pacote tecnológico um sistema de suspensão inteligente. Guardadas as devidas diferenças, qualquer motorista hoje pode ajustar a suspensão de um desses carros de rua, endurecendo ou amolecendo a suspensão, com um simples toque em um botão.

ESTRATÉGIA

Finalmente, na parte esportiva, Nelson Piquet também foi um campeão diferenciado. Quebrou o paradigma de que uma parada nos boxes significava o fim das chances de vitória. Em 1983, ele passou a largar com pouquíssimo combustível em seus Brabham BT52 e BT52B, deixando os concorrentes alucinados com seu desempenho nas primeiras voltas. Depois, parava para reabastecer e já estava com tanta vantagem que sempre conseguia um bom resultado. Ganhou três corridas e ainda deu uma de presente ao companheiro Riccardo Patrese no dia em que foi bicampeão mundial.

Claro que no ano seguinte todos copiaram essa estratégia. Mas no GP dos EUA Leste de 1984, em Detroit, pilotando o Brabham BT53, Nelson mudou de tática. Naquela pista não valia a pena parar. Assim, liderou as 63 voltas da corrida. Atrás dele, usando a estratégia das outras provas, Alain Prost, Nigel Mansell, Michelle Alboreto, Elio de Angelis, Derek Warwick, Eddie Cheever e Martin Brundle trocaram de posições várias vezes devido às paradas para reabastecimento. Como se sabe, depois disso os pit stops se tornaram tão necessários que acabaram virando uma das maiores atrações da Fórmula 1 e duram até hoje.

TÉCNICA

Para completar esse texto sobre a trajetória de Nelson Piquet na Fórmula 1, vale a pena lembrar três momentos de técnica excepcional – e as três sobre o preferido Ayrton Senna, para não deixar dúvidas de que ambos merecem um reconhecimento unânime da torcida brasileira.

Nelson era exímio largador. Um dos melhores de todos os tempos. No GP do México de 1986, Ayrton fez a pole e Nelson largou em segundo. Os dois disputaram palmo a palmo, com unhas e dentes, a freada e a posição até a primeira curva. Piquet tomou a frente de Senna ali mesmo e liderou 31 voltas.

Na mesma temporada, no GP da Hungria, a ultrapassagem de Piquet sobre Senna, por fora, derrapando nas quatro rodas um carro com mais de 1.000 cv de potência, levou o grande Jackie Stewart a dizer: “Foi a maior manobra da história da Fórmula 1”. O vídeo dessa ultrapassagem tem milhares de visualizações no YouTube.

A mesma cena do México se repetiu no decisivo GP da Austrália de 1986 – uma das maiores corridas de todos os tempos, se não a maior. Mansell, Piquet, Senna e Prost largaram nas duas primeiras filas, nessa ordem, numa prova em que só Ayrton não tinha chances de ser campeão. Mas foram os dois brasileiros que pularam na frente. De novo, o Williams de Piquet e o Lotus de Senna chegaram na primeira curva disputando cada centímetro de pista. Os dois eram muito arrojados e Nelson ganhou de novo, liderando as seis primeiras voltas.

Ainda nessa corrida, Nelson voltou à liderança nas voltas 63 e 64, mas teve de parar nos boxes para trocar de pneus, por precaução da Williams, porque os pneus de Mansell haviam estourado. O brasileiro caiu para segundo lugar e durante 18 voltas reduziu uma enorme distância que o separava de Prost (que tivera a estranha sorte de rodar no início da prova e ter sido obrigado a trocar de pneus). Se tivesse mais duas voltas, Piquet ganharia seu terceiro título, mas não deu tempo. Ficou para o ano seguinte, quando se sagrou o primeiro brasileiro tricampeão mundial de Fórmula 1.

Hoje, com 65 anos, Nelson Piquet é um mito do esporte como poucos brasileiros. Nenhuma reverência a ele é exagerada.