01/12/2008 - 0:00
Rubens Barrichello ganhou seu primeiro kart aos seis anos de idade. “Meu pai sempre recorda que eu gostava tanto de correr de kart que se ele deixasse eu não faria mais nada da vida”, lembra Barrichello. Antes de partir para o automobilismo, Rubinho foi cinco vezes campeão brasileiro de kart e outras cinco campeão paulista. Nos anos em que não conseguiu o título, foi vice. Em seu primeiro ano de Fórmula Ford, terminou com a quarta colocação no campeonato. Mas o automobilismo só foi considerado profissão quando teve que partir para a Europa em 1989 para correr de Fórmula Opel. “O choro mais longo da minha vida foi no corredor do terminal de embarque, ao me despedir para a Itália. Estava indo para um país desconhecido sozinho, sem falar italiano, para morar na casa dos mecânicos. Mas isso foi muito importante, pois decidi que deveria fazer valer aquele sacrifício”, conta.
Já em seu primeiro ano na Fórmula Opel, foi campeão. E a história se repetiu nos anos seguintes nas Fórmulas 3 e 3000, fazendo com que Rubinho assinasse com a equipe Jordan de F-1 em 1993.
Hoje, depois de uma das mais difíceis temporadas de seus 16 anos de carreira, ainda com a incerteza de seu futuro na categoria, Rubens Barrichello, o mais experiente competidor da F-1 (é recordista em número de GP), não se deixa abalar, e diz estar passando por uma boa fase na vida. “Sem toda a pressão que tinha, consigo curtir muito mais a emoção de guiar”, diz.
De férias no Brasil, o piloto recebeu a equipe de MOTOR SHOW no kartódromo da Granja Viana, durante um treino para a tradicional 500 Milhas de Kart. Ao chegar à pista, Rubinho mais parecia uma criança voltando para o colégio depois das férias. Ali, ele não é o Barrichello, duas vezes vice-campeão mundial, mas o Rubinho, que todos os anos, depois do término da temporada de F-1, volta ao kartódromo para rever os amigos e se divertir acelerando. Em uma sala improvisada dentro do boxe, o piloto falou das dificuldades de sua carreira, do futuro e de muitas polêmicas da época em que ainda corria pela Ferrari.
AYRTON SENNA
Rubinho ganhou seu primeiro Kart aos seis anos de idade
“Conheci o Ayrton em 1987. Eu estava me preparando para ir disputar o Mundial de Kart. Meu pai ligou para ele pedindo uma ajuda para escolher a equipe e ele recomendou o time em que competia. Foi assim que nos aproximamos.”
“Minha relação com o Ayrton era de amizade e admiração mútua, muito mais da minha parte, é claro, pelo ídolo que ele era, mas dele também. Acho que por ver uma criança de formação humilde com talento para seguir carreira no automobilismo, me admirava. Lembro muito bem do meu primeiro GP na F-1 em Kyalami, quando ele veio até meu boxe me dar um abraço e dizer que poderia contar com ele. Em outro episódio, na prova de Mônaco, fui atrás dele para que pudesse me dar umas dicas do traçado. Mas não dava para considerá-lo meu amigo, porque eu nem sequer tinha o número do telefone dele. Se bem que se ele tivesse me dado talvez ligasse todos os dias (risos).
“Se não tivesse deixado o Schumacher me ultrapassar na Áustria, poderia ter sido mandado embora, mas também poderia ter aberto um leque de possibilidades”
“A morte dele me afetou muito, tanto na parte pessoal como na profissional. Meu avô morreu quando eu tinha seis anos, mas eu não vi sua morte. Nem fui ao enterro. Sofri a falta dele, mas não tive tanta proximidade com o fato. Por isso, o Ayrton foi a primeira pessoa próxima de mim a morrer.”
“Olhando pelo lado profissional foi ainda mais difícil por querer abraçar o Brasil dizendo: ‘olha, eu sinto que tenho talento, então eu vou trabalhar muito para que eu possa dar tudo que vocês tiveram com o Ayrton’. Mas eu nunca prometi nada, simplesmente falei de coração.”
“O Ayrton precisava ter ficado na F-1 pelo menos mais dois ou três anos, que era o tempo para eu amadurecer. Ele se foi muito cedo, me deixou com carros não competitivos. Por isso, não dava para suprir a expectativa da torcida. Foi a fase mais crítica da minha carreira. Tanto é que, em 1995, tive que repensar muito o porquê de estar na F-1. Cheguei à conclusão de que amava o que fazia.”
FERRARI
“Embora tenha tido épocas muito boas na Ferrari, acredito que o auge da minha carreira ainda está por vir, pois lá não me davam igualdade de condições. Eu tinha um bom equipamento, mas sempre corria com o plano B. Ganhei nove corridas na Ferrari. Todas elas com estratégias piores do que as do Schumacher. Eu sei da minha capacidade, e tudo que conquistei é prova dela.”
“Sei que já teria sido campeão do mundo se não fossem algumas tramóias, no sentido de não ter condições iguais dentro da equipe. As possibilidades de o plano B dar certo são muito pequenas. Mesmo assim, conquistei muito. Para mim, se não fossem essas coisas, já teria sido campeão do mundo. Buscar isso é um dos principais motivos de continuar na categoria. O outro é pelo prazer.”
ARREPENDIMENTOS
Eu não me arrependo de nada que fiz na vida. Mas me perguntam sempre: ‘Será que seria diferente se você não deixasse o Schumacher passar na Áustria?’ (Quando, em primeiro lugar, Barrichello acatou as ordens da equipe e deixou-se ultrapassar por Schumacher, seu companheiro de equipe). Acho que existe um lado positivo e um negativo. Eu poderia ter sido mandado embora, mas também poderia ter aberto um outro leque de possibilidades. Realmente não sei o que aconteceria. Não me arrependo do que fiz, mas ao mesmo tempo não arrisco responder se faria novamente.”
MICHAEL SCHUMACHER
“Não guardo ressentimentos, nem do Schumacher nem da Ferrari, mas o povo brasileiro não sabe de metade da minha história na Ferrari. Do que realmente aconteceu. Eu tenho muita vontade de contar coisas polêmicas. Acho que posso fazer uma biografia e o capítulo Ferrari será o maior, não tenha dúvida.”
“Recentemente publicaram que eu puxei um coro malcriado para o Schumacher na festa de final de ano da Ferrari, mas isso é uma grande mentira. Coisa de quem não tem o que fazer. A verdade é que em todo o GP Brasil a torcida gritava ‘Schumacher viado, Scumacher viado…’. Ele até perguntava o que estavam falando, e a gente tirava sarro, dizendo que a torcida gostava muito dele… Na festa não foi diferente. No meio da pista de dança, começaram a gritar, e depois saiu em um jornal que eu tinha começado.
FAMÍLIA
“Morro de paixão por meus pais. Eles abriram mão de muitas coisas para que eu chegasse aonde cheguei. As pessoas dizem que estou em uma fase difícil, sem contrato assinado… Mas para mim difícil foi quando meu pai me disse que teríamos que parar de competir por falta de condições. Esse sim foi um momento complicado, em que pude ver o sacrifício do meu pai, correndo atrás de patrocínio. Minha irmã também sempre me apoiou e hoje minha esposa e meus filhos me dão força.”
“Já estou aprendendo muito com o Dudu e o Fernando, meus dois filhos. Lembro de um dia que cheguei em casa depois de um treino de sextafeira em Interlagos, quando ainda corria pela Ferrari, e meu filho estava me esperando em casa para brincar. Ele não estava interessado em como tinha sido meu dia. Queria apenas brincar. Depois disso aprendi que você não pode levar os problemas para dentro de casa.”
“Saí da Ferrari para ter igualdade de condições. Hoje tenho essa igualdade, mas não tenho um carro competitivo”
INSTITUTO BARRICHELLO KANAAN
“A idéia do Instituto surgiu há muitos anos. Na porta do kartódromo de Interlagos havia um menininho, que ficava pedindo esmola para quem passasse. Eu e Tony (Tony Kanaan, piloto da Fórmula Indy) ainda éramos crianças, competíamos na categoria Junior de kart. Em uma ocasião, passamos por lá e estava fazendo muito frio e meu pai deu um casaco da Arisco para o garoto. Alguns dias depois, no mesmo lugar, encontramos o garoto chorando novamente. Seu pai havia tomado o casaco dele para vender e comprar bebida. Daquele dia em diante, eu e o Tony decidimos que, se o futuro nos coroasse e tivéssemos condições financeiras, iríamos ajudar muitas crianças”.
“Lá no instituto, nosso principal intuito é passar um pouco dos valores familiares para as crianças e as ensinamos a ter respeito com o próximo. Por incrível que pareça, acabamos ensinando mais os pais do que as próprias crianças.”
“O esporte predileto das crianças é o basquete, por isso, contamos com a colaboração da Paula (ex-jogadora da seleção brasileira de basquete).”
TEMPORADA 2009
“Apesar de a Honda admitir que fiz uma temporada melhor que a do meu companheiro, a equipe disse que optou pelo Button (Jenson Button) por ele ser mais jovem. Eu respondi que se eles me dessem um contrato de três anos para assinar nem pensaria duas vezes. Afinal, saí da Ferrari para ter igualdade de condições. Hoje eu tenho essa igualdade, mas não um carro competitivo. Quando disse isso, eles até ficaram surpresos, porque pensavam que eu quisesse parar.”
Na minha opinião, mais do que nunca a equipe precisa do meu trabalho. Não acredito que um piloto novato seja a melhor alternativa. O primeiro ano sempre é mais para aprendizado e não se consegue muitos resultados. O próprio Button disse isso em uma entrevista.”
“Estou negociando também com a STR (até o fechamento desta edição o piloto ainda não tinha fechado contrato), mas para correr lá preciso de um bom patrocínio. Não acho que tenho muita preferência, já que a STR é uma equipe satélite da Red Bull, que tem em seu programa de pilotos muitos talentos. Mas uma coisa é certa, estou indo atrás de tudo que eu posso para continuar na F1.”
O FUTURO
“Meus planos são viver intensamente a F-1, por isso, não gosto de pensar no que fazer quando sair da categoria. A Fórmula Indy seria uma boa opção porque gosto de ovais, mas minha família não concorda muito. Eles tomam como exemplo o Piquet e o Emerson, que se acidentaram na categoria. Quando a família começa a implicar é melhor deixar para lá. O dia que eu parar, muito provavelmente eu vou querer voltar para o Brasil.”
RUBINHO 1993 X RUBENS 2008
“Sou muito melhor agora. Tenho a velocidade que tinha em 1993, se não mais, somada a todo conhecimento de vida. Uso as dificuldades como aprendizado e posso dizer que estou mais seguro de mim.”