15/02/2018 - 7:55
Muitos consideram extremamente surpreendentes as vendas do Jeep Compass. No ano passado, primeiro ano completo da nova geração do SUV global lançado em setembro de 2016, foram emplacadas dele quase 50.000 unidades, o colocando à frente até do ex-líder Honda HR-V (47.775 carros vendidos no ano) e do Hyundai Creta (41.625) – ambos SUVs compactos, que disputam outra faixa do mercado, brigando mais diretamente com o irmão menor do Compass, o Jeep Renegade (38.330). Seria o Compass tão bom que se tornou imbatível? Bem, diz o ditado que em terra de cego quem tem um olho é rei. Bem, o Compass é rei em terra de cego.
Não que o o Jeep não seja um ótimo produto (leia aqui nossa avaliação). É um SUV moderno e global, fruto de um projeto extremamente bem executado e adaptado ao Brasil, com muitas versões e opções. É bom de guiar, seguro, sofisticado e robusto. Mas não há como negar que essas vendas expressivas se devem também, em boa parte, à escassez de rivais suficientemente competitivos, seja em valor, seja em volume. Vamos analisar o mercado de SUVs médios:
OS PIONEIROS
Se o fenômeno EcoSport “criou” a categoria de SUVs compactos em 2003, podemos dizer que a de SUVs médios “nasceu” no Brasil em 2005-2006, quando as vendas se tornaram expressivas. Nessa primeira fase, que foi até 2010, quem reinou quase sozinho foi o Hyundai Tucson de primeira geração, que era um pouco menor e tinha um custo-benefício melhor que nos japoneses Toyota RAV4 e Honda CR-V.
Só a partir de 2008/2009 o Tucson passou a ser incomodado por Kia Sportage, Mitsubishi Outlander e Chevrolet Captiva. Nesse mesmo ano, começou a fazer resultado a importação do Honda CR-V do México, de onde vinha sem imposto de importação (e ainda sem cotas), ficando cerca de R$ 30.000 mais barato (foi de R$ 115.000 mil para cerca de R$ 85.000). Mesmo assim, em 2009 foram emplacados 28.867 Tucson, contra 13.584 Captiva (menos da metade, melhor ano do Chevrolet), 11.231 CR-V, 7.899 Sportage e 2.331 Outlander.
Podemos considerar como uma segunda fase o período entre a chegada do Hyundai ix35 (fim de 2010) e o lançamento do Compass (final de 2016). Com a chegada da nova geração do Tucson, batizada aqui de ix35, o “velho” Tucson continuou em produção e foi reposicionado, melhorando a já boa relação custo-benefício para seguir na liderança quase o tempo todo até o Jeep chegar em 2016. Enquanto isso, o CR-V viu suas vendas despencarem do pico de 18.750 carros em 2010 com a imposição de cotas para a importação do México – e o Captiva teve o mesmo problema.
Assim, até a chegada do Jeep em 2016, o segmento de médios passou a ser dominado pela dupla coreana Tucson/ix35, às vezes intercalada pelo conterrâneo Kia Sportage e/ou pelo japonês Mitsubishi ASX (mais pra compacto que pra médio, na minha opinião). Só em 2015 o ix35 passou seu antecessor (14.729 unidades contra 11.275). Eles foram seguidos do ASX (9.582), do Outlander (8.225), do Sportage (6.694), do RAV4 (5.171) e do “sabotado” CR-V (1.969 emplacamentos). E se em 2015 HR-V e Renegade revolucionaram o segmento dos SUVs compactos, no ano seguinte foi a hora de o Compass mudar tudo entre os médios…
A GRANDE SACADA DA JEEP
A Jeep teve uma excelente visão de mercado no planejamento da ofensiva recente no Brasil: a fábrica na pequena Goiana, Pernambuco. Inaugurada em 2015, começou a produzir os produtos certos na hora certa – primeiro o Renegade e depois o Compass (além da Fiat Toro, outro grande sucesso).
Enquanto o Renegade acertou em muitos aspectos emocionais (estilo, história, acabamento), errou em alguns racionais (porta-malas, espaço interno). E enquanto nós, jornalistas especializados, questionávamos se o inédito Renegade seria o produto ideal para um segmento que “substituía” sedãs e hatches médios para acomodar a família, a Jeep finalizava o verdadeiro modelo ideal para isso – a nova geração do Compass.
Ser nacional “de verdade” no segmento trouxe vantagens ao Compass, principalmente em épocas de Inovar-Auto (ix35 e New Tucson são montados em Goiás, mas o Jeep tem mais etapas de produção no Brasil, com índice de nacionalização maior). Além de acesso mais fácil e seguro e dos custos mais atraentes de peças, a marca conseguiu encaixar um ótimo produto não apenas em um, mas em dois nichos de mercado pouco disputados ou quase abandonados.
O primeiro fica um pequeno degrau acima dos SUVs compactos , entre as versões topo de linha de Creta, HR-V, Kicks e cia. – na faixa de R$ 100.000/110.000 – e os SUVS médios, quase todos importados e com preços das versões mais vendidas já na faixa acima de
R$ 140.000/150.000. Nesse intervalo – R$ 110.000 e R$ 135.000 –, os rivais de porte similar ou estavam há muito tempo sem novidades, ou pouco competitivos, ou fora do jogo (por diferentes razões: cotas, dólar alto, os 30 pontos extras de IPI do Inovar Auto…).
O segundo é o de SUVs a diesel de menos de R$ 200.000, onde além do irmão Renegade (que muitos achavam pequeno demais, principalmente no porta-malas), há hoje só mais uma alternativa abaixo dos R$ 200.000: o Mitsubishi Outlander.
O REINADO DO COMPASS
Vejamos o mercado total de SUVs médios do ano passado:
SUV | VENDAS | PARTICIPAÇÃO |
COMPASS | 49.187 | 60,55% |
IX35 | 10.254 | 12,62% |
TUCSON (S) | 5.032 | 6,19% |
ASX | 4.922 | 6,06% |
OUTLANDER | 4.675 | 5,76% |
SPORTAGE | 3.639 | 4,48% |
TIGUAN | 1.418 | 1,75% |
EQUINOX | 1.240 | 1,53% |
3008 | 861 | 1,06% |
O Jeep Compass tem mais de 60% do segmento! Impressionante, não? Mas quem está diretamente brigando no primeiro nicho que citei, dos Compass Flex Sport/Longitude, entre R$ 115.000 e R$ 135.000?
Bem, o Hyundai ix35 é um projeto de 2009, já sucedido em grande parte do planeta por uma nova geração. Dessa forma, mesmo sendo um ótimo produto e tendo sofrido um facelift e melhorias, já sente o peso da idade. Ainda assim, tem ótimo relação custo-benefício e é um dos rivais mais duros para os Compass de entrada/intermediário. Mesmo assim, emplacou só 10.254 unidades em 2017, um quinto do que vendeu o Jeep.
Seguindo a lista dos mais vendidos, com apenas 5.000 unidades temos o Tucson. Aquele de primeira geração não é rival, pois briga hoje com os compactos como um devido à sua idade avançada e porte do Duster, que ficou pequeno para um SUV médio nos padrões de hoje. Mas o número deve incluir também o excelente New Tucson, que vai de R$ 138.900 a R$ 159.600. A versão mais barata GL, inclusive, está sendo vendida promocionalmente por R$ 129.900, em uma boa jogada da marca, que pode afetar o rival da Jeep.
O também nacional ASX, como já disse, é outro que fica literalmente pequeno para
essa briga. E também sente o peso da idade, por isso está sendo vendido por atraentes
R$ 100.000/R$ 110.000 como alternativa aos compactos. Outro Mitsubishi, o Outlander,
é espaçoso e moderno, mas vem importado do Japão e parte de R$ 135.990 em uma versão básica com motor 2.0 “tímido” para o carro. As mais interessantes, seja com o mesmo 2.0, V6 ou a diesel são mais caras que o Compass.
O Kia Sportage é um produto com visual atraente e tem uma versão (LX) na faixa do Compass (R$ 112.990). Mas ela é pouco equipada, mais para servir de chamariz para as concessionárias, e a EX, que vale a pena, já custa R$ 139.990. O modelo ainda sofreu ano passado com os pontos extras do IPI por causa do Inovar Auto, e a imagem da Kia abalada com as vendas que despencaram e com a rede de concessionárias que encolheu.
Fecham a lista um carro que está saindo de linha – o Tiguan, que era um belo rival (leia comparativo), porém mais caro – e duas novidades que tem potencial para complicar bastante a vida principalmente dos Compass flex topo de linha, na faixa de R$ 130.000 a R$ 150.000): Peugeot 3008 e Chevrolet Equinox (leia aqui o comparativo dos dois contra o Compass). Mas o primeiro é importado em baixíssima quantidade da França por causa de limitações de produção e o segundo sofre com cotas e está meio que “guardando lugar” para outra novidade (já volto a ela), então não deve ser disponibilizado em grande volume. Assim, emplacaram agora em janeiro 216 e 392 unidades, respectivamente – bem longe dos 4.546 Compass.
RARA OPÇÃO
Já o Compass a diesel reina quase sozinho no mercado de SUVs a diesel mais acessíveis. Na faixa de R$ 146.490 a R$ 188.390, é quase a única opção para quem não quer um Troller ou uma picape. Fora ele, de SUV com motor “a óleo” por menos de R$ 200.000 só sobra o Outlander – sendo que cada um está no extremo da linha (versão de topo do Jeep contra a básica do Mitsubishi: o Outlander de R$ 181.990 é menos equipado que o Compass Longitude diesel R$ 146.490). Além disso, o japonês tem tração integral, mas não com pegada off-road, caso interesse.
RIVAIS DE OLHO NA COROA
Em breve, porém, a vida do Compass deve ficar mais difícil. Na verdade, já está ficando. Como vimos, além da chegada dos já citados fortíssimos (mas pouco disponíveis) 3008 e Equinox, os ótimos RAV4 e New Tucson acabam de ganhar novas versões de entrada ou preços mais baixos – não coincidentemente na faixa de R$ 130.000 – e um novo Honda CR-V também chega em breve.
E “problemas” ainda piores devem aparecer: a Chevrolet fará um novo SUV na sua fábrica na Argentina; o Peugeot 3008 é candidato a ser produzido no Brasil (o que acabaria com a limitação de 500 unidades/mês, mas a fábrica nega a informação); e da Argentina deve vir também um SUV chamado Tarek que vai mirar exatamente o Compass.
Mesmo o Jeep Compass sendo um carro tão bom, e extremamente competitivo, é bom a marca já ir pensando em algumas novidades e preparando as armas (um motor flex melhor?) para manter o Compass no trono. Afinal, a melhor defesa é o ataque.