01/07/2009 - 0:00
Depois de quatro anos de pesquisa conjunta com a Universidade Federal de São Carlos, a Ford do Brasil requereu a patente mundial de uma tecnologia que utiliza sisal para a confecção de peças de polipropileno usadas em automóveis. Trata-se de uma fibra têxtil extraída das folhas do agave, uma planta originária do México, cultivada no Brasil desde o início do século XX.
Hoje o País é o maior produtor mundial de sisal. Segundo a Ford, a Europa e os EUA já demonstraram interesse na tecnologia. “É um projeto 100% brasileiro e inédito, que abre possibilidades de licenciamento e exportação de peças”, explica Ricardo Muneratto, gerente de engenharia avançada da Ford.
Para chegar a essa matéria-prima, os pesquisadores do Centro de Desenvolvimento de Produtos da marca fizeram testes com diversas fibras, entre elas as de coco, banana e juta, mas nenhuma mostrou as mesmas resistência e maleabilidade. A receita para fazer o plástico ecológico é uma mistura de até 50% de polipropileno reciclado (que pode vir de garrafas PET), 20% de polipropileno virgem (derivado do petróleo) e 30% de sisal, em substituição às cargas minerais utilizadas hoje, em especial o talco, que tem baixa reciclabilidade.
Os conceitos Beauty e The Beast têm peças plásticas do habitáculo feitas com o sisal. À esquerda, os “grãos” de poliuretano ecológico já coloridos e prontos para ser industrializados
“Essa proporção é alterada de acordo com a aplicação”, explica Muneratto. A Ford requereu patente mundial (ainda em homologação) de todas as combinações possíveis para uso em peças injetadas.
No Salão do Automóvel de 2008, a Ford apresentou dois conceitos de Ka, chamados Beauty e The Beast,que utilizavam o novo material, no console central, na tampa do porta-malas, no acabamento interno do teto, na capa do volante e nos puxadores de porta. A marca pretende, até 2010, iniciar a aplicação comercial das peças em alguns de seus modelos. Estima-se que, se 30% dos componentes plásticos dos carros forem substituídos, haverá uma redução de peso na ordem de 10%, o que significa, inclusive, economia de combustível. Além disso, pelas características do material, há uma menor utilização de energia na produção das peças, o que diminui ainda mais o impacto ambiental do produto.
No momento, o maior entrave para o uso do plástico ecológico está na cadeia produtiva do sisal. É que a Ford não compra matéria-prima de nenhum fornecedor que se utilize de trabalho infantil ou que ofereça risco à saúde do trabalhador e, como a colheita e o beneficiamento da planta são frutos da agricultura familiar, os sisaleiros precisaram se organizar e tornar sua produção mais segura e também mais sustentável. “A Ford só permitirá o uso comercial do sisal para esse fim quando existir uma estrutura segura de trabalho”, adverte Muneratto. A Associação do Desenvolvimento Sustentável e Solidário da região Sisaleira (Apaeb) já se manifestou favorável às mudanças. “Essa já era nossa preocupação mesmo antes da Ford. Há 28 anos, pensamos nisso. Aqui na associação, já conseguimos praticamente erradicar o trabalho infantil e estamos testando, em parceria com o governo, uma máquina totalmente sem riscos que será dada ao agricultor em substituição àquela que ele usa hoje”, afirma Nelilton Ezequias de Oliveira, presidente da entidade. “Além disso, propusemos à Ford que os próprios sisaleiros façam uma préindustrialização do sisal, misturando a fibra com o polipropileno e fazendo a entrega em placas”, conta Oliveira. “Isso, além de facilitar o transporte, geraria mais renda para o sisaleiro”, completa.
Segundo pesquisas, se 20% do acabamento dos carros utilizasse a fibra natural, 45% de toda a produção nacional seria absorvida pela indústria automobilística, obrigando os sisaleiros a aumentarem a oferta, criando um ciclo virtuoso de aumento de renda e sustentabilidade. “Temos na Bahia 140 mil hectares de plantação. Com a demanda da Ford, que seria de cerca de 60 kg por carro, precisaríamos de pelo menos 300 mil hectares. A Ford já tem propostas com o governo do Estado para incentivar esse aumento”, conta Oliveira. Uma iniciativa interessante para a montadora, para o consumidor e para o semi-árido nordestino.