01/12/2009 - 0:00
No início dos trabalhos na pista de testes da trW, o clima era de grande expectativa. cada carro participante era analisado pela equipe técnica para saber como seu combustível seria retirado e como obteríamos a confirmação visual de que o tanque estava mesmo vazio
A previsão garantia tempo nublado, mas o sol já estava bem quente às 7 horas da manhã, quando começamos nossas atividades no campo de provas da TRW, na cidade de Limeira (SP). O dia seria cansativo, mas o trabalho, gratificante: ao final da jornada, teríamos descoberto qual é “O carro mais econômico do Brasil”.
Esta reportagem começou a ser planejada há meses, quando decidimos comemorar os 15 anos da MOTOR SHOW prestando um serviço ao nosso leitor. Depois de algum debate, escolhemos o tema da economia de combustível. Convidamos, então, todas as marcas do País a indicarem seu veículo mais econômico para a disputa.
Aceitaram o desafio: Citroën, Fiat, Ford, Honda, Kia, Mercedes, Nissan, Peugeot, Renault, smart, Toyota e Volkswagen; a Chevrolet recusou o convite, assim como Suzuki, Audi, BMW, Volvo, Chrysler e Mitsubishi, entre outras. Só poderiam participar carros com motores ciclo otto, o que tirou da prova Mahindra e Troller.
Os carros foram abastecidos com uma quantidade de combustível suficiente para rodar mais de 145 km
Os pneus foram calibrados de acordo com o recomendado no manual do proprietário
A tarefa para as montadoras não era simples. Além de ter que dizer qual é o carro mais econômico de seu portfólio, no caso dos modelos flex, as marcas precisariam escolher com qual combustível ele seria abastecido, revelando a prioridade da engenharia na hora do acerto de seu sistema bicombustível.
O ganhador não seria o carro que tivesse a maior média em km/l, mas o que gastasse menos dinheiro no teste. O valor usado para a conta seria a média nacional de preço publicada, semanalmente, pela ANP (Agência Nacional do Petróleo). No dia do teste, o valor era de R$ 1,592 para o etanol (álcool) e 2,502 para a gasolina.
A preparação do teste
Eram cerca de 8 horas da manhã quando iniciamos a preparação dos seis carros que seriam avaliados na primeira bateria. A oficina Frisontech, parceira de MOTOR SHOW, era a responsável técnica pelos trabalhos. Pelo regulamento, os carros deveriam ser entregues na pista pelas montadoras sem combustível, mas não foi exatamente o que aconteceu.
Todos os modelos tinham sobra no tanque. Os mecânicos completaram o esvaziamento retirando o combustível pela própria linha de alimentação, “jumpeando” o relê da bomba, que, em vez de mandar o combustível para os bicos, enchia um galão externo. A verificação do esgotamento era feita por meio da vigia do tanque, uma espécie de janela que dá acesso à peça para facilitar a manutenção. Com uma bomba elétrica, o tanque era seco, o que era confirmado visualmente com iluminação direta.
Nos carros que não possuíam a vigia, o tanque era retirado. Feito o esgotamento do combustível, os mecânicos sacudiam o veículo, para ter certeza de que nenhum combustível ficara “escondido” na linha de alimentação, e era dada a partida. Por fim, o carro ficava no sol por alguns minutos para que eventuais sobras de combustível evaporassem.
Aí, novamente, os mecânicos tentavam dar a partida. E não é que Clio, Mille e Fit funcionaram “no cheiro”, literalmente?! Depois de alguns segundos queimando vapor, pararam de vez por pane seca. Finalmente, estavam alinhados para iniciar os testes Kia Picanto, smart fortwo, Fiat Mille Economy, Renault Clio Campus, Ford Ka e Polo Bluemotion.
Os modelos Volkswagen, Ford e Fiat receberam 16 litros de etanol, e os demais 14 litros de gasolina, inclusive o Clio (que é flex), por opção da montadora. Todos os pneus foram calibrados segundo as recomendações do manual do proprietário e, depois de abastecidos, os tanques foram lacrados – assim como os comandos do ar e os controles dos vidros, que foram abertos igualmente em todos os carros e não poderiam mais ser acessados. Tudo sob o olhar atento dos representantes das montadoras.
Motoristas como você
Carros enfileirados no “grid”, era hora de receber os 12 motoristas – escolhidos aleatoriamente. Eram quatro mulheres e oito homens, uma porcentagem que representa a mesma divisão por sexo dos motoristas habilitados no Brasil. Apesar de todos serem motoristas comuns, sem treinamento especial, dois deles funcionaram, na verdade, como “espiões” da equipe de reportagem.
Um era Vagner Aquino, repórter e colaborador de MOTOR SHOW, com pouco tempo no jornalismo automotivo. Sua função era nos dar a visão dos “pilotos” na pista. O outro era Cristiano Sagrillo, da oficina Blower Company, experiente preparador de carros e especialista em injeção. Sua função era sentir a “tocada” de cada carro e, caso notasse algo irregular, separá-lo para uma checagem mais profunda.
Antes de irem para a pista, os motoristas receberam um treinamento de segurança, dado por Luis Roberto Rigon, engenheiro responsável pelo campo de provas da TRW, e Roberto Manzini, do Centro de Pilotagem Roberto Manzini, responsável pela equipe de pista do teste.
Eles controlavam as voltas de cada carro e aferiam com radares a velocidade em cada trecho. No briefing, os motoristas foram instruídos a dirigir normalmente, como fariam com seus carros. O limite de velocidade era de 40 km/h (mínima) e 80 km/h (máxima).
Depois do treinamento de segurança (acima), os motoristas partiram para uma volta de reconhecimento da pista, a bordo de uma van do Centro de Pilotagem Roberto Manzini, responsável pelo controle da prova
Hodômetros zerados, era hora de aquecer os motores. Para garantir igualdade no warm up, todos os carros ficaram com os motores ligados por três minutos e, a partir daí, a equipe de pista os liberava a cada 30 segundos. Três voltas na pistas, o carro retornava, trocava de motorista e voltava para a pista. Isso até todos guiarem os modelos na mesma quantidade de voltas.
Foram 12 pit stops e um total de 36 voltas, contabilizando 145,2 km. Os carros tiveram suas portas lacradas e ficaram aguardando a retirada do combustível. O destaque da primeira bateria foi o Polo Bluemotion. “O Polo é uma delícia. Eu compraria um”, comentou Dilson Soares. “Arisco, anda bem em curva e em reta e tem boa visibilidade”, concorda Paulo Vieira.
Nosso motorista Vagner Aquino, conclui: “O Polo foi quase unanimidade.” Muitos também se renderam ao Mille. “Muito bem acertado”, falou Dilson. O Clio foi criticado em relação à dureza da suspensão e ao desempenho, resultado da comparação com os demais 1.0. Com motor 16 V, tinha retomadas mais lentas nas saídas de curvas. Normal.
gaste menos combustível
Como sempre salientamos, o consumo de um carro não é absoluto. Ele depende muito de fatores externos e, sem dúvida, os que mais influenciam na obtenção de boas marcas são: a qualidade do combustível, a forma de condução e a manutenção. Para ter sempre o melhor consumo possível com seu carro, mantenha o motor regulado, com filtros limpos e o óleo recomendado dentro do prazo especificado. Muitas vezes uma economia com alguns litros de óleo de melhor qualidade acaba sendo consumida em mais visitas aos postos de abastecimento. Os pneus devem estar calibrados e sem desgaste aparente. As rodas não podem apresentar deformações e devem estar balanceadas, assim como a suspensão e a direção devem ser mantidas alinhadas. Conserve o sistema de escapamento em ordem, sem furos ou corrosões. E, obviamente, não faça modificações no projeto original. Alterações no sistema de injeção, no conjunto roda/pneu, na aerodinâmica ou no peso do carro não são recomendadas para quem quer economizar combustível. Quando estiver dirigindo, ande com os vidros preferencialmente fechados e limite o uso do ar-condicionado. Aproveite o torque do motor e utilize marchas mais altas sempre que for possível, evitando as esticadas desnecessárias. Arranque suavemente e preste atenção no percurso a sua frente para saber quando vale a pena reduzir a marcha, usar o freio-motor ou acelerar, aproveitando declives. Se seu carro tiver computador de bordo, se habitue a acompanhar as médias de consumo instantâneas e use-as para adequar sua forma de dirigir. Trafegue em velocidades moderadas, não costure no trânsito e não acelere enquanto está esperando o semáforo abrir. Evite carregar cargas desnecessárias no porta-malas e mantenha seu carro sempre limpo e polido.
A piloto Zizi Paioli, do Centro de Pilotagem Roberto Manzini, controlava, atenta, a pista. Representantes das montadoras (à direita) fiscalizavam nossos trabalhos
Os vencedores
Depois do almoço, nossos trabalhos recomeçaram. Na segunda bateria, participaram Mercedes B180, Toyota Corolla, Honda Fit, Citroën Picasso, Peugeot 207 e Nissan Tiida. Desses, Mercedes, Peugeot e Citroën foram abastecidos com gasolina. Os procedimentos de preparação foram idênticos aos da primeira etapa e os motoristas voltaram à pista no mesmo sistema de revezamento.
Finalizados os trabalhos na pista, era hora de conhecer o vencedor. Os carros foram empurrados até a oficina para que o combustível restante fosse retirado. No entanto, alguns modelos precisaram voltar a rodar: o Picanto apresentou falha no sistema de injeção na primeira bateria, com acendimento da luz espia; o Ka teve problemas no momento em que o combustível foi
Acima, três modelos vencedores em suas categorias: Corolla, Picasso e Tiida. Abaixo, o Ka, na terceira bateria de testes, já quase no escuro
*”Por discordar da metodologia utilizada e, por consequência, do resultado atribuído ao Kia Picanto”, a Kia Motors do Brasil não autorizou a publicação dos números obtidos por seu modelo
esgotado em razão de uma informação incorreta passada por um técnico da marca presente no evento; e o Clio voltou à pista a pedido da Renault, já que, segundo o representante da montadora, o modelo enviado não havia feito uma climatação prévia para a utilização da gasolina, e isso poderia ter comprometido seu consumo.
Por questões de segurança, uma vez que já anoitecia, os três carros da terceira bateria rodaram um percurso menor, com 68 km (média dos três hodômetros). A média em km/l foi obtida com a mesma metodologia, mas o valor gasto por esses modelos para rodar os 145,2 km foi obtido através de uma fórmula de projeção. Como era esperado, as melhores médias de consumo vieram dos carros abastecidos com gasolina.
O primeiro foi o smart fortwo, com 17,29 km/l, e, na sequência, o 207, com 14,61 km/l. Entre os modelos que usavam etanol, o melhor foi o Mille, com 12,76 km/l, seguido de Polo Bluemotion (12,39 km/l) e Ka (10,97 km/l). Mas como a vitória se daria no preço, depois das contas a situação mudou. O Mille foi campeão por uma pequena vantagem sobre o Polo: R$ 18,12 contra R$ 18,66.
O Mille foi o mais econômico na classificação geral e também entre os hatches até 1.0. Entre os hatches até 1.6, a vitória foi do Polo Bluemotion. O Tiida saiu vencedor na categoria por ser o único hatch até 2.0 a participar do teste, assim como o Corolla, já que não havia outro sedã até 2.0. Nas minivans, deu Picasso, seguido do B180.
uma marca a ser destacada
com motor 1.6 de 104 cavalos, o VW Polo Bluemotion foi o grande destaque do teste “O Carro mais econômico do Brasil”. sem abrir mão do conforto, chegou à pista bem equipado, com ar-condicionado, direção hidráulica e computador de bordo – e pareceu não se importar com todos os “quilinhos a mais” que carregava. deu de ombros aos rivais mais enxutos e, apesar de seus 1.079 kg, fez bonito. com média de 12,39 km/l de etanol, gastou apenas r$ 18,66 para rodar 145,2 km.
Ficou na frente de carros 1.0 mais leves, como o Ka (905 kg), e ameaçou o grande favoritos ao título, o Mille economy, que venceu com uma vantagem de apenas r$ 0,54 – praticamente um empate técnico. Venceu na categoria “Hatch até 1.6”, na categoria “destaque do teste” e deu show. outro que merece menção é o corolla. avaliado com etanol e câmbio automático, o modelo 1.8 fez média melhor que a de Fit 1.4 e, na classificação geral, ficou com uma incrível quinta posição. isso sem nenhuma pretensão de ser um carro econômico e sem recursos aerodinâmicos específicos para essa finalidade.
Em razão das paradas para as trocas de motorista e das limitações de segurança impostas pela equipe de pista, como as velocidades máxima e mínima, o percurso do teste pode ser considerado uma representação de um trajeto misto, com porcentagem levemente maior para a cidade.
Por isso, as médias em km/l foram menores que as obtidas em laboratório – e que dificilmente são repetidas pelos consumidores nas ruas. O Mille com álcool, por exemplo, tem média declarada de consumo entre 11 km/l (urbano) e 15,6 km/l (rodoviário), mas não chegou a atingir 13 km/l no teste prático. Quando o trabalho terminou era noite em Limeira. Mas nosso objetivo foi alcançado.
Conseguimos eleger “O carro mais econômico do Brasil” e revelar médias de consumo muito próximas àquelas que um motorista comum consegue obter em seu dia a dia, quando as condições externas não são controladas. Não são as melhores marcas que esses carros podem obter, mas são as mais próximas da “vida real”. Afinal de contas, consumo é uma medida relativa que depende não apenas do carro, mas também de quem está dirigindo.
mille leva ainda o prêmio ecomotor
Foram dois os critérios para a escolha do modelo que ganharia o título “ecoMotor 2009”. o primeiro era que o candidato utilizasse um combustível renovável, no caso, o etanol. o segundo, que tivesse a menor média de consumo em km/l com esse combustível. deu Mille! se fosse flex, o smart seria um forte candidato ao título, mas, queimando gasolina, ele emitiu nada menos que 18,2 kg de co2 durante a realização do teste. e, antes que alguém diga que o etanol polui mais que a gasolina (provavelmente influenciado pela nota Verde divulgada pelo Ministério do Meio ambiente), podemos garantir que o Mille, neste ranking, também passou com louvor. teve nota 8,8 com gasolina e 9,0 com etanol. ou seja, é menos poluente por qualquer índice adotado. Mas, analisando os resultados de nosso teste “o carro mais econômico do Brasil”, algumas conclusões ficam evidentes. a primeira é em relação às vantagens do etanol. além de garantir mais potência ao motor, o combustível é benéfíco também para o seu bolso. Mesmo estando em uma fase de alta nos preços – resultado da entressafra da cana e do aumento da demanda por açúcar no mercado internacional -, os carros que utilizaram etanol no teste percorreram o trajeto com menor custo. a segunda constatação foi a de que a indústria tem condições, sim, de diminuir o impacto dos carros no meio ambiente. Basta um pouco de boa vontade. com bielas mais leves, pistões menores, molas com menos cargas nas válvulas, comando de injeção com mais recursos, catalisador com menor restrição, adoção de um óleo mais fino, menor rotação de marcha lenta, marchas mais alongadas, mudanças na geometria de suspensão e um pneu de baixo atrito fizeram nascer o Mille economy. o mesmo vale para o Polo, que, mesmo com um motor 1.6 convencional, se beneficia de mudanças visuais favoráveis à aerodinâmica, de um câmbio alongado, de pneus de baixo atrito e de um volante com assistência eletrohidráulica, no lugar de um sistema hidráulico mais pesado. mille leva ainda