Onze de março de 2011. Um terremoto de 8,9 pontos na escala Richter, seguido de um tsunami de dez metros, varreu a costa norte do Japão, e não abalou apenas as estruturas do país asiático. A destruição de cidades inteiras e a falta de energia, água e gás em todo o território obrigou a maioria das companhias a interromper sua produção. Com isso, o mundo inteiro sofreu as consequências da tragédia. E a indústria automobilística foi uma das mais afetadas. De acordo com os estudos da HIS Automotive, no mês de março, o Japão teve uma queda de 65% na produção de automóveis. Toyota, Nissan, Suzuki, Mazda, Honda e Mitsubishi paralisaram a produção. O mesmo aconteceu com diversos fornecedores como Denso, Aisin e Hitachi, pertencentes ao grupo Toyota, que estão entre as dez maiores fabricantes de peças mundiais.

A suspensão das atividades dessas empresas (muitas delas paradas também por falta de matéria-prima) gerou um grande efeito cascata, com diversas fábricas de carro parando suas linhas por falta de componentes. De acordo com o especialista de mercado Fernando Trujillo, da CSM Consultoria, 70% do total das peças de um carro vem de fornecedores. “Deste percentual, até 80% dos componentes eletrônicos de alguns modelos, por exemplo, são de empresas japonesas”, a rma Trujillo. A Hitachi, que teve sua fábrica dani cada, é responsável por 60% dos sensores de arrefecimento utilizados por Ford, Nissan-Renault, GM, Toyota e Volkswagen. A falta dessa pequena peça, que tem o tamanho de um dedo, já paralisou a produção de uma fábrica de picapes da GM nos EUA e reduziu a produção em sete plantas da Peugeot-Citroën (PSA) na Europa. Ao todo, até o fechamento desta edição, 25 fábricas de diversas montadoras no resto do mundo haviam tomado medidas de redução de suas atividades. A previsão da HIS Automotive mostra que, se a produção no Japão não for retomada em algumas semanas, a queda global pode chegar a 100 mil carros por dia. Até o nal de março, estudos previam que mais de 320 mil unidades já haviam sido deixadas de ser fabricadas só no Japão.

A crise de uma grande potência mundial evidencia a fragilidade de uma produção cada dia mais globalizada. “O método Toyota Just in Time in uenciou toda a indústria e agora deixa diversas montadoras em maus lençóis com suas atividades atreladas a fornecedores”, diz Trujillo. O método, criado pela marca japonesa nos anos 70, entre outras coisas, insere os fornecedores na cadeia produtiva de forma a diminuir drasticamente os estoques, produzindo apenas o que já está vendido ou que será comercializado em um curto espaço de tempo.

Segundo o consultor, normalmente, as montadoras trabalham com apenas dois meses de estoque. É uma forma de operação com investimentos menores, mas que, por outro lado, não garante margem para lidar com escassez de peças. E trocar de fornecedor é muito complexo, já que algumas empresas fabricam peças especi camente para determinados modelos, desenvolvidas em conjunto com a própria montadora.

PAÍSES COM A PRODUÇÃO DE

VEÍCULOS AFETADA PELO TSUNAMI

 

LOCALIZAÇÃO DOS PRINCIPAIS FORNECEDORES DE PEÇAS PARA A INDÚSTRIA MUNDIAL QUE FICAM NO JAPÃO

 

No Brasil, a situação já começa a se complicar. As cinco marcas japonesas, com exceção da Suzuki, disseram não ter um porta-voz para comentar o assunto, mas anunciaram suas posições. A Toyota a rmou que “recebeu um lote grande de motores e câmbios” do Corolla, que será su ciente por três meses. A marca ainda informou que todas as demais peças do carro são fabricadas aqui. Porém, 18 dias depois de responder à MOTOR SHOW, já no fechamento desta edição, a Toyota Mercosul, em comunicado o cial, a rmou que a fábrica de Indaiatuba sofreria interrupção de produção por três dias “por conta do gerenciamento de peças fornecidas pelo Japão”.

A Mitsubishi não entrou em detalhes e apenas informou que as instalações da matriz não foram afetadas pelo desastre, bem como os portos de onde saem seus produtos. Com isso, a rmou que “a MMC Automóveis do Brasil tem estoque de produtos e peças, inclusive de pósvenda, para os próximos meses”. Já a Nissan não anunciou nada exclusivamente para o Brasil, mas informou que a Nissan Américas reprogramou seu cronograma de produção do mês de abril fechando algumas fábricas dos EUA e do México “a m de ajustar a fabricação de acordo com o carregamento de peças ainda em trânsito”. Outra medida foi o fornecimento de componentes do motor de Decherd (EUA) para as operações japonesas, até que a produção seja restaurada na fábrica de propulsores de Iwaki.

A Honda também não deu nenhum parecer sobre as reais consequências para o mercado brasileiro. Já a Suzuki Veículos a rmou por meio de seu presidente, Luiz Rosenfeld, que está adotando planos de contingência para que a comercialização de seus produtos não seja afetada. “Nosso estoque, assim como nosso plano de contingência, garante a continuidade de nossas operações”, diz.

 

A falta de produtos e peças para os consumidores brasileiros não é um risco descartado, mas não deve chegar em uma grande escala. De acordo com João Carlos Rodrigues, diretor de vendas da consultoria de mercado Jato Dinamics do Brasil, modelos de menor volume como Honda Accord e Toyota Camry, que são importados do Japão, devem car em falta nos próximos meses. Mesmo assim, ele acredita que, com uma boa estratégia de administração de estoque, os abalos sejam amenizados por aqui. “Temos um ponto a favor que é o altíssimo nível de nacionalização dos componentes”, a rma Rodrigues. Já Fernando Trujillo diz que, por trabalharem com apenas dois meses de estoque, uma redução na fabricação de alguns modelos será indispensável. “Com isso, é possível que haja mais procura do que demanda e o valor de alguns modelos suba”, pondera. No geral, especialistas já falam que se pode estimar que cerca de 100 mil carros deixem de ser fabricados no Brasil este ano, diminuindo a previsão de crescimento local.

O RISCO DA CONTAMINAÇÃO

Além da preocupação com a falta de peças, donos de carros japoneses temem que os componentes que chegarem ao Brasil estejam contaminados com radioatividade. Na Rússia, foram detectados carros com radioatividade até seis vezes maior que o normal. Mas as chances de seu automóvel receber uma peça contaminada são mínimas. E, ainda que aconteça, os riscos para a saúde inexistem. Somos expostos à radioatividade constantemente, e, em baixas doses, ela não causa mal.

“Os tecidos vivos, como as carnes e os vegetais, absorvem radiação, já as peças manufaturadas podem ser lavadas no caso de uma contaminação. No Japão, o controle tem sido rígido e o risco de uma peça estar contaminada é muito baixo”, a rmou Rafael Cândido de Lima Junior, engenheiro químico pela Poli-USP. “Além disso, o vazamento no desastre foi principalmente de iodo-131”, explica. Diferentemente do césio-137, que pode car ativo 300 anos, o iodo-131 tem ciclo de 80 dias.