25/09/2020 - 13:26
Alguns gostam de apontar os carros elétricos como grande salvação para os problemas ambientais da humanidade causados pelo transporte individual. Mas, assim como acontece com o petróleo, as baterias também trazem problemas ecológicos. Daí vem a incessante pesquisa por alternativas a essa alternativa de transporte “verde”. E pode ser que uma boa novidade venha do fundo do mar – mais especificamente, de Clarion-Clipperton, uma região do Oceano Pacífico.
Algumas marcas, como a japonesa Toyota, acreditam mais no caminho dos elétricos a pilha/célula de combustível, que usam o hidrogênio como um meio de armazenamento – para depois gerar a eletricidade a partir de sua eletrólise, emitindo só vapor d’água. Além de usarem baterias muito menores, ainda evitam a recarga, que é substituída por um rápido abastecimento. É o caso do Toyota Mirai (leia aqui).
Outras, como a norte-americana Tesla, acreditam totalmente no caminho atual, dos elétricos a bateria (leia aqui a avaliação do Model 3). Mas essas baterias dependem muito de elementos químicos encontrados em regiões limitadas da superfície terrestre. Elon Musk chegou a sugerir uma invasão da Bolívia, rica deste elemento, e o dono da Tesla, inclusive, ridiculariza a rival Nicola, que aposta nas células de combustível (não só ela; indústrias do segmento têm se valorizado muito recentemente).
Mas a limitação da oferta de elementos químicos para uso nas baterias de carros, e alguns dos outros impactos negativos da exploração destes elementos no ambiente, podem ser ambos em parte aliviados com a exploração de uma “nova fronteira”: o fundo do mar, onde estão os cobiçados nódulos de manganês.
O ESTUDO
Isso é o que mostra uma pesquisa divulgada esta semana. A partir de análises de nódulos encontrados no fundo do mar, os cálculos do estudo indicam que seu uso, em vez do uso de elementos encontrados em minas na superfície terrestre, pode gerar uma enorme redução no impacto no clima da Terra.
O estudo, que foi publicado no Journal of Cleaner Production, faz uma avaliação comparativa do ciclo de vida de fontes de metal para as baterias dos carros elétricos, quantificando as emissões diretas e indiretas e interrupções na captação de carbono ocorridos na mineração, processamento e refino dos metais das baterias.
Esta semana, no aguardado “Battery Day”, a Tesla anunciou que pretende eliminar o uso do cobalto nas baterias, mas não disse como e nem quando. Enquanto fabricantes de EV como Tesla e Polestar lideram um movimento pela transparência em toda a indústria automotiva e revelam as pegadas de carbono ao longo da vida de seus carros, o novo estudo vai além, pensando na mudança da fonte de produção dos metais para as baterias.
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Intitulado “Impactos das mudanças climáticas do ciclo de vida da produção de metais de baterias a partir de minérios terrestres versus nódulos polimetálicos de alto mar”, o artigo analisa um cenário de demanda de produção de níquel, cobalto, manganês e cobre para fornecer um bilhão de baterias de carros elétricos de 75 kWh (com química NMC 811: 80% níquel, 10% manganês e 10% cobalto). Para cada bateria, são necessários 85 kg de Cobre, 56 kg de níquel, 7,1 kg de cobalto e 6.6 kg de manganês.
Depois, compara os impactos nas mudanças climáticas do fornecimento desses quatro metais usados nos carros elétricos de duas fontes: minérios convencionais encontrados na terra e nódulos de manganês, rochas polimetálicas com altas concentrações dos quatro metais, encontrados soltos, no fundo do mar, a 4 a 6 km de profundidade.
“Olhando da mineração ao processamento e refino, quantificamos três indicadores para cada tipo de minério: emissões diretas e indiretas de dióxido de carbono (CO2) equivalente, impacto nos estoques de carbono sequestrados existentes e interrupção de futuros sequestros de carbono”, explicou a autora principal do estudo, Daina Paulikas, do Centro de Minerais, Materiais e Sociedade da Universidade de Delaware.
O estudo descobriu que a produção de metais de bateria a partir de nódulos pode reduzir as emissões humanas ativas de CO2 em 70 a 75%, o carbono armazenado em risco em 94% e a interrupção dos serviços de sequestro de carbono em 88%.
“Em terra, o carbono é armazenado na vegetação, solo e detritos. No fundo do mar, o carbono é armazenado em sedimentos e água do mar. A produção de metais para um bilhão de carros elétricos a partir de minérios terrestres impactaria 156.000 km2 de terra e 2.100 km2 de fundo do mar para a eliminação de rejeitos em alto mar. A produção da mesma quantidade de nódulos afetaria 508.000 km2 do fundo do mar durante a coleta de nódulos e 9.800 km2 de terra durante o processamento metalúrgico.
O recurso em si dá uma vantagem significativa, mas ter baixo carbono não é suficiente. Estamos trabalhando para retirar o carbono da atmosfera, não acrescentá-lo”, disse Gerard Barron, CEO da DeepGreen Metals. “Usaremos energia hidrelétrica em terra; estamos explorando eletrocombustíveis para alimentar operações offshore e equipamentos elétricos e redutores de carbono negativo no processamento metalúrgico. Junte tudo isso e teremos uma chance de trazer metais com carbono negativo para o mercado. ”
OS PORÉNS
Um primeiro porém, e grande, é que os nódulos de manganês não têm lítio em sua composição, e este, que é um dos principais elementos das baterias atuais, terá que continuar a ser procurado e explorado em outros locais.
Outro enorme problema é que a região de Clarion-Clipperton, onde há esta grande concentração de nódulos (mostrada no mapa mais no alto, à direita), apesar de não ser ser tão extensa, é riquíssima em biodiversidade e não pode ser explorada tão facilmente.
Algumas espécies precisam da superfície dos nódulos para viver. Vídeos gravados na região mostram que nos lugares onde há mais nódulos há uma quantidade maior de peixes, com tamanho e diversidade maiores que espécies em áreas com menos nódulos. Além disso, a região é Patrimônio da Humanidade, ou seja, nenhum país pode declarar soberania sobre ela. Quem controla a proteção ao meio ambiente por lá é a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhas (ISA), um órgão ligado à ONU.
A ISA outorgou 16 licenças de exploração com fins de mineração na região, para governos de países membros, companhias privadas patrocinadas por eles. Hoje, 32% do território está sob contratos de exploração, 35% foi definido como área protegida e 33% está reservado para exploração por parte de países em desenvolvimento. Mas as empresas ainda estudam custos e formas de explorar esse suposto tesouro submerso sem causar outros problemas ambientais, e a um custo viável.
Como já sabemos, a corrida pelos carro mais limpo tem vários trajetos possíveis, diferentes e simultâneos. Além dos modos de estocar a energia dos carros elétricos (pilha de combustível, baterias, etc.), – precisamos ter cuidado com como gerar a eletricidade (energia hidrelétrica, eólica, solar, etc.). Este é apenas mais um caminho, em meio a tantas possibilidades. O resultado, e qual vale mais a pena, saberemos daqui a alguns anos.