Desde o dia 20 de junho o motorista que fizer o teste do bafômetro e nele constar mais do que 0,1 mg de álcool por litro de ar expelido receberá uma multa de R$ 955, perderá o direito de dirigir por um ano e terá o veículo retido. Aqueles que obtiverem resultado igual ou superior a 0,3 mg poderão ainda ser presos em flagrante. A pena é afiançável e seu valor varia de R$ 300 a R$ 1.200, fixados pelo delegado.

Mesmo com pouco tempo em vigor, a lei seca já vem mostrando resultado. Os índices de acidentes caíram bastante. De acordo com dados da Polícia Rodoviária do Estado de São Paulo, no segundo final de semana de fiscalização, o número de mortes nas rodovias estaduais de São Paulo caiu 45,5%. Comparados os números de atendimento nos dias 20, 21 e 22 de junho com os dias 27, 28 e 29 do mesmo mês, a redução de mortes nas estradas foi de 22 para 12.

“A diminuição dos acidentes se deve, exclusivamente, à maior fiscalização e não à lei em si”, defende Percival Maricato, diretor jurídico da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes). De fato, hoje, o motorista sabe que tem grandes chances de ser surpreendido dirigindo bêbado, o que antes era improvável. Entre os dia 1o de janeiro e 18 de junho deste ano, a média de pessoas abordadas nas blitze foi de 84 por dia. Oito dias após a lei começar a vigorar, esse número subiu para 151 pessoas/dia. Um aumento de 80%. Os bafômetros disponíveis para os policiais subiram de 11 para 51, só na capital paulista.

Mas será difícil a polícia manter esse cerco por muito tempo. Falta contingente, faltam equipamentos e, principalmente, falta consenso sobre a nova lei. A polêmica gira em torno da inconstitucionalidade de um dos artigos da medida provisória, que diz que o motorista que se negar a fazer o teste do bafômetro também receberá as punições administrativas. Ou seja, ele está sendo, indiretamente, obrigado a se submeter ao bafômetro. Porém, a Constituição Federal assegura que todo cidadão tem o direito de se recusar a produzir provas contra si mesmo.

“Toda lei se presume constitucional. Se, eventualmente, houver um pronunciamento em contrário do poder judiciário, à polícia caberá acatá-lo”, afirmou, em nota oficial, o secretário da Segurança Pública de São Paulo, Ronaldo Marzagão. Já o presidente da Comissão de Assuntos e Estudos sobre Direito de Trânsito da OAB, Cyro Vidal, afirma que essa discrepância não pode permanecer. Segundo o advogado, a OAB já entrou com uma ação pedindo modificações no projeto da lei para torná-la condizente com a Constituição Federal.

Depois de apenas oito dias da ei em vigor, a fiscalização aumentou 80%. A média de motoristas parados diariamente subiu de 84 para 151

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“A MP facultou ao policial dar suas impressões sobre o comportamento do indivíduo abordado”, afirma o presidente do Sindicato dos Delegados do Estado de São Paulo, José Martins Leal. Ele explica ainda que, se for abordado com visíveis sinais de embriaguez, e se recusar a fazer o teste, o cidadão será levado à delegacia e lá o policial poderá oferecer sua conclusão ao delegado, que terá autoridade para decretar prisão em flagrante ou encaminhar o cidadão para o IML, com intuito de fazer o exame clínico. Constatado o estado de alcoolismo do individuo, ele será preso.

Para marcar sua posição em relação à polêmica, Maricato entrou na Justiça com um pedido de habeas corpus preventivo, que teve parecer favorável. O desembargador Márcio Franklin Nogueira, além de basear sua decisão na inconstitucionalidade do artigo 277, diz em seu relatório que “estarão sujeitos à mesma pena (…) tanto os motoristas que forem surpreendidos dirigindo completamente embriagados como aqueles que tiverem ingerido pequena dose, com o perfeito domínio de seus reflexos sem representar qualquer perigo ao trânsito”, o que infringiria o princípio da proporcionalidade da pena.

Antes da lei seca, o motorista que fosse pego com 0,3 mg de álcool por litro de ar aspirado estaria cometendo uma infração gravíssima e, dependendo dos sinais de embriaguez, o policial poderia (com ou sem o bafômetro) encaminhá-lo à delegacia “Quem dirigia embriagado cometia uma contravenção penal. Era levado à delegacia e poderia ser processado. Agora, comete um crime, o que é mais grave”, explica Leal. “Acredito que a forma mais correta para deter motoristas que dirigem alcoolizados é exatamente como previa a lei anterior. As pessoas eram detidas por estarem embriagadas e não por terem bebido conscientemente”, afirma Maricato. “Considero essa MP um estrupício jurídico, porque mistura inocentes com infratores”, completa.

 

 

ANTES E DEPOIS

ANTES

0,599 g ou 0,299 mg

Tolerável

acima de 0,6 g ou acima 0,3 mg

Multa de R$ 955 e suspensão da CNH por um ano, com possibilidade de processo por contravenção

DEPOIS

0,199 g ou 0,099 mg

Margem de erro

0,2 g até 0,599g ou 0,1 mg até 0,299

Multa de R$ 955, suspensão da CNH por um ano e retenção do veículo

acima de 0,6 g ou acima de 0,3 mg

Multa de R$ 955, suspensão da CNH por um ano, retenção do veículo e prisão com pena afiançável

 

 

Mas os defensores da lei seca rebatem afirmando que não há como determinar níveis seguros para a utilização da bebida. “Os efeitos do álcool variam muito em cada pessoa”, diz Adalberto Sabbag, médico do tráfego e diretor da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Trafego). “A quantidade de álcool no sangue de uma pessoa depende do quanto de gordura ela tem no sangue, de seu peso, do funcionamento do organismo e de quanto álcool ela ingeriu”, explica Ana Cecília Marques, coordenadora do Departamento de Dependência da Associação Brasileira de Psiquiatria. Isso equivale a dizer que duas pessoas podem tomar a mesma quantidade de bebida e, horas depois, uma delas estar embriagada e a outra não.

Se cada organismo reage à bebida de uma maneira, de fato, os que têm maior resistência ao álcool estão sendo punidos indevidamente. Como a lei não tem tolerância, eles estão deixando de beber quando, na verdade, só precisariam diminuir as doses. Se você acha que esse é o seu caso, uma solução é comprar bafómetros descartáveis (em média R$ 14) e fazer o teste antes de assumir o volante. Talvez o álcool contido naquele copo de chope que você bebeu já não esteja mais presente em seu corpo. Assim, você estará liberado e, o que é melhor, em condição de dirigir.

O Brasil não é a Suécia

No desenvolvido país europeu, Volvo não liga se motorista não passar no bafômetro – que vem embutido no próprio carro

Os limites para consumo de álcool do Brasil ficaram iguais aos da Suécia, um dos mais desenvolvidos países do mundo. Lá, como em toda a Europa, o sistema de transporte público é eficiente, com opções seguras para o motorista alcoolizado a qualquer hora do dia ou da noite, e a população, seja um lixeiro ou um empresário, pode pagar um táxi. Lá, os Volvo S80, XC70 e V70 oferecem por 860 euros (R$ 2.150) um bafômetro incorporado ao carro. Basta soprar no canudo, ligado à centralina do veículo, e o equipamento bloqueia a ignição se a taxa for superior ao limite do país (0,2 g de álcool por litro de sangue). Se estiver entre 0,1 e 0,2 g, o carro pode ser ligado, mas não colocado em movimento. A maior parte dos clientes ainda é de empresas que querem proteger sua frota, mas a Volvo e o governo sueco esperam aumentar as vendas convencendo a população a usar o sistema por meio de descontos, tanto na compra quanto no seguro. Ou seja: mesmo na Suécia, país de “Primeiríssimo Mundo”, há resistência em “soprar o canudinho”. Mas fica a dica para estimular a abstinência.

Flávio R. Silveira