Maranello resistiu o quanto pôde. O mundo da Ferrari era um paraíso feito de motores V8 e V12 aspirados, capazes de girar na faixa das 9.000 rpm e soar como nenhum outro, mas agora a festa acabou. Nem mesmo supercarros de quase R$ 1,5 milhão escapam das exigências de redução de cilindrada e contenção de consumo. E a solução, como nos carros comuns, passa pelo turbo – recurso que não costuma seguir os “valores” típicos dos motores feitos por lá: respostas imediatas, sonoridade inigualável e esticadas inimitáveis. Como de costume, porém, os engenheiros transformaram problemas em desa os. Os últimos motores turbo da marca haviam sido feitos nos anos 1980 –  outros tempos, outro modo de entender a sobrealimentação.
Na época, a missão era só uma: extrair até o último cavalo de monstros sagrados como a 288 GTO e a F40. Quase 30 anos depois, essa nova California T, que chega ainda este ano ao Brasil, mostra que é possível fazer belos motores esportivos também (ou apesar de) turbinados. A questão não está apenas no desempenho puro, pois o turbo não rouba potência (pelo contrário). As dúvidas que costumam surgir são em relação às sensações de guiar, percepções sutis fundamentais na decisão de gastar tanto em um carro. Poucos quilômetros bastam para ver que os problemas foram resolvidos – e de forma brilhante. O V8 responde com prontidão mesmo em baixas rotações e estica de modo nem um pouco aquém do que se espera de uma Ferrari. Claro que não é visceral como o da  458 Italia, mas é incrível. Mais uma con rmação de que em nenhum outro lugar do mundo se faz motores como na Emilia-Romana.

No resto, pode-se dizer que é a habitual California. E isso é um elogio, porque a sensação de dirigir é a de sempre, apesar de se tratar de uma Ferrari diferente de qualquer outra. Tudo isso, no entanto, agora em um nível superior, pois o V8 ca 30 mm mais baixo, a direção  cou mais direta e os controles da tração (F1 Trac) e das suspensões magnéticas (Magnaride) foram profundamente renovados. No fim das contas, a California mantém sua capacidade habitual de permanecer sempre em equilíbrio perfeito: pode variar entre um gran turismo ou um legítimo carro de corrida. Pode acreditar nos engenheiros da Ferrari, que juram terem feito de tudo para temperar essa natureza – inspirados na 458 e na F12. Para decidir qual personagem prevalece, basta um movimento: aquele com o qual você altera a posição do Mannetino, palavra que deve ser escrita com letra maiúscula, já que é usada como nome próprio por fãs da marca ao redor do mundo. No começo, você acaba usando a California quase sempre no modo Sport, um pouco pelo fato de que você comprou uma Ferrari para isso, um pouco porque não há muita escolha: Comfort, Sport e “via tutto” (controle de estabilidade desligado). Poderia ter ao menos mais uma opção, só para se igualar aos outros modelos da casa, que têm quatro ou cinco

Um dos segredos para o bom resultado está na gestão do torque, que é entregue de modo diferente a cada marcha, da terceira à sétima. É assim que a California T imita o comportamento de um motor aspirado, com a sensação de impulso crescendo junto com as rotações do motor. Em altas velocidades, você tem à disposição todos os 76,9 kgfm do novo V8. Nada da curva de torque plana dos turbinados tradicionais, que te fazem querer mudar de marcha antes do limite de giro. Em seguida, os engenheiros não se satis  zeram em tornar o turbo lag (retardo de resposta da turbina) imperceptível. No centro do console, entre os difusores de ar, há um indicador da performance do turbo (chamado de Turbo Performance Engineer): pode-se optar entre várias telas, mas as mais interessantes mostram a “prontidão” disponível e a e ciência de uso do turbo. Boa ideia. Mas, ao volante, você não vai car olhando para lá: estará ocupado explorando o novo motor, cuja sonoridade ca só um pouco  baixo do som dos V8 aspirados da marca. Trata-se de uma questão de concorrência interna: melhor que uma Ferrari… só mesmo uma Ferrari.