Texto Adaptado: Flávio Silveira

Reportagem: Lorenzo Facchinetti

Foto: Massimiliano Serra

A linha Ioniq, dos carros elétricos da Hyundai, é um caso emblemático de uma nova maneira de entender o automóvel. Durante anos, tivemos que lidar com o chamado “family feeling”, levado a extremos nos quais algumas linhas pareciam feitas na máquina de xerox (não é mesmo, Volks?). Mas, aqui, a filosofia é diametralmente oposta, e deixa um espaço para os gostos do cliente. Da série “com o mesmo esqueleto, escolha o corpo que preferir”.

Quer uma carroceria com design quase unânime, retrô-futurista, cheio de arestas? Compre o crossover-SUV Hyundai Ioniq 5, avaliado na MOTOR SHOW 439, logo após estrear na Europa, e só agora com importação confirmada para o Brasil – mas só apenas em 2024 (sim,
algumas marcas trazem elétricos com atraso absurdo). Prefere uma carroceria ousada, que fuja da “modinha SUV”, mais baixa, esportiva e cheia de curvas? Torça para a marca trazer, também, e quem sabe sem tanta demora, este novo Ioniq 6 que avaliamos agora. Porque o preço deles, na Europa (€ 62.450 na Itália, ou, em conversão direta, cerca de R$ 340 mil), é idêntico, assim como tudo sob a carroceria.

As interpretações estilísticas, no entanto, são a antítese uma da outra. E a originalidade deste novo Ioniq 6, goste-se ou não, encontra razão de ser na busca pelo melhor coeficiente aerodinâmico. Seu estilo, segundo designers da marca coreana, remete aos conceitos de Streamlining, de um século atrás, quando o design industrial, impulsionado pelo nascimento dos túneis de vento, passou a conceber as formas de modo a cortar o ar e, assim, garantir a máxima velocidade. Isso valia para os carros, mas também para os trens e os aviões.

Voltando aos dias de hoje, em um veículo elétrico, a aerodinâmica não está mais a serviço dos quilômetros por hora, mas sim dos quilômetros por litro, pois a autonomia se colocou no centro das atenções. Veremos, com os números oficiais de testes da nossa parceira italiana Quattroruote, se todos esses esforços para criar uma carroceria tão justa e eficiente (o Cx declarado é de 0,21) pode realmente trazer resultados relevantes.

Aerodinâmica perfeita

Além dos conceitos de Streamlining dos anos 20-30 do século passado, os designers da Hyundai dizem ter se inspirado nos submarinos Spitfire da Segunda Guerra Mundial para projetar o pequeno apêndice aerodinâmico que reduz o turbilhonamento (ou vórtice) de ar. Para o aerofólio principal, o resultado final foi obtido com inúmeros testes em túneis de vento, depois de experimentarem mais de 70 perfis diferentes utilizando softwares de morphing e CFD.

Na parte dianteira, para reduzir a resistência ao ar, foram adotados dois flaps ativos que, quando a refrigeração não é necessária, reduzem o arrasto aerodinâmico em 20%. Em relação à parte técnica, o Ioniq 6 apenas melhora algumas características do 5. Sua potência combi nada cresceu de 305 para 325 cv, com uma bateria de 77,4 kWh que pode ser carregada em sistemas DC de até 220 kW. A tecnologia V2L (Vehicle to Load) permite carregar, com uma potência de até 3,6kW (equivalente a “meio” wallbox básico), outros dispositivos, que pdem ser desde um computador ou uma bicicleta elétrica até mesmo outro carro.

Antes de prosseguirmos, é preciso fazer um breve resumo: o Ioniq 6 nasce depois do Ioniq 5, sendo o terceiro modelo – se considerarmos também o Kia EV6 – que usa a plataforma E-GMP do grupo, destinada apenas aos carros elétricos. O layout é do tipo “skate”, com a bateria no centro, de dois tamanhos (53,3 ou 77,4 kWh), e opção de um motor traseiro (de 151 ou 229 cv), ou um em cada eixo (total de 325 cv), com tração nas quatro rodas, como na unidade avaliada. Com uma distância entre-eixos enorme (2,95 m), esta base tem eficiente arquitetura de 800 volts e carregamento bidirecional V2L – que permite alimentar qualquer outro dispositivo elétrico com a bateria do carro, como se fosse um enorme powerbank.

Fontes de inspiração

Com balanço dianteiro bastante curto e traseira longa e com formato afunilado, sobre a qual repousa um apêndice aerodinâmico que lembra um pouco o antigo Porsche 911, a aparência geral do Ioniq 6 lembra a primeira geração do Mercedes CLS. Um cupê de quatro portas, como rera moda na época, ou um sedã-cupê, mas que não abre mão da excepcional habitabilidade, um dos maiores destaques do “5”. Claro que, considerando a forma curvilínea do teto, há um pouco menos de espaço para a cabeça de quem vai atrás, na comparação com o irmão SUV: são só quatro centímetros, para ser exato , mas o acesso é pior, embora ainda aceitável. Já para as pernas, o conforto continua excepcional, a ponto de quase poder esticá-las totalmente – e, mesmo nos bancos dianteiros, continua a sensação de espaço amplo. Pena não ter o modo chaise longue do “5”, que transforma os assentos em uma espécie de divã para relaxar ao carregar a bateria.

Painel de autor

Na comparação com seu irmão SUV, o Ioniq 6 quer ser mais um “driver’s car”: por isso mesmo, o motorista se sente imerso no cockpit, até porque há um túnel suspenso fixo, bem alto, e não uma ilha deslizante como no “5”, que deixa mais espaço se empurrado para trás. Outra característica que chama bastante atenção na cabine são os painéis das portas. Há um esforço estilístico extremo, inspirado em pontes, como explicaram os designers, mas isso os forçou a migrar comandos que costumam ser fáceis, como os dos vidros e retrovisores: os primeiros foram para o túnel central, os restantes para o lado inferior esquerdo da coluna da direção. É preciso se habituar a isso.

Não há absolutamente nada a reclamar, no entanto, do que se vê diante dos olhos ao assumir o volante: o clima é o mesmo visto em outros Hyundai/Kia, com o consolidado e cada vez mais comum layout com telas duplas, lado a lado, para combinar melhor as informações do quadro de instrumentos e do sistema multimídia – ambos, aliás, bem simples de usar. O banco do motorista também é bom, com vários ajustes elétricos, mas a coluna de direção deveria poder ser mais recuada em direção à carroceria, melhorando a ergonomia, e, dependendo da do ajuste de sua altura, o aro pode cobrir a parte superior da tela.

PreviousNext

De resto, o botão de partida fica bem à mão, assim como a alavanca de câmbio, e há um prático comando no volante para escolher os modos de condução. Saio para o teste com a bateria totalmente carregada, e o Ioniq 6 indica quase 400 quilômetros de autonomia total. Logo pego uma rodovia (com limite de 130 km/h) e vejo o número baixar rapidamente (mesmo com o excepcional Cx de 0,21, o Ioniq sofre como todo elétrico). Cheguei ao destino com facilidade, mas, na dúvida, acabei optando por parar para uma recarga rápida para garantir o dia seguinte – felizmente, ao menos na Europa, a rede de 300 kW está crescendo rápido.

Mas, em um rápido cruzamento com os números do centro de testes, vejo que neste cenário o Ioniq 6 não roda mais que 330 quilômetros. Um consumo razoável, 4 km/kWh, mas eu esperava mais. Os valores podem aumentar com rodas aro 18 em vez de 20 (em até 60 quilômetros). De qualquer modo, comparado ao irmão, não houve muita diferença. A autonomia é próxima de 400 quilômetros, contra 377 do 5, mas a bateria é maior.

Esportivo, mas não puro

Com a estrada livre pela minha frente, sou recompensado por um powertrain que é capaz de me fazer mudar de velocidade em tempos extremamente curtos. São menos de cinco segundos na aceleração de 0-100 km/h, com retomada de 30-60 km/h em um ínfimo 1,8 segundo – tudo com respostas progressivas e muito convictas. Tal desempenho representa uma tentação contínua, bem como a certeza de poder escapar com facilidade de eventuais situações complicadas. A carroceria bastante rente ao solo (afinal, não é SUV) e uma distribuição de peso extremamente homogênea entre os dois eixos garantem o prazer ao volante – e uma tocada divertida – em trechos sinuosos. Comparado ao Ioniq 5, o modelo “6” é mais reativo e preciso, mas não um esportivo puro. Além disso, o efeito de “suspensão a ar” do irmão não aparece aqui: a configuração dos amortecedores é mais rígida, especialmente em imperfeições mais consideráveis. Mas o conforto geral a bordo continua marcante, também em relação aos ruídos. Inclusive na estrada.

Os concorrentes

Kia EV6

O primo coreano, com uma carroceria bem diferente, é parecido em muitos pontos de vista, incluindo o espaço interno. Já está confirmado para estrear no Brasil ainda este ano, mas ainda não teve preço divulgado.

BMW i4

Já à venda no Brasil, custa R$ 432.950 e é muito semelhante à sua versão a gasolina. Anda bem sem gastar muito, e a autonomia oficial de 477 quilômetros é referência, mas a dinâmica de condução poderia ser melhor.

Hyundai ioniq 5

O crossover-SUV é a opção mais pop com extamente a mesma base do Ioniq 6. As vendas começam apenas no ano que vem, mas sem preço divulgado (no exterior, custa o mesmo que o irmão avaliado aqui).

Hyundai Ioniq 6

Preço básico (estimado): R$ 310.000

Carro avaliado (estimado): R$ 350.000

Motores: elétricos síncrono, ímãs permanentes, um dianteiro e um traseiro

Combustível: bateria

Potência: 100 cv (d) + 225 cv (t) = 325 cv

Torque: 255 Nm (d) + 350 Nm (t) = 605 Nm

Câmbio: caixa redutora de relação fixa

Direção: elétrica

Suspensões: McPherson (d) e multilink 5 braços (t)

Freios: disco ventilado (d/t)

Tração: integral elétrica

Dimensões: 4,86 m (c), 1,88 m (l), 1,64 m (a)

Entre-eixos: 2,95 m

Pneus: 245/40 R20, kit de reparação

Porta-malas: 401 litros (t) + 12 litros (d)) / Teste QRT: 349+15

Bateria: 349+15 íons de lítio, tensão 800V, capacidade 77,4 kWh (72,5 líquida), V2L

Peso: 2.113 kg

0-60 km/h: 2s2

0-100 km/h: 4s9

Velocidade máxima: 185 km/h (limitada) – QRT: 191,3 km/h

Consumo cidade: 5,3 km/kWh

Consumo estrada: 4,6 km/kWh

Consumo rodovia: (130 km/h): 4 km/kWh

Consumo médio: 5,9 km/kWh (WLTP) e 4,8 km/kWh (QRT)

Autonomia: 519 km (WLTP) – 395 km (QRT)

Recarga completa: 6h43 (wallbox AC, limite de 10,5 kW)

Recarga 80%: 57 min (sistema DC de 50 kW)

Recarga 80%: 18 min (super-rápida, DC 350 kW)