Calma lá. Curti muito essa picapona. Às vezes, nesse trabalho de “testador” de carros, é necessário fazer algumas escolhas fora da curva: um furgão comercial para passar as férias, um esportivo V8 para passar sete dias no trânsito, viajar com cinco a bordo em um subcompacto elétrico…é legal fugir do óbvio.  

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Jeep Gladiator Rubicon 4×4 – Foto: Lucca Mendonça

Escolhi a Gladiator

Precisava viajar. Eu e mais quatro pessoas. Um final de semana na praia com amigos. Mais uma vez, fugi da escolha racional e escalei essa “moça” das fotos para ser minha companheira: a Jeep Gladiator V6, picape vendida por aqui na versão única Rubicon 4×4, por R$ 500 mil. Cara, né? Pois é. Talvez explique o motivo dela vender tão pouco, e ser tão rara pelas ruas brasileiras. Mas, um carro não se limita ao preço. 

Jeep Gladiator Rubicon 4×4 – Foto: Lucca Mendonça

Logo de cara, no primeiro contato com essa picape Jeep, ficou claro que ela é basicamente um Wrangler com caçamba. Aquele “jipe” de verdade, que sobe paredes, atravessa rochedos, desce montanhas e se aventura no off-road. É basicamente o sinônimo da marca Jeep, mas, aqui, com uma caçamba de 1.000 litros na traseira. Assim como o Wrangler, a Gladiator tem algumas funções legais e bem úteis, mas que acabei não colocando em prova prática: seu interior é lavável (bancos, painel, telas), e o teto, portas, parabrisa e vidro traseiro podem ser desmontados. Vira um buggy.  

Jeep Gladiator Rubicon – Crédito: Divulgação

Parece uma 1500 Classic

Ao cair no trânsito urbano, notei a dirigibilidade de caminhonete raiz: lembra bastante as Ram de gerações anteriores, em especial a 1500 Classic. Compartilham, inclusive, algumas partes mecânicas. Nesse lote de características que lembram as 1500, está a direção eletro-hidráulica bem macia (e lenta nas respostas), balanço típico de caminhonete grande e uma dirigibilidade mais de “caminhão”, que não lembra carros de passeio. Até aí, tudo normal: é uma picape com chassi separado da carroceria, suspensões com eixo rígido (Dana 44) e porte grande (maior que Hilux ou Ranger). 

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Motorização

Com 3.6 litros de capacidade do motor, 284 cv de potência e aproximadamente 35,4 mkgf de torque, seu corpinho beira os 3.600 kg. E a força, igual a de um VW Jetta GLI, não é tão abundante assim, contando com administração do câmbio TorqueFlite de 8 marchas, concebido pela ZF: ele prefere conforto ao desempenho, fazendo trocas mais lentas e suaves. 

Jeep Gladiator Rubicon 4×4 – Foto: Lucca Mendonça

Esse motor V6 Pentastar não é novo. Longe disso, tanto que chegou a equipar até o Dodge Journey por aqui, anos atrás. Porém, consegue ser moderno com sua concepção inteira em alumínio, duplo comando de válvulas (24 delas, aliás), variadores de fase e sincronismo por corrente de comando, que dispensa manutenções. Conta até com sistema Start & Stop. Também tem como característica trabalhar em altas rotações, algo incomum para sua cilindrada: é bem “murcho” abaixo de 2.000 rpm, entregando todo seu poder ao redor dos 4.000.  

Jeep Gladiator Rubicon 4×4 – Foto: Lucca Mendonça

E foram nesses giros maiores que ele precisou buscar força para mover a Gladiator cheia durante a viagem. Especialmente nas subidas, dá-lhe redução (o câmbio não hesitava para fazê-las), fazendo o V6 roncar bonito na hora de ganhar velocidade. Desde que não se tenha medo de altas rotações, o desempenho do conjunto é ponto positivo, comprovando os bons 8,1 segundos que a Jeep declara no seu 0 a 100 km/h. Consumo? Te conto mais pra frente, pois é a parte mais chata desse carro.  

Ao gosto dos EUA

Jeep Gladiator Rubicon 4×4 – Foto: Lucca Mendonça

Antes da viagem, percorri cerca de 150 km com a picape entre cidade grande e estrada, sozinho na “boleia”. Definitivamente, encontrei na Gladiator o espírito de carro norte-americano: passa sempre a impressão de robustez e brutalidade, sem reclamar nem um pouco de buracos, lombadas, valetas. Tudo brincadeira para ela. O conforto é palavra de ordem: direção macia combina com freios de acionamento um tanto esponjoso (competente com discos de grande diâmetro), enquanto os bancos grandes não cansam nem faltam com espuma.  

Jeep Gladiator Rubicon 4×4 – Foto: Lucca Mendonça

Porém, pra quem esperava muito pula-pula, chacoalhos e sacolejos, uma grata surpresa: o acerto de molas e amortecedores (da marca Fox, que aguentam a pauleira) é voltado ao bem-estar dos ocupantes, com maciez e absorção de impactos. Roda melhor que algumas caminhonetes médias “queridinhas” do mercado nacional.  

Jeep Gladiator Rubicon 4×4 – Foto: Lucca Mendonça

Depois de entender algumas de suas peculiaridades, como botões dos vidros elétricos no painel, ou luzes de leitura na metade do teto, encontrei ajustes suficientes na multimídia e na tela da instrumentação. Inclusive, com mescla entre conta-giros e velocímetro analógicos, de ponteiro, somados a uma tela colorida de 7”. A coluna de direção é regulável para todos os lados: é fácil se ajeitar ao volante.  

Jeep Gladiator Rubicon 4×4 – Foto: Lucca Mendonça

Tecnologias

Apesar de parruda, a caminhonete da Jeep não fica para trás em tecnologias ou itens de conforto: tem pacote ADAS, som Alpine, sensores de chuva e crepuscular, multimídia grande, ar digital automático dual zone, bancos elétricos, e até um útil acendedor de cigarros (pode facilitar muito na hora de acender uma fogueira no meio do mato, por exemplo). Uma tomada de 220V também está no pacote: sim, iguais às que você tem na parede da sua casa, para ligar aparelhos diversos. 

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Pé na estrada

Queimado ¼ do seu tanque de 83 litros em aproximadamente 150 km rodados (façam as contas), era hora da viagem. As malas, essas não tiveram jeito: foram ensacadas e amarradas na caçamba, que é revestida com material antiaderente, tem outra tomada 220V, tampa fácil de abrir e fechar, iluminação potente em LED e ganchos para amarração da carga. Capota marítima? Só como acessório na concessionária. O compartimento de carga é raso, mas bom de largura e comprimento.  

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Carga (ou melhor, bagagens) acondicionadas, era hora da galera se acomodar. Apesar das portas serem um tanto pesadas, oferecem ótimo ângulo de abertura, porém fazem falta os estribos laterais, tão comuns em caminhonetes. Três adultos, atrás, se acomodaram com certo aperto, e quem foi no meio teve que lidar com o túnel central, console longo e porta-copos no chão.

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Ao menos, o espaço para a cabeça é bom, assim como o vão para as pernas, permitindo que motorista e copiloto também fiquem folgados, sem ter que se apertar contra o painel. Saídas de ar, luzes de leitura dedicadas, portas USB, e até uma janelinha no vidro traseiro são de série na segunda fileira. De qualquer forma, quem vai na frente fica infinitamente mais confortável. 

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Viajamos a noite. O bom sistema de som (nove alto-falantes e subwoofer), assim como o ar-condicionado competente e as várias portas USB, convenceram na vida a bordo logo de cara. Os bancos, mesmo os traseiros, tem ergonomia e revestimento elogiáveis. O V6, embora movendo a Gladiator com sua capacidade de carga máxima (674 kg), foi suficiente na performance rodoviária, claro que exigindo rotações mais altas. Silêncio e conforto também contaram a favor. Faltaram, porém, porta-trecos na cabine: o jeito foi posicionar algumas coisas sobre o painel.  

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Vacilos

A viagem noturna logo deixou claro dois pontos fracos da picapona da Jeep. Seus faróis em LED são (muito) poderosos, mesmo em facho normal, só que não dispõe de ajuste elétrico de altura. Vacilo. Na teoria, contam com autonivelamento, só que na prática, cegavam todo mundo. Vez ou outra, em rodovias de pista única e mão dupla, precisei desligá-los (mantendo só as lanternas de posição), pois outro veículo no sentido contrário vinha me lampejando luz alta (o clássico “baixa esse farolzão aí”).  

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Com peso na caçamba e banco traseiro, a coisa se agravou, afinal a Gladiator ficou com a frente mais erguida, e o facho dos faróis em nível ainda mais alto. Levei piscada de luz alta de moto, carro, caminhão, ônibus… não tinha o que fazer, a não ser desligar os faróis até o indivíduo cruzar meu caminho. Ligar o facho alto ou as luzes de longo alcance? Sem chance. Seria um atentado aos demais motoristas. O “erro” poderia ser consertado facilmente com um pequeno botão giratório no painel, para ajustar a altura do facho, assim como existe o reostato para a intensidade das luzes do interior.  

Jeep Gladiator Rubicon 4×4 – Foto: Lucca Mendonça

O que também me atrapalhou na viagem, ainda que bem menos, foi a atuação muito discreta do retrovisor fotocrômico, que mais parecia refletir as luzes de quem vinha atrás do que ofuscá-las. Era constante o movimento de virar ele manualmente para cima, simulando o modo dia/noite manual, aquele comandado pela alavanquinha inferior em espelhos convencionais. Os sensores de estacionamento dianteiros também ficam de fora do pacote, só que há uma câmera frontal em HD, além da fácil noção de espaço frontal. Não fizeram falta nos nove dias de teste. 

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Surpresas

Alegria ao notar o elevado nível de silêncio a bordo, graças a reforços de manta acústica e vidros mais espessos na linha 2024, que melhoraram inclusive o nível de conforto geral. E, depois de quatro horas de estrada, toda a calibração macia como os americanos gostam, deixaram a viagem menos cansativa. E, para quem curte, a toada da Gladiator na estrada lembra a de um caminhão: baixo giro em última marcha (ela costuma entrar acima de 110 km/h, como puro overdrive), posto alto de condução e várias correções de trajetória por km rodado (mantém o motorista acordado).  

Jeep Gladiator Rubicon 4×4 – Foto: Lucca Mendonça

Todo o aparato off-road ficou lá, quietinho, durante o período que estive com a Gladiator. Os pisos ruins e trechos fora-de-estrada que trafeguei com ela foram facilmente vencidos pela altura natural do solo, ângulos de ataque e saída competentes, suspensões preparadas, pneus de uso misto e força bruta. Com a tração 4×4 desativada, ela move apenas as rodas traseiras, como noutras picapes do tipo.  

Jeep Gladiator Rubicon 4×4 – Foto: Lucca Mendonça

Rodei exatos 1.144 km com essa caminhonete. Conheci ela bem. Viramos amigos. Além do final de semana em São Sebastião (SP), também fiz alguns bate-e-volta para compromissos profissionais durante a semana. Muito trânsito pesado (incluindo o de SP capital), subida, descida, ruas estreitas, manobras complicadas, estacionamentos apertados. Nos viramos, sem sofrer muito. Não tem jeito: é uma picapona e exige atenção nessas horas, como qualquer outra similar. 

Jeep Gladiator Rubicon 4×4 – Foto: Lucca Mendonça

Ele, o consumo de combustível… 

Nesses mil cento e tantos km percorridos em nove dias, passei cerca de 25 horas ao volante da Gladiator. Ela queimou 170 litros de gasolina para tal, pelo menos. Isso conforme a média de consumo final pelo computador de bordo: 6,7 km/l.

Jeep Gladiator Rubicon 4×4 – Foto: Lucca Mendonça

Em condições muito favoráveis na estrada, foi possível atingir até 8,5 km/l, mas em trechos de descidas, vento a favor, baixa carga, pista boa. Ficava mesmo ao redor dos 7,5 km/l reais. O Start & Stop, mesmo ligado e funcionando nas paradas rápidas, não conseguiu subir a média de consumo urbano além dos 6,0 km/l. Mais uma vez, número que ela fez em situações mais tranquilas.  

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Para quem tem R$ 500 mil para gastar com um carro, certamente não se preocupa em queimar R$ 6 de gasolina a cada 5 km rodados, ou algo próximo disso. O ronco gostoso do V6 acelerando, muitas vezes, soava mais alto que o choro do bolso, que perdeu quase R$ 1.000 nesses nove dias abastecendo o V6.  

Jeep Gladiator Rubicon 4×4 – Foto: Lucca Mendonça

Wrangler 

Ele também custa R$ 500 mil. Não oferece caçamba, mas sim um porta-malas de quase 500 litros. Debaixo do seu capô vai o mesmo 2.0 turbo a gasolina das Ram Rampage nacionais (Hurricane), com 272 cv, que tende a beber menos. O V6 é exclusivo da Gladiator, por mais difícil que seja de explicar.  

Jeep Wrangler Rubicon 4×4 – Foto: Divulgação

De qualquer forma, eu encararia outros nove dias de convivência com a Gladiator, talvez a picape mais diferentona, com mais personalidade e maior capacidade off-road do Brasil. Quase me levou à falência, mas cumpriu o que prometeu e foi além. 

Rodaria outros 1.000 e tantos km com a Gladiator, sim! – Foto: Lucca Mendonça