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Assim como o Fusca, o Porsche 911 tem tração traseira e motor também traseiro. Muitos dizem que este último está no lugar errado. “Lugar errado? Diga isso depois do test-drive de amanhã”, responde Achim Lamparter, responsável pelo desenvolvimento do chassi do esportivo, nada feliz com a “acusação”. Se estivesse errada, essa construção não teria resistido a seus 55 anos de história, diz ele. “É a melhor opção em termos de tração. Quando o 911 sobresterça, é mais fácil trazê-lo de volta do que um esportivo de motor central. O Cayman é mais difícil de escapar, mas, quando o faz, é por inteiro”, explica, defendendo o legado do mais icônico esportivo de uma das mais icônicas marcas de esportivos.

“Quando tentaram substituir o 911 pelo 928, ninguém gostou”, explica Lamparter. Assim, o 911 permaneceu com sua fórmula clássica, nascida ainda no antecessor 356 (leia mais sobre ele na página 8). “O motor não está no lugar errado, e tampouco foi movido para a frente”. O que de fato ajudou a domar o esportivo ao longo das gerações foi o aumento da distância entre-eixos – de 2,21 m na primeira geração para 2,54 m nessa oitava que estreia agora (e teve, ainda, as bitolas alargadas). “O 911 de hoje é mais estável e na mão, mesmo sem as ajudas eletrônicas. Você verá amanhã”, completa o engenheiro.

ÍCONE – MEXA COM CUIDADO

Depois de uma noite mal dormida – um 911 deixa ansioso mesmo os acostumados a test-drives de esportivos –, chega o tão esperado “amanhã”. O esportivo nos recebe nos boxes do Circuito de Valência, Espanha. Sua silhueta é inconfundível, e essa geração, código 992, não é muito diferente da anterior: a marca aprendeu, principalmente com a quinta geração – aquela de faróis esquisitos – que o design do 911 não deve mudar radicalmente. As alterações devem ser mínimas (veja linha do tempo). Afinal, é um clássico como poucos.

Foram até ousados, principalmente na traseira. A bitola aumentou 4,4 cm com a nova plataforma MMB, e junto cresceram os “ombros” da carroceria, que deixaram o 911 mais musculoso, quase exagerado. A grade traseira trocou as linhas horizontais por verticais,
e mesma orientação tem a brake-light, agora “saltada” para fora. Mas a maior ousadia está na faixa de LEDs que liga as lanternas, inspirada no 911 “Série G” (1976-1989). As maçanetas também são novas: embutidas na carroceria, ficam ocultas e “aparecem” na hora de abrir o carro.

A cabine, minúscula, tem mudanças marcantes. O conta-giros continua no centro e analógico, mas os demais elementos agora são digitais e configuráveis (pena que os dois mais externos sejam quase impossíveis de ler, tapados pelo volante e/ou mão do motorista). As linhas estão mais horizontais e excesso de botões deu lugar a “vazios” que causam estranhamento – só alguns botões foram mantidos para acesso rápido. Ao centro, a tela de multimídia/controle tem 10.4”. O 911 ainda ganhou sistemas semiautônomos (dispensáveis, exceto a frenagem de emergência). Sentimos falta de carregador por indução e head-up display. Atrás, como sempre, os assentos acomodam só crianças – ou a bagagem que não cabe no diminuto porta-malas.

LIMITE? QUE LIMITE?

Mas vamos ao que interessa. A partida é do lado esquerdo, outra característica clássica, e o ajuste da direção, é elétrico e amplo. A posição de dirigir é baixíssima, como deve. Nosso primeiro contato com o esportivo é no Circuito de Valência, na Espanha: 14 curvas em pouco mais de quatro quilômetros para testar os limites do 911.

Mas que limites? Por mais que não tenham deixado desativar o controle de estabilidade (ESP), ele mal trabalhou. Os cones indicativos de pontos de frenagem e tangência nas curvas ajudavam, embora mesmo os ignorando – ou seja, pilotando errado – o 911 obedecesse docilmente, equilibrado como nunca. No fim da reta, a 250 km/h, freio no cone… e chego muito devagar à curva, o que permite acelerar forte no meio dela – algo não recomendado, principalmente com tração traseira, mas o 911 responde de novo com muita classe. Mesmo assim, e com a distribuição de peso desfavorável (mais de 60% atrás), as transferências de carga são exemplares.

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Mérito do chassi, pela primeira vez com amortecedores com controle eletrônico. As rodas traseiras maiores que as dianteiras, e com pneus extremamente largos , agarram ao asfalto firmemente. Não há sustos: o 911 está sempre “na mão” e não tenta “rabear” nas curvas (o 4S, de tração integral, é mesmo só para neve/gelo). E mérito também do powertrain. O motor boxer 3.0 voltou a usar turbinas na geração anterior (duas), e agora foi melhorado, com potência elevada de 420 para 450 cv, lag reduzido – nem parece turbinado – e trocas do câmbio PDK aceleradas (e ainda ganhou uma marcha extra: sétima e oitava são overdrive). Sem trocas de marcha ou retardos de resposta interrompendo a entrega de potência, o 911 é puro controle (e pura adrenalina!). Olhando os números absolutos, o Carrera S melhorou o 0-100 km/h de 3s9 para 3s5 e o 0-200 km/h de 12s9 para 12s1. Ou seja, esse 911 Carrera S anda hoje o que o 911 Turbo andava há dez anos.

MAIS FORTE QUE O MOTORISTA

Já cientes dos limites do 911 – ou talvez excessivamente confiantes pela aparente ausência deles – seguimos para um percurso por estradinhas nos arredores do autódromo. A maioria era sinuosa, com pistas estreitas que pareciam ciclovias e precipícios… bem, melhor nem olhar. Já “dominando” o carro, exagero nas curvas e começo a passar mal. Com uma dinâmica tão afiada – a direção está mais rápida que antes – o 911 aguentou mais do que eu. A partir da metade do caminho, minhas impressões foram prejudicadas: a prioridade era manter o conteúdo do meu estômago dentro dele.

Passei, então, a notar as sutilezas do esportivo. Nos calçamentos antigos dos vilarejos espanhóis, por exemplo, o 911 mostrou que casa muito bem dinâmica e conforto. E, nas rodovias, que é um carro perfeitamente utilizável no dia a dia, seguindo a 120 km/h em oitava marcha a baixas 1.700 rpm, silencioso e comportado. Mas gire o seletor no volante para Sport que o 911 mostra o seu melhor. Há ainda o modo Sport Plus, que enrijece as suspensões mas segura muito as marchas. O bom é que você pode deixar as suspensões mais firmes mesmo no Sport, por meio de outra opção. O toque de mestre é o botão Sports Response, bem no centro do seletor do volante, que faz o Porsche entregar ainda mais força por alguns instantes. Como um videogame.

ELETRÔNICO, NÃO ELÉTRICO

Quase certamente é a última geração do 911 sem ao menos o auxílio de um motor elétrico (100% elétrico deve ser o Taycan, mas o 911 será híbrido). Enquanto isso, o que evoluiu foi a eletrônica. O novo Wet Mode é símbolo disso. Se preferir, pode chamar de “modo Senna”, pois faz qualquer um pilotar melhor no molhado. A região é árida, mas um mini-circuito molhado foi montado no estacionamento para testar esse modo de direção que “pede” para ser acionado (“ouve” a chuva com um microfone e emite um aviso). Ele é selecionado no controle giratório do volante, como os demais. Não é nada de outro mundo, só a eletrônica atuando com maior intensidade – embora ainda sutilmente, considerando as condições – para mantê-lo sempre na pista e evitar que você bata seu 911.

SEGUNDA CHANCE

Depois do molhado, volto aos boxes. A prestativa equipe informa que há uma hora disponível e carros livres. O plano era fazer vídeos e conversar com engenheiros, mas quem recusa a oportunidade de acelerar um 911? Foi minha chance de refazer o percurso rodoviário, em versão reduzida, que levaria 1h15. Levei 50 minutos. Aquele primeira incursão fora um fiasco, e nessa segunda usei o carro até o limite do bom senso (que bom senso?). O que mais impressionou foi a sensação de segurança: como pode ser tão refinado e, ao mesmo tempo, tão esportivo? Da malcriação e desequilíbrio do passado, nada restou. Agora é puro controle. Sensação de dever cumprido.

911 ACIMA DE TODOS

A novidade chega ao Brasil em maio na versão Carrera S avaliada, que deve custar R$ 680.000. O 911 Não é o Porsche mais vendido perde para os onipresentes SUVs, aos quais a própria marca se rendeu, primeiro com o Cayenne e depois com o Macan, seu atual best-seller. Mas é o melhor deles, o mais famoso, o que faz comprarem os outros. Um Porsche acima de todos. O verdadeiro mito.


Ficha técnica:

Porsche 911 Carrera S

Preço básico (estimado): R$ 680.000
Carro avaliado (estimado): R$ 680.000
Motor: 6 cilindros contrapostos (boxer) 3.0, 24V, válvulas com variação de abertura e tempo de abertura (VarioCam), biturbo, injeção direta, start-stop
Cilindrada: 2981 cm³
Combustível: gasolina
Potência: 450 cv a 6.500 rpm
Torque: 54,1 kgfm de 2.300 a 5.000 rpm
Câmbio: automatizado (PDK), oito marchas, dupla embreagem
Direção: elétrica
Suspensões: McPherson (d) e multi-link (t)
Freios: discos perfurados e ventilados (d/t)
Tração: traseira
Dimensões: 4,519 m (c), 1,852 m (l), 1,300 m (a)
Entre-eixos: 2,540 m
Pneus: 245/35 ZR20 (d) e 305/30 ZR21 (t)
Porta-malas: 132 litros (d)
Tanque: 64 litros (opcional com 90 litros)
Peso: 1.515 kg
0-100 km/h: 3s7 (3s5 no modo Sport Plus)
Velocidade máxima: 308 km/h
Consumo cidade: 9,3 km/l*
Consumo estrada: 12,6 km/l*
Nota do Inmetro: ainda não vendido no Brasil (F na Alemanha)

*Europa