Que carro seria esse? Um Discovery? Um Range Rover Sport? Não, olhando a foto acima, obviamente é o novo Defender. “Contaminado” pela sofisticação cada vez maior dos irmãos mais caros, o Land Rover Defender não é mais o mesmo. Não fosse o design com fortes referência aos mais clássico “jipão” da Land Rover, e considerando apenas a experiência na cabine e ao volante, muitos não saberiam dizer que se trata do famoso SUV da marca.

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Apresentado ao mundo em meio à pandemia, a aguardada nova geração do SUV “raiz” dá continuidade à famosa linhagem do modelo, que nasceu em 1947/1948 (leia aqui) – como “Land Rover”, apenas, mas hoje chamado de “Series 1” – e teve sua produção mundial interrompida ainda em 2016, por questão de segurança (nem podia ter airbags). 

primeiro land rover
1948 Após a estreia do Land Rover no Salão do Automóvel de Amsterdã, em 30 de abril de 1948, as primeiras unidades são entregues no verão.
NOVA CONSTRUÇÃO

O Land Rover Defender não é mais o mesmo. Pela primeira vez na história, o SUV inglês descarta a tradicional e robusta construção sobre chassis – como a dos também “clássicos” SUVs raiz Toyota SW4, Chevrolet Trailblazer e Mitsubishi Pajero Sport, e adota uma construção com monobloco, como nos carros tradicionais e SUVs “nutella”.

Mas, calma: a Land Rover já havia feito isso com seus outros modelos, sem perda de capacidade off-road – quanto à robustez, teremos que esperar mais alguns anos para saber. A plataforma do novo Defender é a D7U, uma variação da D7X usada no Discovery e no Range Rover Sport. Coisa fina, de alumínio ultrarresistente e tal. Mas, esse é um fato inegável, ele não é o “tratorzão” de antigamente. Porque SUV, hoje, precisa ser confortável, não é mesmo? (É mesmo?)

Land Rover Defender

 

A CABINE

O Land Rover Defender não é mais o mesmo. E não se trata só de plataforma, mas de tudo que vem com ela. Outros fortes sinais de como as coisas estão mudadas aparecem na cabine. Logo de cara, na coluna de direção. Antes, ela era deslocada para a esquerda, e eu batia o cotovelo na porta ao manobrar. Agora, está perfeitamente posicionada e tem até ajuste elétrico. Isso mesmo: um botãozinho a desloca longitudinal e verticalmente. Em um Defender? “Pode isso, Arnaldo?”.

No resto, há coisas que tentam mostrar a velha simplicidade, como alguns parafusos expostos na porta e superfícies de plástico texturizado, fáceis de lavar depois das trilhas. Mas isso é misturado com muito couro, muito luxo e muita eletrônica – seria para deixar claro que o Land Rover Defender não é mais o mesmo?

A central multimídia é ótima. Tem atalho fixo para acesso rápido e fácil ao Android Auto, e não confusa como eram as anteriores da marca (não do Defender, que nem a tinha). E isso sem abrir mão das inúmeras opções de personalização que sempre teve.

Mesmo que você faça questão de ouvir os sons da natureza, e não o Spotify, e a região onde está não esteja mapeada, a tela central não é inútil: ali é possível acompanhar os detalhes do carro, da atuação das suspensões à altitude, profundidade da água. Há até o tal “capô invisível”, que permite ver, por meio de uma câmera, o que há debaixo do SUV.

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Ampla e espaçosa, graças à generosa largura da carroceria e os quase 4,70 metros de comprimento (sem contar o estepe), a cabine agradou a família. As crianças amaram: “É o melhor carro do mundo”, disse Stella, 3 anos. Eles gostaram da escada na lateral, para acessar o bagageiro (ambos acessórios vendidos à parte), do teto panorâmico generosos – e adoraram a geladeira sob o apoio de braço, para manter o suco gelado.

E, para andar com a criançada – só com as minhas, mas se fosse levar amiguinhos ainda poderia usar a terceira fileira de bancos –, fui eu que fiquei feliz. Para encarar um dia de trilha, a cabine é cheia de porta-objetos, garrafas e tudo mais que você precisar.

MECÂNICA

O Land Rover Defender não é mais o mesmo. Cadê o motor a diesel? Calma, ele existe, mas não aqui. Pelo menos não ainda. Por que essa opção bizarra da marca? Bem, poderia ser porque se o preço deste já encosta no do Discovery, um Defender a diesel seria mais caro que o irmão maior? Talvez (e já voltarei a isso).

Já havíamos avaliado aqui a versão a diesel em uma aventura na África, e agora, em uma aventura bem menor – 350 quilômetros, cerca de metade em estradas de terra –, pudemos ver como anda a movida a gasolina. Ambos tem a mesma transmissão automática ZF onipresente no mercado.

O motor a gasolina é um 2.0 com injeção direta, turbo e… surpresa!, um sistema de hidraulicamente ativado de variação contínua da abertura de válvulas (tempo e amplitude) – sim, como o nosso conhecido Fiat MultiAir (aliás, o mesmo, pois o grupo Jaguar-Land Rover comprou a tecnologia da FCA.

Este 2.0 tem 300 cv e 40,8 kgfm. Na prática, entrega um desempenho até um pouco melhor que o do 2.0 turbodiesel, que tem 240 cv e 43,8 kgfm. No 0-100 km/h, são 8s1 e 9s1, respectivamente. Lá fora, há ainda a opção híbrida leve com um motor 3.0: ela entrega 400 cv e 57,1 kgfm (com 0-100 km/h em 6s1).

Ambos são candidatos a serem lançados aqui em breve. Por enquanto, porém, quem quiser o Defender vai ter que usar gasolina. E muita, pois ele bebe como um inglês: os dados do PBEV não foram divulgados, mas, na prática, o consumo foi muito ruim. Daí o tanque de 90 litros, para garantir uma autonomia minimamente digna ao SUV.

AO VOLANTE – NA CIDADE

O Defender não é mais o mesmo e pode ser mais sofisticado, mas não é um SUV de shopping. Seu cenário ideal é a terra, mas ele se vira bem no asfalto. O problema é que ele é meio largo demais para rodar em uma cidade de vias estreitas como São Paulo – e, para piorar, os retrovisores externos não são muito bons – e a escada e o bagageiro lateral adicionados como acessórios pioram a situação.

É aí que entra em jogo, de novo, a tecnologia. Para ajudar a resolver o problema, há monitores de ponto cego. E, para ajudar na visão pelo interno – bastante prejudicada pela terceira fileira de bancos e pelo estepe pendurado lá atrás – o reflexo pode ser substituído pela imagem de uma câmera, posicionada lá atrás, na antena, bem no alto do carro.

A imagem no retrovisor, livre de interferências (mas o carro atrás quase some devido à altura do Defender)

E que alto! Não bastasse ter quase dois metros de comprimento na altura normal, a situação piora com o uso do bagageiro no teto. É preciso tomar cuidado para não raspar em portões de prédio, entradas de shoppings e similares. No meu caso, precisei usar a “altura de acesso” – a suspensão a ar abaixo o carro em 5 cm para facilitar a carga do porta-malas – para poder entrar sem  destruir o portão.

Essa mesma altura “excessiva” ajuda a dar aquela tal sensação de superioridade e segurança no trânsito tão buscada neste tipo de carro. Aliás, os SUVs compactos parecem anões perto deste Defender. E, se começa a chover, enchentes e alagamentos não são nada para atravessa alagamentos de até 90 cm (sem o snorkel, outro acessório que veio na unidade avaliada). O preço se paga no consumo, que não passou de 5 km/l neste cenário.

AO VOLANTE – NA ESTRADA

O Defender não é mais o mesmo e, nas boas rodovias de São Paulo, isso é muito bom. Saí de São Paulo pelas ótimas rodovias Ayrton Senna, Carvalho Pinto e Dom Pedro. Nelas, a 120 km/h e 2.000 rpm, a plataforma fina mostrou suas vantagens: muito conforto ao rodar e excelente estabilidade.

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Nessas estradas, o motor a gasolina leva vantagem por trabalhar silenciosamente, mas me incomodou um pouco o excessivo ruído de vento dentro da cabine, mas ele deve ter sido causado, em grande parte, pelos dispensáveis – mas muito charmosos – bagageiro, escada e caixa lateral. Há recursos como ACC — que, no painel, mostra todos os carros como Defender:

Eles também devem atrapalhar a aerodinâmica, mas obviamente não foram eles os únicos responsáveis pelo péssimo consumo médio de apenas 7,2 km/l – isso em velocidade constante, com estrada vazia e no modo Eco, com muito esforço para gastar o mínimo de combustível (também entram nessa conta tração integral, aerodinâmica ruim por causa das formas quadradonas e elevada área frontal, pneus de uso misto, etc.)


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AO VOLANTE – NA TERRA

Bem, chega de asfalto porque, se o Defender não é mais o mesmo, quero ver como ele se sai na terra. O caminho normal para São Francisco Xavier, na Serra da Mantiqueira, seria continuando pela Carvalho Pinto, depois Rodovia dos Tamoios, anel viário de São José dos Campos, trânsito e semáforos, e mais uns 40 quilômetros de estrada sinuosa com carros lentos até chegar lá.

Land Rover Defender

Então é hora de escapar: da Carvalho Pinto até Igaratá, pela Dom Pedro, são uns 15 minutos. Passo por um centrinho, e chego perto da represa, alimentada pelo Rio do Peixe. É lá em cima, na Mantiqueira, que fica a nascente do rio. E em Igaratá começa a estrada do Rio do Peixe, que vai me levar até o destino. Tudo pela terra, felizmente. Começo com um boa subida, chegando ao Morro Azul (foto acima). Depois, a mata se fecha.

Na terra, o Defender não é mais o mesmo – é até melhor. A suspensão pneumática tem um curso enorme e, com mais de três metros de comprimento, o Defender tem balanços reduzidos e ângulos de ataque e saída enormes (38 e 40 graus, respectivamente). A isso se soma a altura do solo que se eleva a 29 cm, mais que em qualquer outro modelo da marca, no modo todo-terreno – e acaba com preocupações de bater o fundo em pedras.

Acima, o mapa do teste. De Igaratá a Joanópolis, tudo por estradas “de chão”, não asfaltadas. O Defender parece flutuar sobre elas, mesmo nos trechos com costelas de vaca, poças, buracos, valas… dá para andar bem rápido, pois a tração é integral e inteligente, garantindo máximo controle e aderência. O curso longo evita batidas secas, e sua discreta firmeza é bem-vinda para ajudar, também, no controle da carroceria.

O Terrain Response 2, sistema eletrônico que monitora constantemente o piso e adapta o SUV a ele, é totalmente automático, mas você pode preferir fazer suas próprias escolhas. Ao selecionar o modo “gravilha”, o SUV fica extremamente preso ao piso, mesmo onde a lama da estrada foi coberta de pedriscos, o que às vezes deixa o carro “flutuar”. 

Depois de passar por São Francisco Xavier, foram mais 50 quilômetros de terra, serpenteando por estradas pouco utilizadas e enlameadas, até chegar a Joanópolis. E sem nenhuma dificuldade para um carro como o Defender. Assistente de atoleiros, reduzida… nem precisei usar nada disso. Fiquei desejando que as estradas fossem bem piores. Ou um lugar sem estradas.

Acima, a área de controle: ao clicar no carrinho entre os comandos de temperatura do ar, eles passam a atuar como seletor rotatório do modo de condução do Terrain Response 2. Há ainda os controles de ativação da reduzida e de altura da carroceria, além do auxílio em descidas. Abaixo, a opção da tela central que mostra o trabalho das suspensões, diferencial e outros dados úteis nos percursos off-road.

De negativo, neste percurso, de novo, apenas o consumo alto: a média de 5 km/l com gasolina não é nada animadora, e fiquei imaginando quanto faria a versão a diesel. Na verdade, tenho uma outra pequena crítica: na terra, de janela aberta, o barulho do snorkel puxando o ar a cada acelerada é um tanto irritante… eu compraria sem o acessório, pois gosto de andar com a janela aberta e não costumo encarar alagamentos com mais de 90 cm de profundidade.

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UM ESPAÇO SE ABRE NA LINHA

O Land Rover Defender pode conceitualmente não ser mais o mesmo, e o luxo vai além da conta – e do necessário –, mas a capacidade de encarar estradas ruins, com dirigibilidade impecável, continua boa como sempre.

Ninguém em sã consciência vai reclamar de conforto, segurança e tecnologia. Mas o problema é que quanto mais disso, mais o preço sobe. O Defender está muito melhor, mas o preço está muito mais alto. Há pouco mais de dez anos, no Brasil, um Defender 110 custava menos que Toyota Hilux SW4, um Mitsubishi Pajero Sport e cia. Agora, custa muito mais que eles, que estão na faixa de R$ 300 mil, e não de quase R$ 500 mil.

Aliás, por apenas R$ 3 mil a mais que esse Defender HSE, top de linha, você leva um Discovery SE, de entrada, que pode até ser menos equipado, mas vem com motor a diesel de 258 cv e 61,2 kgfm, entregando o mesmo 0-100 km/h, mas com mais força e um consumo muito menor. É um SUV maior, mais luxuoso e tão valente quanto. E, repito, com o motor a diesel que deveria ter chegado logo de cara no Defender.

Então, fica claro que há um espaço em aberto na linha Land Rover. E ele não será preenchido pelo Defender 90, versão mais curta deste. Temos que defender um Defender como o original (perdoem o trocadilho). Queremos uma versão mais rústica – e, sobretudo, mais barata, do Defender. Porque este pode ser ótimo, mas poucos podem comprar.


FICHA TÉCNICA

LAND ROVER DEFENDER
Preço básico: R$ 417.950
Carro avaliado: R$ 473.950 (sem acessórios)

Land Rover Defender 110 HSE 2.0 Si4

Motor: quatro cilindros em linha 2.0, 16V, turbo, injeção direta, válvulas com comando hidráulico continuamente variável
Cilindrada: 1997 cm3
Combustível: gasolina
Potência: 300 cv a 5.500 rpm
Torque: 40,8 kgfm de 1.500 a 4.000 rpm
Câmbio: automático sequencial, oito marchas, com reduzida
Direção: elétrica
Suspensão: multi-link (d) integral-link (t)
Freios: discos ventilados (d) e discos sólidos (t)
Tração: integral, seletor de terreno, bloqueio eletrônico do diferencial
Dimensões: 4,758 m (c), 5,018 (c, com estepe), 2,008 m (l), 1,967 m (a)
Entre-eixos: 3,022 m
Pneus: 255/60 R20
Porta-malas: 916 litros (5 pessoas, até teto), 231 litros (7 pessoas, até teto)
Tanque: 90 litros
Peso: 2.318 kg
0-100 km/h: 8s1
Velocidade máxima: 191 km/h
Consumo cidade: 5,5 km/l (teste MS)
Consumo estrada: 7,2 km/l (teste MS)
Emissão de CO2: ND g/km
Com etanol: não é flex
Nota do Inmetro: E (estimada)