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A promessa de um sedan elétrico de US$ 35.000 chamado Model 3. Mais de 400 mil unidades reservados dias após a apresentação. O entusiasmo da mídia. A capitalização bilionária em Wall Street. As primeiras dúvidas sobre a capacidade de produção de 200 mil carros até dezembro de 2017 (no fim foram apenas 2.700). O sarcasmo dos competidores frente aos atrasos, inevitável preço a pagar por reduzir à metade o tempo do início do desenvolvimento à chegada ao mercado. O apelo ao mercado de ações – mais um – por fundos adicionais para investir no “inferno produtivo”. O precipitado e misterioso adeus de funcionários de primeiro escalão.

Os rumores sobre componentes de má qualidade na linha de produção e carros feitos a mão. Problemas causados pela pressa em atingir a meta de 5 mil unidades semanais. Mas as noites maldormidas do super-executivo Elon Musk enfim parecem acabar. Em 1o de julho, enfim, o e-mail triunfante para os funcionários: “Nos últimos 7 dias fabricamos 5.031 Model 3: podemos finalmente nos chamar de uma marca de automóveis”.

Entrega em cinco meses

A história do modelo que colocaria a Tesla no Olimpo dos grandes fabricantes tem trama épica, com um enorme entusiasmo inicial, seguido do colapso das ilusões para aumentar o drama, e, finalmente, a redenção do herói (o divino Elon). Mas não a vitória. Ao menos ainda não. Atingir o primeiro marco industrial, com meses de atraso, não elimina os problemas do genial empreendedor sul-africano. No papel, a Tesla tem um valor estratosférico, que não corresponde à sua verdadeira escala industrial e queima rapidamente – o que levou ao rebaixamento do seu crédito. Tudo isso enquanto a concorrência começa a atacar o segmento que antes era só dela.

Apesar dos pesares, o Model 3 é realidade: reservando agora, entregam em cinco meses. E é justo dar o crédito a Musk, a quem certamente não poupamos críticas, por ter transformado o que parecia uma aposta cega em algo tangível. Então agora é hora de focar no produto real, de ver se o carro pode realmente ser uma alternativa – em custo, desempenho e qualidade – para os sedans de classe média-alta com motor a combustão. Para isso, fomos à Califórnia dirigi-lo em ruas e estradas (os dados de desempenho foram obtidos pelos colegas da Motor Trend em teste instrumentado).

35.000 dólares. Só que não

Antes de tudo é preciso considerar o preço. O sonho inicial dos US$ 35.000 (R$ 130.000) está se provando um daqueles valores que só se vê mesmo na lista de preços – como mostra o “monte seu carro” do “nosso” Model 3 cor midnight silver (prata meia-noite, já um opcional, US$ 1.000). O carro de US$ 35.000 de fato existe, mas se trata da versão com bateria padrão, que só ficará disponível para venda daqui a mais seis a nove meses.
Na realidade, então, partimos de US$ 44.000 (R$ 165.000) na versão de 75 kWh (autonomia de 500 km), e há muitos opcionais. Se você quer um interior digno da singularidade indiscutível do carro, não dá pra economizar os US$ 5.000 do pacote Premium: bancos elétricos, som premium, teto panorâmico (não abre) e conectividade. O Autopilot Layer 2 – condução autônoma, outra característica quase inevitável em um Tesla – custa US$ 5.000 (outros US$ 3.000 para deixar o carro preparado para futuros desenvolvimentos), além de US$ 1.500 para as rodas aro 19 e US$ 1.000 do frete de entrega.

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Em suma, esse Model 3 de tração traseira que dirigimos na Califórnia, antes do incentivo total de US$ 10.000 (7.500 federal, a ser extinto, e 2.500 local), custa US$ 57.500: R$ 216.000 (porém, no Brasil, com taxas e custos, chegaria a R$ 500.000). Já a versão Dual Motor, de tração integral, parte de US$ 53.000, e a Performance, de US$ 64.000. Preços muito distantes das promessas de 2016, quando o modelo viria ao mundo fazer milagres. E que reduzem drasticamente os sonhos de Musk de democratizar o carro elétrico.

Tablet para tudo

O preço alto coloca o carro em um segmento bem longe do generalista planejado, elevando as expectativas. E é estranho entrar em um carro com um aparência tão minimalista, sem precedentes nessa faixa de preços onde um visual “rico” ​​é indicador de qualidade. Para começo de conversa, o painel não existe. Ou melhor, ele é um enorme tablet central de 15” onde tudo é controlado. Não há um único botão. A alavanca do câmbio fica na coluna de direção e também controla o Autopilot (modo autônomo); nos raios do volante há comandos rotativos cuja função muda conforme o que se faz (e ajustam também espelhos e volante – algo inédito). As saídas de ar ficam em um slot horizontal, controladas pelo tablet. O resultado é uma limpeza estética (escola sueca) que pode ser desconcertante para quem espera a opulência – por assim dizer – dos alemães.

Quanto à praticidade, o uso só da tela central impõe – como nos smartphones – que antes de dirigir se perca tempo escolhendo entre muitas configurações: rodando, você se distrai muito, porque ícones e cursores têm que ser encontrados antes com a vista e depois com o toque [MOTOR SHOW sempre critica essa opção, parecida com a dos Volvo, que ao menos têm mais botões “reais”]. Falando nisso, os smartphones são integrados de modo essencial na fórmula Tesla: um aplicativo controla remotamente do travamento das portas à carga da bateria. Como backup, um cartão permite abrir as portas e ligar o motor. Mas não o esqueça no carro: se o telefone ficar sem sinal, não vai abrir.

A posição de dirigir é excelente, com volante pequeno e baixo, estilo Peugeot, e o acabamento é mais que adequado – talvez nossa unidade tenha sido uma daquelas feitas a mão, mas com certeza eles estão lutando para melhorar a qualidade em relação aos primeiros exemplares exibidos. Já a tampa do túnel central, onde ficam as tomadas USB, precisam ser melhoradas. O porta-malas é ótimo, com capacidade para 424 litros.

Centro de gravidade baixo

Ao sair, a autonomia indicada é de 313 milhas, ou 501 km. No trânsito terrível do Vale do Silício, que se pretende um laboratório da sociedade do futuro mas ignora a mobilidade integrada (as pessoas andam só de carro: a Apple terá 11.000 vagas de estacionamento para 14.000 empregados), você logo nota que está em um carro mais ágil que o Model S: não tanto na aceleração, com o habitual impulso instantâneo dos elétricos – nos semáforos, com 0-100 km/h em 5s2, humilha os V8 nativos – mas de velocidade e habilidade em curvas.

Não é um Alfa Giulia, como querem os americanos, mas o handling impressiona, com equilíbrio absoluto. Dá para sentir, entretanto, um trabalho intenso da eletrônica: você pode desligar o controle de tração, mas o ESP (controle de estabilidade) sempre fica ligado, para evitar que alguém se deixe empolgar e não consiga controlar o sobresterço causado por tanto torque na traseira. O único ajuste disponível é o do volante (três níveis, melhor o Sport). O carro tem cerca de 1.750 kg e o centro de gravidade de um cupê de corrida, graças à posição baixa da bateria: na Pacific Coast Highway, o Model 3 garantiu uma experiência surpreendente, mesmo nos trechos sinuosos, especialmente quando você começa a entender a frenagem regenerativa (o freio motor é tão forte que para entrar em curvas é até abrupto: melhor desligá-lo para trajetória mais fluida).

Ao volante, o maior problema apareceu nos bancos (produzidos em uma fábrica da Tesla), dos quais eu insistia em escapar. O apoio para as coxas é curto e falta contenção lateral. As suspensões também precisa melhorar: em buracos, a estrutura rígida e os pneus finos (rodas aro 19) incomodam, bem como o ruído de rolamento, que compromete a experiência “sem-decibéis” típica dos carros elétricos.

Procurando energia

Em São Francisco, após 320 km, a carga cai abaixo de um terço. Surpreendentemente, na dita “capital da nova economia”, faltam Superchargers. E não só. Outros carregadores são reservados aos clientes dos hotéis e restaurantes. Então você vai ir para o sul, em direção ao Vale do Silício. O navegador dá indicações de recargas gratuitas – e livres, informação indispensável: entre dois Superchargers a quilômetros um do outro, só um estava disponível. Quando o carro elétrico se espalhar, o problema não será só achar um ponto de recarga, mas achar um livre. Além disso, o tempo aumenta com o número de carros conectados: junto a nove Tesla, o Model 3 levou uma hora e meia para recuperar 300 km de autonomia.

Nesse “pequeno” Tesla, a eletricidade é paga (S e X vêm com um “dote anual” de 400 kWh): o custo foi de US$ 13 pela carga completa. A maioria dos clientes Tesla atuais tem em casa o Powerwall, e faz dos Superchargers um ativo adicional. Na verdade, o Model 3 tem objetivos políticos diferentes em relação aos irmãos: aqueles que optam por se afastar do petróleo abraçam todo o ecossistema de Musk, do ponto de carregamento caseiro à auto-suficiência energética (a Tesla também faz painéis solares em forma de telhas).

Capítulo Piloto Automático: o sistema de direção semi-autônoma da Tesla foi centro de polêmicas por inúmeros acidentes, inclusive fatais. A causa foi sempre excesso de confiança dos motoristas no sistema, induzidos pela propaganda muskiana que prometia algo que não funciona tão bem. No Model 3, ele atua corretamente, apesar da ausência de um sensor Lidar: a condução é suave, centrada na pista, e se ignorados os sinais cada vez mais ruidosos para por as mão no volante, tudo é desativado – e não pode ser reativado por um tempo.

Excelência de incentivar

O Model 3 é sem dúvida um ótimo carro, com excelentes e inovadoras soluções: atualizações de sistema por 4G, conectividade, direção autônoma, dinâmica sem complexo de inferioridade e uma autonomia sem precedentes. Mas tem um grave problema de preço (e consequente de posicionamento) para entrar no mercado “generalista”. A US$ 35.000, um elétrico de alto desempenho e com autonomia de 450 quilômetros de fato seria uma oferta revolucionária, para mudar todo o mercado.

Por quase US$ 60.000, porém, as coisas complicam – porque nessa faixa de preços se pode comprar modelos mais tradicionais de “alto calibre”, sem ter que lidar com os fatores desconhecidos que pesam contra o Tesla – resíduos, previsível obsolescência técnica. Excluindo os que irão comprá-lo de qualquer modo para marcar uma posição ética, no final das contas muito do sucesso do Model 3 dependerá de incentivos, mostrando que o carro elétrico ainda é um negócio sustentável apenas com a ajuda do dinheiro público. Mas era isso mesmo que Elon Musk queria quando pensou em seu carro elétrico para as massas?


Bateria feita de pequenas pilhas

• A bateria de lítio de 75 kWh é feita de 4.416 células com 21 mm de diâmetro e 70 mm de comprimento
• A marca declara que que os Superchargers garantem 270 km de autonomia em 30 minutos
• O carro tem motor traseiro, com potência total (não declarada) de 287 cv. Há também uma versão bimotor


FÁBRICA PRÊT-A-PORTER

Milagre na “tenda”

Em 16 de junho, Elon Musk anunciou no Twitter que havia construído em duas semanas uma tenda em Fremont para abrigar uma linha de montagem adicional para o Model 3, chamada GA4. Obviamente, é uma estrutura mais complexa – e com dimensões impressionantes – que uma tenda, mesmo que de fora não pareça tão firme assim. Curioso que nos portões ainda há marcas da Toyota: a fábrica se chamava Nummi e era de propriedade conjunta dos japoneses e da General Motors.


Ficha técnica:

Tesla Model 3 RWD Long Range

Preço (EUA): US$ 35.000 (R$ 130.000)
Carro avaliado (EUA): US$ 57.500 (R$ 216.000)
Motor: elétrico assíncrono trifásico, traseiro e transversal
Combustível: move-se por eletricidade
Potência: não divulgada (cerca de 287 cv)
Torque: não divulgado
Câmbio: traseiro, relação fixa
Direção: elétrica
Suspensões: não divulgada
Freios: disco ventilado (d/t)
Tração: traseira
Dimensões: 4,69 m (c), 1,85 m (l), 1,44 m (a)
Entre-eixos: 2,88 m
Pneus: R19
Porta-malas: 424 litros
Baterias: íons de lítio, 75 kWh
Peso: 1.770 kg
0-100 km/h: 5s6
Velocidade máxima: 224 km/h
Consumo cidade: 4,3 km/kWh
Consumo estrada: 6,1 km/kWh
Autonomia: 501 km
Recarga (11 kWh): 8h30
Nota do Inmetro: não vendido no Brasil
Classif. na categoria: Emissão Zero