PreviousNext

Trump não que saber dos carros mexicanos. Extremamente nacionalista e protecionista, antes mesmo de tomar posse o presidente fez ameaças de cobrar altos impostos (35%) na importação de carros fabricados no país vizinho. Hoje, o ALCA (Acordo de Livre Comércio das Américas) isenta essa operação de taxas, mas Trump pretende acabar com ele. Aí fabricar carros no México para vender nos EUA não valerá mais a pena. E isso pode levar ao fechamento de fábricas no país, como Sergio Marchionne, diretor-executivo da FCA (Fiat Chrysler Automobiles) afirmou no Salão de Detroit. O fato é que, em meio a toda essa confusão, pode acabar sobrando para nós, brasileiros.

Por quê? Vários modelos vendidos aqui, como Ford Fusion, New Fiesta, Nissan Sentra e Fiat 500, são importados do México. Isso porque o país tem um acordo com o Brasil que zera o Imposto de Importação em uma cota de modelos “trocados” entre os dois países. Assim, como o custo de produzir lá é menor, os carros mexicanos chegam aqui com preços muito competitivos: O Ford Fusion, por exemplo, sempre teve enorme vantagem diante dos rivais vindos do Japão, como Honda Accord e Toyota Camry. Vindo do México, incomoda até sedãs médios topo e linha, como o Honda Civic Touring – que, apesar o preço igual, é inferior ao Fusion (leia aqui).

É justamente da Ford a mudança mais radical diante das intimidações de Trump. A marca já havia anunciado a construção de uma nova fábrica de US$ 1,6 bilhão no México, para onde levaria a produção do Focus americano, entre outros carros. Entretanto, diante das ameaças do presidente eleito de cobrar uma “enorme taxa de fronteira” (imposto de importação), cancelou os planos. Em vez disso, investirá US$ 700 milhões nos próprios Estados Unidos,e mantendo a produção de Focus e outros por lá mesmo.

Essa nova fábrica da Ford poderia ter vários modelos com potencial para nosso mercado. Com Trump no comando, porém, se mantiver a produção de Fusion e Fiesta Sedan já estamos no lucro. Com as novas taxas, talvez acabe sendo vantajoso transferir a produção de Fusion e Fiesta para os EUA, considerando, por exemplo, que no ano passado foram vendidas mais de 300.000 unidades do Fusion nos EUA, contra apenas 3.625 no Brasil (nem 1%!). Nesse caso, Brasil e América Latina compensariam manter aa fábrica no México? Acho que não, até porque mesmo se nosso mercado crescesse 500% – o que não vai acontecer –, há um limite para o número de carros que se pode trazer do México. Logo, parece que os modelos que mais chance têm de desaparecer de nosso mercado nos anos Trump são Fusion e Fiesta Sedan.

Depois de atacar a Ford, Trump partiu para cima da General Motors, acusando-a de vender nos EUA o Cruze fabricado no México – informação que, como muita coisa que sai da boca do Trump, estava errada. Os Cruze vendidos nos EUA são feitos no estado do Ohio. No México, a marca produz o Cruze para outros mercados (o nosso vem da Argentina) e também o Traxx/Tracker, que acaba de chegar à sua nova geração aqui no Brasil. Como ele não é vendido nos EUA,a produção deve se manter no México. O Tracker vendido no Brasil deve, portanto, sobreviver a Trump.

A Toyota é outra que pretendia fazer uma fábrica lá, para produzir Corolla para o Canadá e EUA, acabou mudando de ideia ontem (25/1), após reunião de Trump com empresários do setor, no qual além de reforçar ameaças de tributação aos mexicanos, anunciou fortes incentivos à produção nos EUA. A marca anunciou que investirá US$ 600 milhões na fábrica em Indiana para criar 400 empregos, além de mais US$ 10 bilhões em investimentos nos EUA nos próximos cinco anos. Como hoje a Toyota mexicana só faz a picape Tacoma, não seremos afetados – mas a Toyota do Brasil poderia importar modelos da nova fábrica, e agora não poderá mais.

Outra marca que depende muito do México é a Nissan. Nada menos que um em cada quatro carros vendidos nos EUA pela marca é feito na unidade de Aguascalientes. E isso significa que ela tem um grande problema. Terá que criar novos pontos de produção nos EUA para substituir os modelos importados (só de Sentra, são cerca de 200.000 anualmente). O alívio é que como a marca é muito forte no México também – tem 25% de participação de mercado – a produção por lá não deve parar (mas deve ser reduzida, pois hoje cerca de metade da produção vai para os EUA). Assim, o Sentra vendido aqui não deve ser afetado.

A também japonesa Honda já fez no México o Accord, mas hoje traz de lá apenas o CR-V – que tem vendas pouco expressivas aqui, ainda mais depois que, com a chegada do HR-V, passou a ser vendido só na versão topo de linha. O CR-V é justamente um dos modelos com saída quase certa do nosso mercado (ou vai ficar sem competitividade). Mas não por culpa de Trump: no ano passado a marca já tinha planos de mudar a produção para os EUA e liberar a fabrica do México para fazer mais HR-V ( para os mexicanos).

Já a Volks traz do México hoje Jetta e Fusca, e pretende trazer de lá também o novo Tiguan. O Jetta vendido nos EUA sai de Puebla, México, e provavelmente terá de mudar de fábrica. Mas sua saída do Brasil já era quase certa – há um novo modelo nos planos. Portanto, a produção da Volks for transferida, sentiremos mais falta é do Fusca (sentiremos mesmo? suas vendas aqui são desprezíveis). Resta torcer para que a marca mantenha os plano de fazer lá o novo Tiguan, que seria importado para cá a partir desse ano, e finalmente poderia ter um preço mais competitivo.

Por fim, temos a FCA, única marca que de fato até agora falou em fechar uma fábrica já aberta e funcionando (não se disse qual). O Grupo Fiat já tinha “decidido” levar para os EUA grande parte da produção mexicana de modelos  Dodge e Chrysler em 2009, quando adquiriu essas marcas. Foi uma das exigências do então presidente Obama para permitir a aquisição (os Democratas costumam ser mais protecionistas que os Republicanos). Hoje, a fábrica de Toluca ainda faz o Fiat 500 e o Dodge Journey que chegam ao Brasil e também vão para os EUA, enquanto a de Saltillo faz a RAM 2500. Considerando que os americanos compram muito mais a RAM e o Journey está para sair de linha, quem corre mais risco de parar de vir para o Brasil é mesmo a gigantesca picape RAM 2500, queridinha do agrobusiness e que tem sido uma boa fonte de lucro para a marca nos últimos tempos, apesar do volume de vendas pequeno aqui.

A conclusão é que o Trump colocou algumas marcas em uma bela encrenca e há um bom risco de que pelo menos alguns modelos sejam bastante afetados pelas mudanças que devem vir se o congresso aprovar os novos impostos de importação de Trump. Desses que citei, acredito que os modelos vendidos aqui com maior risco de serem afetados pelas mudanças são Ford Fusion e Fiesta Sedan, RAM 2500, VW Fusca e Novo Tiguan. Sem esquecer dos carros futuros carros que seriam feitos nas fábricas que poderiam ser abertas no México e se valeriam do acordo Brasil-México. Bem-vindos ao mundo de Trump!