28/01/2016 - 14:05
A nacionalização de carros antes vendidos como importados sempre traz a esperança de ganhos para o consumidor. Afinal, com o produto livre dos 35% do Imposto de Importação e do frete internacional, além de se trocar mão de obra estrangeira pela local, é de se esperar que os custos sejam reduzidos e os preços caiam, certo? Não exatamente.
Algumas nacionalizações recentes quase não trouxeram ganhos ao consumidor. Os BMW Série 1 e Série 3, por exemplo, chegaram com os mesmo preços que eram importados, com ganho só do motor flex. Outras geraram prejuízos à qualidade e/ou refinamento dos veículos: o Audi A3 Sedan também chegou com preços quase inalterados, e até ganhou um motor flex com mais potência e alguns equipamentos, mas trocou a transmissão S tronic de dupla embreagem por uma automática convencional, mais antiga, e adotou uma suspensão traseira mais simples e ruidosa, com eixo de torção no lugar da independente multilink que equipava o modelo feito na Hungria. Os fabricantes culpam a alta do dólar, o (“ainda”) baixo índice de nacionalização e a necessidade de “compensar” o investimento nas fábricas.
Um caso mais gritante, porém, apareceu agora, com a chegada da versão nacional da sétima geração do Volkswagen Golf. Muitos consumidores esperavam a oportunidade de ver o hatch em uma versão mais simples e com um preço mais acessível, abaixo dos quase R$ 77.000 iniciais do modelo que era importado (primeiro da Alemanha, e depois, já levemente empobrecido, sem o freio de estacionamento elétrico, do México). Quando vinha da Alemanha, o Golf não devia trazer muito lucro à marca, é verdade – servia mais como uma “reserva de mercado”. Importado do México, já não pagava mais o Imposto de Importação, o que deve ter aliviado a situação para a Volks.
Bem, o fato é que a versão nacional do Golf de entrada – Comfortline – perdeu muito. Se você não comprou o Comfortline alemão ou mexicano na faixa de R$ 75.000 a R$ 85.000 porque tinha a esperança de ver uma versão nacional mais simples e mais barata – por algo entre R$ 65.000 a R$ 70.000 – temos uma péssima notícia: você vai pagar quase o mesmo que custavam os modelos alemão e mexicano em uma versão brasileira que está longe de ser ruim, de maneira geral, principalmente comparada ao Focus 1.6, seu maior rival. Mas é, sim, bem pior que as que antes eram importadas.
Vamos lá: o Golf Comfortline 1.4 TSI alemão/mexicano consta ainda hoje no site da Volks por R$ 76.790 manual e R$ 83.290 automatizado. Já o novo Golf Comfortline, agora só com motor 1.6 MSI, sai por R$ 74.590 manual e R$ 79.990 automático (leia aqui a avaliação). Com e sem o pedal da embreagem, portanto, essa configuração de entrada ficou apenas R$ 2.200 e R$ 3.300 mais barata, respectivamente.
A rigor, então, o hatch ficou, sim, menos caro. Mas é muito pouca economia para o que ele (e você, consumidor) perdeu. As únicas vantagens do Golf Comfortline nacional – e ainda assim relativas – estão nas rodas maiores (aro 17) e no fato de o motor ser flex. Porque com essa nova mecânica, o carro, além de muito mais lento, ficou mais gastão e menos sofisticado construtivamente.
A Volks não chegou ao cúmulo de adotar uma plataforma de Gol ou estender uma geração por anos e mais anos (como já fez antes). Mas o carro perdeu muito. Primeiro, trocou o motor turbinado e premiado por uma unidade aspirada 20 cv menos potente e – o pior – 8,7 kgfm (quase um carro 1.0) mais fraca (120 cv e 16,8 kgfm a 4.000 rpm, contra 140 cv e 25,5 kgfm a apenas 1.500 rpm). Segundo, trocou a excelente e rapidíssima transmissão DSG – automatizada de dupla embreagem e sete marchas – pela já ultrapassada automática convencional de seis marchas Tiptronic, adotada pelo Golf “4,5” ainda em 2007 (que não chega a ser ruim, mas comparando com a DSG…). No manual, também perdeu: passou de seis marchas para cinco. Para completar, o sistema satrt-stop, que ajuda a economizar combustível na cidade, foi retirado da versão de entrada. E, ainda : a suspensão traseira independente multilink dessa sétima geração foi trocada por uma com eixo de torção, mais barata e que prejudica a dinâmica do carro – justamente um dos pontos altos do Golf 7 (vale lembrar que seu maior rival, o Ford Focus, tem multilink).
Na prática, se a mudança nas suspensões é mais sutil e será mais notada por entusiastas, as do trem de força dão resultados negativos objetivos e claros. O Golf 1.4 TSI de 140 cv acelerava de 0-100 km/h em 8,4 segundos e atingia 212 km/h, enquanto o 1.6 MSI acelera até 100 km/h em 11,6 segundos (12,3 com gasolina) e atinge 184 km/h (179 com gasolina). São mais de três segundos extras no 0-100 km/h (uma diferença assombrosa, e que quase o iguala ao Up aspirado, com 12s6). E isso se reflete, no dia-a-dia, em retomadas e ultrapassagens lentas, principalmente com o carro carregado. E o consumo também é bastante prejudicado: segundo o Inmetro/PBEV, com gasolina, o 1.4 TSI de 140 cv faz 11,5 km/l na cidade e 13,4 km/l na estada, enquanto o 1.6 MSI marca apenas 8,8 e 12,5 km/l, respectivamente. Todos esses dados são das versões automática/automatizada.
Então, se você estava esperando essa nova versão nacional do Golf para comprar o seu “de entrada”, corra e tente encontrar por aí alguma unidade do “velho” Golf Comfortline 1.4 TSI mexicano. Ou, se você não liga tanto para desempenho, aguarde para ver se a marca tem um Trendline 1.6 “na manga” menos equipado e por um preço mais interessante.
PS: a versão Highline nacional também está mais cara: custa R$ 91.290 com câmbio manual e R$ 96.690 com o automático, enquanto antes saia por R$ 85.790 e R$ 92.290. Na prática, o aumento pode ser justificado pelas rodas maiores e pela adição do pacote Elegance, agora de série (com ele, o Golf Highline saia por R$ 91.786 e R$ 98.286, respectivamente). O preço quase não muda, portanto — embora agora te “obriguem” a levar o pacote Elegance–, e houve ganho de 10 cv e da possibilidade de usar etanol, mas transmissão automática e suspensões sofreram as mesmas involuções (e o 0-100 km/h piorou de 8s4 para 8s6, apesar da potência maior e por causa do câmbio mais lento). Nesse caso, o consolo é que o câmbio manual manteve suas seis marchas. Já o Golf GTI foi o único que se manteve totalmente fiel ao que era importado, e ainda ganhou um sistema de som melhor Fender (mas ficou R$ 2.700 mais caro). Mas podia ter ficado mais barato.
PS2: O que serve de consolo – embora não seja um benefício direto para o consumidor – é que o programa Inovar-Auto, que estimulou essas nacionalizações, ao menos está gerando novos empregos no Brasil. A instalação de novas fábricas, tanto das montadoras quanto de seus fornecedores, movimenta a economia e traz progresso ao País. Ainda assim, é uma pena que só uma discreta fração do lucro desses fabricantes seja reinvestido aqui. A maior parte continua sendo remetida para as matrizes no exterior – os que mais ganham com as nacionalizações, ampliando suas vendas globais e seus lucros.