Foi-se o tempo em que carro chinês era sinônimo de carro ruim – quem não se lembra do Chery QQ, por exemplo, lançado em 2011? Mas de lá para cá tudo mudou. Com a “invasão” chinesa por aqui, que ocorreu principalmente em 2023 com a entrada da GWM e o lançamento do elétrico Dolphin (por R$ 148.900) pela BYD, os brasileiros começaram a notar e dar relevância a esses produtos.

A lista de fabricantes presentes no mercado nacional não para por aí. Aqui estão a JAC Motors, (Caoa) Chery, Zeekr e Seres. Ainda estão previstas novidades da Geely, Leapmotor (Stellantis), Neta e Omoda & Jaecoo para 2025.

Vale destacar também que, segundo AlixPartners, empresa de consultoria, a China vai controlar 30% das vendas de carros no mundo em 2030.

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De ‘pé de boi’ a opções de qualidade

Essa mudança de paradigma veio com a eletrificação e a incorporação de mais tecnologias, na visão de Cassio Pagliarini, CMO da Bright Consulting, especializada em consultoria automobilística.

“O carro elétrico e híbrido foi o comandante dessa revolução. O carro [chinês] como um todo é bem desenvolvido. Pegue um carro da BYD ou da Great Wall, esqueça que ele é eletrificado, olha o resto do veículo. É muito bem construído, muito bem acabado. Muitos equipamentos para satisfazer o motorista. Tem muitas soluções tecnológicas que os proprietários gostam de ter. E isso precisa ser recuperado pelas montadoras tradicionais. A GM e a Ford têm uma dificuldade enorme em andar na velocidade que os chineses estão andando.”

Haval H6 PHEV19 – Crédito: Divulgação

A mão do governo chinês

Pagliarini ainda ressalta que o governo chinês incentivou várias empresas a pensar no carro eletrificado e em novas soluções de mobilidade. Muitas faliram, mas a nata que vemos hoje está em expansão no mercado global.

“A Volkswagen, a Stellantis, outras alemãs e francesas passam por um período extremamente delicado na sua vida porque elas têm que fazer um planejamento estratégico ousado, trazer novas gerações de produto bastante mais avançados e isso contrasta com a necessidade deles de satisfazerem os acionistas. A maior parte das chinesas tem o governo como participante.”

Não à toa que, para proteger o mercado, a União Europeia decidiu aumentar para 45,3% as tarifas sobre veículos elétricos produzidos na China. Nos Estados Unidos, o presidente eleito Donald Trump prometeu inserir um imposto de 60%.

Visitantes inspecionam um Huawei Aito M5 no Salão do Automóvel de Paris de 2024, em Paris , França, em 15 de outubro de 2024. REUTERS/Benoit Tessier

Transição de tecnologia

Outros fatores que moldam a indústria são: a transição de tecnologia, a mais significativa dos últimos anos, como questões atreladas a eletrificação e novas propulsões como células de baterias, além dos altos custos em softwares.

E as empresas tradicionais estão passando por ajustes em suas estratégias para aumentar rentabilidade e alavancar suas margens. Isso significa reduzir drasticamente alguns custos e reorganizar suas produções de forma global para buscar maior competividade.

“Os altos custos desta transição, combinado com perda de mercado para o asiático, principalmente a China, o qual boa parte da receita destas empresas [tradicionais] eram nas operações da Ásia, acabaram deixando seus lucros severamente diminuídos”, explica Ricardo Roa, sócio-líder do setor automotivo da KPMG no Brasil, empresa de consultoria de mercado.

Mudança para o 100% elétrico pode ter sido um erro

As companhias ocidentais estavam direcionando a transição diretamente aos veículos totalmente elétricos e por muitos fatores tiveram que recuar um pouco nessa estratégia.

“O ajuste para atender tais questões, incluindo outras alternativas além do elétrico, como os híbridos em suas estratégias, passa por ajuste de reinvestimento e reposicionamento. Elas estão alguns passos atrás das tecnologias asiáticas atreladas a eletrificação, seja chinesa ou japonesa”, ressalta o porta-voz da KPMG.

Carregador de veículo elétrico ao lado de carro da Volvo em feira de Toronto, no Canadá 15/02/2024 REUTERS/Cole Burston

As montadoras tradicionais vão falir?

Apesar de mudanças anunciadas de Stellantis, Volkswagen, Nissan e GM, para citar, os fabricantes tradicionais vão precisar mais que o protecionismo de mercado de suas nações para se manterem competitivos frente aos chineses.

“As montadoras ocidentais terão que dançar conforme a música. Cortar na carne. Sacrificar seus ganhos, fábricas, às vezes funcionários. Porque não adianta você ter capacidade industrial de um produto que as pessoas não querem comprar. Então as coisas precisam ser modificadas. O fato do modelo de negócios atual não estar se sustentando se reflete no valor das ações e se reflete na viabilidade econômica dessas empresas no futuro. A locação de investimentos em pesquisa e tecnologia é fundamental, fazer novas gerações de produtos, cortar custos e fazer plantas mais eficientes. Não há uma solução única”, completa o CMO da Bright Consulting.

Um homem usando um cachecol do IG Metall (Sindicato Industrial dos Metalúrgicos) segura uma faixa com o logotipo da Volkswagen , enquanto os trabalhadores se reúnem para fazer greve contra os cortes planejados de salários e possíveis fechamentos de fábricas, em Hanover, Alemanha, 2 de dezembro de 2024 – Crédito: REUTERS/Fabian Bimmer/Foto de arquivo