Desta vez, a decisão não foi no Brasil. A temporada de Fórmula 1 chegou ao final e, só em sua última prova, no GP de Abu Dhabi, consagrou Sebastian Vettel (Red Bull Racing) como o mais novo campeão da categoria máxima do automobilismo mundial. Mas, antes mesmo que o campeonato de 2010 chegasse ao fim, a Pirelli já trabalhava no desenvolvimento dos pneus que equiparão os monopostos no ano que vem. Depois de ficar 20 anos afastada da F-1 (a última vitória com pneus da marca ocorreu no GP do Canadá de 1991, com Nelson Piquet pilotando uma Benetton), a marca foi confirmada como fornecedora exclusiva da categoria pelos próximos três anos, de 2011 a 2013. Aproveito a oportunidade única para tentar descobrir como nasce um pneu de competição com esse nível de exigência. Para me introduzir nesse tão restrito universo, procurei Maurizio Boiocchi, diretor de desenvolvimento técnico da Pirelli. Logo de cara, ele minimizou o desafio: “Desenvolver um pneu para a F-1 não é muito mais difícil do que fazê-lo para os supercarros de produção”, dispara.

Boiocchi, diretor de desenvolvimento da Pirelli, com dois pneus de F-1 – um deles em escala menor para ser usado nos primeiros testes no túnel de vento

Vendo minha expressão de total e absoluta perplexidade diante de tal afirmação, se apressa em explicá-la. “O grande problema em relação a esse produto está na solicitação extrema imposta à liga e aos materiais estruturais. O desempenho exigido é muito alto. Para se ter uma ideia, enquanto o coeficiente de atrito no asfalto seco dos pneus de um superesportivo fica em torno de 1,2 e 1,3, nos F-1 é quase o dobro. E a carga aerodinâmica chega a impressionantes 800 quilos”, explica. “Em contrapartida, os pneus de Fórmula 1 têm menos requisitos a serem respeitados, a durabilidade é limitada e os custos de desenvolvimento não são nem comentados durante o projeto. Já quando se faz um pneu de série cada centavo gera discussão”, completa.

Fingindo ingenuidade, mas já sabendo que dificilmente obteria uma resposta, perguntei ao executivo o que há dentro de um pneu de F-1. Ele não caiu na cilada, mas foi elegante. “Os ingredientes e a estrutura de um pneu de corrida são secretíssimos. Por isso as equipes precisam devolvê-los à fabricante no final de cada corrida. E é por isso também que, para os trabalhos fora da competição, como exposições, os produtos mostrados são sempre ‘falsos’ e não têm nada a ver com os de pista”, esclarece Boiocchi, pacientemente. Mas de onde se parte, já que não se sabe o que era feito antes? Do regulamento, que fixa as dimensões; e dos times, que repassam suas necessidades e requisitos técnicos fundamentais. “Para não criar nenhum tipo de favoritismo, não podemos conversar diretamente com nenhuma escuderia. Nos falamos através da Fota, a associação dos times de F-1”, ressalta o engenheiro. “Para os testes, utilizamos o carro da Toyota da temporada passada. Como a marca se retirou da categoria, isso não gera conflito”, complementa. Obviamente, a experiência da marca na produção de pneus de competição (iniciada em 1907 no rali Paris-Pequim) e o fato de ser fornecedora para mais de 70 campeonatos, inclusive para a GT3, facilitam o restante do trabalho.

Felipe Massa, Fernando Alonso e Robert Kubica passam suas impressões sobre os pneus para técnicos da Pirelli nos primeiros testes feitos em Abu Dhabi

Boiocchi abre uma sacola e, para minha surpresa, retira dela um pneuzinho que parece uma versão em escala menor do pneu de F-1. E, de fato, é mesmo. “Esse é o primeiro pneu que precisamos fornecer às equipes. Pelo regulamento, os testes iniciais no túnel de vento podem ser feitos com um carro em escala reduzida. Então, nos foi pedido que desenvolvêssemos pneumáticos que mantivessem características dinâmicas similares às dos verdadeiros”, conta. “Não é simples, porque precisamos preparar ferramental específico, já que, em relação aos pneus de verdade, esses precisam durar muito mais. Felizmente, nesse caso, a aderência não conta.” Em um canto do escritório, vejo um pneu de F-1 no tamanho real e meu anfitrião me pede para segurá-lo. Fico surpreso com sua leveza, impensável a julgar por suas dimensões. “São só 8,3 kg. Temos em produção pneus de Fiat Punto mais pesados do que isso.’’ E pensar que esse círculo de borracha precisa resistir a frenagens de 5g, quatro vezes mais do que as dos melhores automóveis de série. “Um dos problemas de desenvolvimento que precisamos resolver foi esse. Com essa exigência de performance, os pneus giravam nas rodas. Precisamos reprojetar o talão com cuidado para que ele não danificasse a roda”, conta.

Nesse momento, os pneus que equipam os bólidos da Fórmula 1 para a temporada 2011 já têm estrutura e geometria definidos, e a Pirelli trabalha agora na definição das ligas que serão usadas – já que precisa entregar às equipes quatro tipos diferentes de pneus slick, um pneu intermediário e ainda um composto especial para uso na chuva. “Não podemos testar todos eles o quanto gostaríamos, porque o tempo está bastante apertado. Mas temos muita sorte pelo fato de nossos pilotos de teste serem todos extremamente experientes e terem uma enorme sensibilidade em relação à dinâmica do carro”, comemora. Os testes em pista, que até setembro deste ano estavam sendo feitos por Nick Heidfeld, estão agora a cargo do ex-piloto da Renault Romain Grosjean – já que Heidfeld acabou sendo contratado pela Sauber para participar do final da temporada de 2010. Com ou sem contratempos, o compromisso já está agendado. Em 13 de março de 2011, o circo da Fórmula 1 inicia mais uma vez seu belíssimo e emocionante espetáculo nas pistas – agora calçado mais uma vez, depois de tanto tempo, com pneus da Pirelli. Por isso,é bom correr.

Os engenheiros da fabricante italiana acompanham de perto toda a movimentação nos bastidores da F-1 e avaliam o desgaste dos compostos

Da Turquia para as pistas do mundo

Os pneus que equiparão os bólidos da F-1 a partir de 2011 serão produzidos na Turquia. Mais precisamente, na cidade de Izmit, a cerca de 100 quilômetros de Istambul. Desde 2007, a Pirelli concentra sua produção destinada a competições nesta fábrica, inaugurada em 1960. Dessa planta sairão os 50 mil pneus destinados à categoria mais importante do automobilismo. O investimento para adequar a fábrica – que ocupa uma área de 340 mil metros quadrados e emprega 1.800 pessoas – foi de 30 milhões de euros. Lá funcionará também toda a base logística para a distribuição dos componentes às escuderias de F-1.