Eles nasceram nos anos 1960, mas foi preciso mais de meio século para reunir aqui no Brasil o Ford Mustang e o Chevrolet Camaro – é a primeira vez que chegam importados oficialmente. Criador do termo pony car – versão mais compacta e menos potente dos muscle cars –, o Mustang nasceu primeiro, em 1964, e abriu caminho para outros modelos, como o próprio Camaro, lançado dois anos depois. Isso nos Estados Unidos, porque no Brasil quem chegou primeiro foi o Camaro, ainda em 2010. Fez muito sucesso (1.780 unidades vendidas em 2011), mas teve de esperar sete anos pelo rival – que foi prometido diversas vezes, mas só estreia agora.

Ambos estão na sexta geração e, olhando o mercado, hoje faz mais sentido chamá-los de muscle cars mesmo. Diferentemente dos esportivos europeus, eles não se renderam ao turbo ou a sistemas híbridos. Com seus enormes motores V8 aspirados, são fiéis à máxima “there’s no replacement for displacement” (“nada substitui a cilindrada”). E assim como seus desenhos remetem às suas clássicas primeiras gerações, eles mantiveram sua “essência mecânica”, apenas aplicando novas tecnologias e mais sofisticação na dinâmica – com suspensões independentes – e melhorias no acabamento intterno para se tornarem modelos globais.

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Na faixa de R$ 300.000, são baratos pela potência e pelo desempenho que oferecem, principalmente se comparados aos esportivos do velho continente. E ainda têm estilo único. As carrocerias desses cupês “retrô” têm semelhanças óbvias, mas características próprias. O Mustang é um fastback – com teto alto que “cai” de forma contínua até a traseira – enquanto o Camaro é um pouco mais baixo e musculoso. Questão de gosto. Mas vale lembrar que o Mustang acaba de ganhar um facelift, e o já revelado Camaro 2019, com leves mudanças, deve chegar aqui em um ano.

Nas cabines, eles ainda não têm o nível dos europeus, mas o Mustang chega mais perto. Apesar do console central de plástico duro, tem um design interno mais interessante, além de portas e painel com mais couro e materiais macios; o Camaro tem visual clean e acabamento mais simples. Em espaço, outra vantagem do Ford: o banco traseiro acomoda melhor eventuais ocupantes (de preferência crianças, nos dois casos) e seu porta-malas leva quase o dobro de bagagem (quase 400 litros).

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Já nos equipamentos, a briga é equilibrada (detalhes na tabela): o Camaro tem teto-solar, head-up display e carregador de celular por indução, por exemplo, o Mustang tem ar de duas zonas e painel digital. O Chevrolet tem monitor de ponto cego e alerta de tráfego cruzado, o Ford tem luz alta automática, auxílio de faixa, frenagem autônoma e piloto automático adaptativo. Por fim, ambos têm centrais multimídia completas com sistemas de som premium – Bose no Camaro e Shaker no Mustang, esse último com graves mais fortes. Mas o melhor é ouvir os motores.

E aí chegamos ao ponto que mais interessa nesse duelo: a experiência ao volante. E devemos dizer que, apesar das muitas semelhanças técnicas, conceituais e históricas entre os dois, as sensações e emoções ao dirigi-los são um tanto diferentes – e acabarão definindo o vencedor. Vamos lá?

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Ao entrar no Camaro, a primeira sensação é de claustrofobia. O painel é alto, o para-brisas é pequeno, o teto é baixo, a visibilidade é péssima… para piorar, o banco do motorista não sobe muito (há quem goste dessa “sensação de cockpit”). Mas basta dar partida no V8 para esquecer disso. O ronco grave do 6.2 é encorpado, embora até discreto se comparado ao do Mustang. Assim o Chevrolet segue na cidade, mais silencioso e contido, mais dócil e linear que o rival, desligando quatro dos cilindros (indica V4 no painel) para conter o consumo (com sucesso: fez 6 km/l na cidade e 12 km/l na estrada, ante 4,5 e 10 do rival, respectivamente).

E nem é preciso usar o ajuste de chassi – que altera a rigidez do volante e amortecedores e as respostas de motor e câmbio – para mudar isso. Basta afundar o pé direito no acelerador que o Camaro “acorda”. Indica no painel que passou ao modo esportivo, segura suas oito marchas ao máximo (4.000 rpm vira “marcha lenta”) e nas esticadas o som grave se torna mais agudo, visceral e rasgante – um sistema reforça o som na cabine, para ser ouvido mesmo com os vidros fechados. Seus 461 cv e 62,9 kgfm “aparecem” com tudo. Brutal!

A direção é extremamente direta e precisa, ganhando mais peso nos modos Sport e Track, quando o Camaro passa – a pedido do pé direito – a sair discretamente de traseira em curvas, permitindo um rápido contra-esterço antes de a eletrônica atuar. Em uma estrada cheia de curvas, isso é bastante divertido, ao mesmo tempo que um tanto desafiador. De qualquer forma, permite abusar um pouco mais do que no Mustang, que tem uma eletrônica mais intrometida (você até pode optar por desligá-la, mas não recomendamos).

Não significa que o Mustang seja menos divertido. Ele até perde no 0-100 km/h, e nessa estradinha não permitiu andar tão rápido, pois em algumas curvas, apesar da tração também traseira, tentava com maior frequência subesterçar (sair de frente) – em parte por culpa da interferência do ESP –, dando a impressão de ter a dianteira mais pesada. Mesmo assim, a experiência ao volante do Mustang é mais legal. Por quê?

Para começo de conversa, a visibilidade é melhor e a posição de guiar, mais agradável (fica devendo só ajuste elétrico do encosto). De modo geral, o interior, com painel digital que permite configurações diversas, é mais divertido. Além disso, em vez de configurações fixas dos modos de condução, como no Camaro, ele permite ajustar tudo separadamente. Dá, por exemplo, para andar na cidade, devagar, sem abrir mão do ronco grave e dos estouros nas trocas de marcha, ajustando o som do escape para Sport+, e ao mesmo tempo ter a direção no modo mais leve e confortável e as suspensões mais macias.

Já o 5.0 do Mustang tem um ronco mais grave e presente, graças ao uso de flaps no escape: o Camaro até soa mais verdadeiro, porém o som do Ford é mais dramático e cativante. Essa unidade, apelidada Coyote, usa duplo comando variável (simples no Camaro), quatro válvulas por cilindro (duas no rival) e injeção dupla, direta e indireta, para chegar a uma potência ainda maior, de 466 cv – embora com torque menor (56,7 kgfm). Mas a maior vantagem mecânica do Ford está na transmissão: sua nova caixa de dez marchas foi desenvolvida junto com a GM, mas só estará no Camaro no ano que vem.

Ela tem dez velocidades não para manter o motor em rotações mais baixas – a 120 km/h em décima, segue a 2.000 rpm, enquanto o Camaro marca 1.600 rpm em oitava –, mas para manter o motor sempre na faixa ideal de torque, acima de 4.600 rpm (a variação de rotação entre as velocidades é baixíssima). E ela consegue passar múltiplas marchas sem hesitar: você pode estar em décima a 65 km/h, depois chegar a 200 km/h em sexta. Numa saída suave, pode ir direto de terceira para quinta. Tudo depende do modo selecionado e de como se dirige. No modo mais esportivo, basta pisar no freio para ele reduzir marchas e levar o conta-giros acima das 6.000 rpm. E as aceleradas mais fortes vêm acompanhadas de trancos e estouros propositais nas trocas – mais do que no Camaro. Extremamente divertido.

Mas, acima de tudo, o que conquista no Mustang é seu “cheiro de naftalina”. Seu rodar é mais “sujo”, malcriado, um pouco menos linear que o do Camaro. Parece que os engenheiros da Ford pensaram em preservar no Mustang de hoje – e não apenas no design – parte daquele passado, como um tributo. A direção tem centro menos preciso (sem decepcionar na hora que a coisa aperta), a suspensão fica mais macia e o som do V8 é sempre mais presente, trazendo a memória do velho Mustang, resgatando sua “alma” na experiência diária – nem que seja só para buscar o filho na escola. E é assim que o Mustang garante a vitória, mesmo com a menor cilindrada. Em uma pista de corrida o Camaro deve sair vitorioso, até porque sua máxima é limitada eletronicamente a 290 km/h, contra 250 km/h no rival (faz diferença?). Em um uso mais “normal e cotidiano’, porém, o Mustang agrada mais.