Matéria adaptada

Texto: Flávio Silveira

Fotos: Roberto Assunção

Olhando só para as fichas técnicas, os dois carros que se enfrentam aqui são quase iguais em potência, porte e construção. Mas sabemos que a frieza dos números não dizem tudo, e, justamente por isso, este comparativo é necessário. Porque se o Volvo XC40 Recharge já tem um bom tempo de mercado e chegou a se tornar líder de vendas não só dos SUVs de marcas “premium”, mas de todos os carros elétricos no Brasil por um tempo, o BYD Yuan Plus chegou há pouco tempo para desafiá-lo, vendido por atraentes R$ 229.800, preço de SUV compacto-médio a diesel. É importante deixar claro que o BYD mira esta nova versão do Volvo, que, por R$ 339.950, tem apenas um motor – a mais emplacada tem um em cada eixo, com vantagem de oferecer não apenas o dobro de potência (até exagerada), mas também a tração 4×4 (que pode ajudar em certas situações, embora a proposta claramente não seja para um uso off-road). Mas custa bem mais: R$ 399.950.

Além de similares, ambos podem ser, inclusive, considerados “carros chineses”: hoje, a Volvo é da Geely, sediada na China como a BYD, que acaba de superar a Tesla em vendas globais de elétricos e tem planos ambiciosos para o Brasil, incluindo fábrica. É verdade que os carros da Volvo continuam sendo totalmente pensados e fabricados na Suécia, e mantiveram, assim, a qualidade consagrada da marca premium. Mas a surpresa vem do outro lado do mundo: pessoalmente, é o primeiro carro chinês que avalio que não me desagrada por falhas claras, sejam grosseiras, sejam simples, principalmente em calibração e no ajuste mecânico.

Nas listas de equipamentos, a vantagem do XC40 é discreta: tem ajuste elétrico para os bancos dianteiros o ajuste de extensão do assento, além de memória no banco do motorista, enquanto os do Yuan não conta com as últimas opções; o BYD tem câmera 360º, que em grande parte, como na maioria dos modelos, está ali mais para exibição do que por utilidade, detector de fadiga e sistema de frenagem automática em manobras. E, ainda, o Volvo tem alguns itens que o rival não tem, como o útil retrovisor externo fotocrômico, tampa traseira com abertura motorizada, sistema de som premium e uma conectividade muito superior – que é um bom ponto para começar a falar das diferenças entre od sois SUVs. Elas vão além dos preços e equipamentos, e não são poucas. Um detalhe a favor do Yuan é a presença de estepe comum (do tipo mais fino), uma vantagem não tão desprezível em nossas estradas e ruas esburacadas: o Volvo tem apenas um kit de reparo com selante e compressor, que nem sempre resolve.

Sobriedade vs. ousadia

Logo ao entrar nos dois carros, as sensações proporcionadas são bem diferentes. O Volvo tem o mesmo interior já há alguns anos, com o típico design nórdico, sempre sóbrio e muto “clean”: os materiais são bons, mas apostam bem mais na bandeira ecológica (materiais reciclados, como plásticos PET) do que no luxo. É verdade que a montagem é excelente, mas é tudo é sóbrio até demais, beirando o sem graça, e a faixa horizontal no painel que é metálica na versão de topo, aqui é de plástico duro, que dá uma sensação “pobre” de dia – mas que se ilumina à noite, com um efeito de “transparência” muito interessante.

Já a cabine do Yuan surpreende, logo de cara, pelo design e pela qualidade geral. No primeiro ponto, puxadores, maçanetas e difusores de ar com cromados abusam das formas e operação inusitadas, além de haver elementos curiosos como as “cordas de violão” nas bolsas das portas e inovações como a grande tela central giratória e o quadro de instrumentos diminuto, porém bastantes funcional. É uma cabine “alegre”, mas que, pela ousadia, pode não agradar a todos os tipos de consumidor. Já no refinamento, ele até supera o Volvo, com materiais de primeira, como a faixa em onda clara, tipo camurça, além de ter uma iluminação sofisticada e personalizável (com múltiplas cores e até uma opção questionável de oscilar no ritmo da música) e bancos dianteiros inteiriços, confortáveis e estilosos.

Apesar das medidas externas serem quase iguais, o aproveitamento de espaço é melhor no BYD. Enquanto no Volvo a sensação é de se estar em um SUV compacto, no Yuan Plus me senti em um compacto-médio como o Compass. Ambos dão sensação de amplitude com tetos panorâmicos (que abrem e têm cortina tipo tela), mas no BYD há mais espaço na frente e atrás, lateral e longitudinalmente. Já no porta-malas, são 440 litros no Yuan e 452 no XC40, mas o sueco leva 30 litros extras na dianteira (dá para uma ou duas mochilas).

Reféns das telas

Considerando a importância (até exagerada?) que os consumidores de hoje dão à conectividade, vale abrir um tópico aqui para falar disso. Ambos apostam em telas que reúnem quase todos os comandos gerais do carro, e usam poucos botões físicos (exceto os do volante, que são muitos). É uma tendência que sempre criticamos aqui na MOTOR SHOW e que começa a ser abandonada por algumas marcas, pois algumas operações simples exigem diversos toques na tela – o que acaba tirando a atenção do motorista na estrada, pois não é tão fácil como os velhos e bons comandos físicos, que você pode tatear e modificar/ativar sem nem mesmo olhar para eles.

Nesse ponto, o Yuan Plus tem a vantagem de reunir ao menos os principais comandos de condução e climatização em botões no console junto à alavanca de câmbio, enquanto o XC40 tem apenas – mas ao menos – os comandos básicos do sistema de som (da marca Harman Kardon, muito melhor na qualidade sonora, e com mais alto-falantes, que o do rival). Para compensar esse “excesso de toques”, ao menos ambos aceitam comandos de voz não apenas para multimídia/navegação: pode-se operar diversas funções do Google Maps/Assistente, e mais alguns poucos ajustes do carro no Volvo e muito mais no concorrente chinês (desde que você saiba pedir em inglês, dá para abrir o teto, ajustar a temperatura do ar-condicionado e muito mais).

Já a tela central do BYD é maior que a do rival e giratória (motorizada, pode ser movimentada por comandos na tela ou no volante). Também permite configurar mais funções do carro (até mesmo algumas que já têm botões dedicados, como o teto solar) em uma infinidade de submenus. É um sistema completo e fácil de usar (algo surpreendente, considerando o histórico dos carros chineses). Como no Volvo, ele tem chip embutido para garantir conectividade – importante para usar o excelente sistema de navegação nativo, que inclui alertas de radares, localização de carregadores e muito mais. Mas, embora ele seja compatível com Apple CarPlay, não conecta com o Android Auto.

No entanto, por melhor que seja a central de entretenimento e os comandos do BYD, ela não supera a do modelo sueco. Com o novo sistema Android Automotive, que é totalmente incorporado ao veículo. Você pode simplesmente ler um código QR na tela e “inserir” sua conta do Google no XC40. Depois, pode até jogar o celular fora: tudo passa a ser feito diretamente no carro, desde a navegação (Google Maps), que mostra trânsito em tempo real e até mesmo a carga com que você deve chegar ao destino, até o uso de apps como Youtube Music e Plug Share. Por fim, o cluster maior que o do rival mostra o mapa bem à frente do motorista, liberando a tela central para outros usos, e ainda há o Volvo OnCall, que além de serviço de concièrge, tem a vantagem de servir para situações de emergência ou acidente, com acionamento automático.

Esportividade vs. conforto

Ao volante, porém, é que aparecem as maiores diferenças entre os dois. Antes mesmo de dar a partida, o Volvo é mais ágil: basta entrar, colocar o D e sair; ao parar, basta apertar o P e descer do carro (no Yuan se passa pelo “rito” tradicional). Já com os SUvs em movimento, o desempenho teórico absoluto não é tão diferente: no 0-100 km/h são 7,4 segundos no XC40 e 7,3 no Yuan. Isso porque, apesar de potência e do torque do Volvo serem maiores (231 cv e 330 Nm, contra 204 cv e 310 Nm), ele é, também, consideráveis 280 quilos mais pesado. O curioso é que a entrega do powertrain, no uso comum e cotidiano, é diferente. O Volvo, mais agressivo e imediato ao comando do pé direito, parece até mais potente, com “puxadas” mais fortes.

Junto com suspensões bastante firmes, tem uma pegada mais esportiva. Enquanto isso, o Yuan prioriza o conforto: entrega o torque de um modo mais progressivo e tem suspensões muito mais macias – que lembram até um ônibus leito nas ondulações da estrada (mas exigem prudência nas curvas). Vale destacar que, pela primeira vez, o chinês tem direção e freios tão bem calibrados quanto no rival ocidental.

Mesmo o modo de direção por um pedal – opção que é selecionada de modo trabalhoso, pela tela central, no Volvo, e mais facilmente, pelo console, no BYD – é mais suave e confortável no Yuan: enquanto ao tirar o pé direito subitamente o Volvo XC40 freia forte, e até parar por completo, exigindo se dosar bem o pedal do acelerador para evitar uma condução incômoda para os passageiros (e com sustos pra quem vem dirigindo logo atrás), o modelo chinês, mesmo quando você tira o pé direito bruscamente, desacelera progressivamente, primeiro fraco, depois mais forte, sem nenhum desconforto.

Por isso, no fim não me habituei, e acabei usando o Volvo no modo normal, aproveitando ao máximo a (ótima) inércia. Um ponto de destaque do Volvo é que sempre que você tira o pé dos pedais, ele fica parado, mesmo em subidas, até você acelerar novamente (o Yuan age como um carro normal com o assistente de partida em rampas, agindo apenas por alguns poucos segundos). No consumo, as autonomias oficiais, segundo o novo e mais rigoroso padrão do PBEV-Inmetro, são indicadas principalmente para o uso urbano: 231 quilômetros no Volvo e 294 no Yuan. Em nossos testes práticos – em um circuito urbano fixo de 50 quilômetros em meio ao caótico trânsito da cidade de São Paulo, misturando trechos de marginais (velocidade constante) e bairros, (anda e para), seguido de um bate e volta rodoviário (120 km/h) com 200 quilômetros até Campinas –, os números se mostraram realistas.

Na cidade, marcamos a média de 4,5 km/kWh com o XC40 (projeta 310 km de autonomia) e 6,3 km/kWh com o Yuan (rodaria 381 km), e, na estrada, 3,6 km/kWh com o Volvo (248 km) e 5,1 com o Yuan (310 km). Por fim, pra quem não gosta tanto de dirigir, ambos tem o regulador de velocidade adaptativo (ACC) com centralizador de faixa, uma combinação que permite dirigir sem prestar muita atenção na estrada, mas exige que se mantenha as mãos sempre no volante. Ambos atuam com suavidade e precisão. Já o monitor de ponto cego e a frenagem de emergência são itens bem-vindos, e ambos oferecem.

Grata surpresa

No final das contas, aqui ganha o BYD. Não apenas por custar bem menos, mas por entregar um conjunto que seria bem competitivo mesmo se custasse o mesmo. Tem uma cabine com detalhes discutíveis, porém mais luxuosa e espaçosa, um acerto de suspensão bem mais adequado às nossas ruas, mais espaço interno e uma condução muito agradável, além de ser mais econômico e, por isso, ter maior autonomia. Já o Volvo tem conectividade imbatível, equipamentos extras e uma pegada mais esportiva, que justificam em boa parte seu preço maior, mas não garantem a ele, aqui, a vitória.