01/02/2016 - 6:00
Se você acha que o mercado de automóveis e comerciais leves é competitivo, deveria conhecer o setor de caminhões. Nele, cerca de uma dúzia de montadoras disputam um mercado que caiu de 137 mil para 71,6 mil veículos/ano de 2014 para 2015, mas que já teve um pico de 172,8 mil em 2011. A crise econômica, claro, foi a responsável pela queda nas vendas desse setor, mas não só ela. A demanda encolhida tem também uma impressionante lista de incentivos fiscais exagerados por parte do governo e grande dose de oportunismo por parte das montadoras. Veremos isso mais adiante.
O mercado de caminhões teve redução em suas cinco categorias*: semileves (-6,5%), leves (-32,6%), médios (-40,4%), semipesados (-49,3%) e pesados (-60,6%). A MAN (ex-Volkswagen) tomou a liderança na categoria de semileves, com 1.550 licenciamentos, seguida de perto pela Mercedes-Benz, com 1.051. Ambas disputam também o domínio de caminhões leves, ainda com vantagem para a MAN: 6.504 vendas contra 5.816. Já entre os médios, a vitória é da Ford (2.822), tendo a MAN (2.563) em seus calcanhares. A terceira vitória da MAN surge na categoria de semipesados, onde conseguiu 7.587 licenciamentos, contra 6.219 da Mercedes. Finalmente, entre os caminhões pesados, a liderança é da Volvo (5.518 vendas), tendo muito próximas a Mercedes (4.731) e a Scania (4.191). Como se vê, as forças estão bem divididas.
No total de vendas, a MAN e a Mercedes terminaram o ano passado quase empatadas, mas a empresa do Grupo Volkswagen venceu por 19.543 contra 19.161. A terceira força é a Ford, que vendeu 12.923 caminhões. Em faturamento, entretanto, a Mercedes está muito à frente de suas concorrentes, pois seu forte são os caminhões mais pesados (e mais caros). Aliás, foi no segmento de pesados a maior queda registrada no ano passado: a Scania despencou de 11.972 licenciamentos para 4.191, um tombo de 63,1%. As outras grandes “banguelas” percentuais, no geral, foram da Volvo (-57,7%), da Iveco (-48,9%), da Mercedes (-46,1%) e da MAN (-45,9%).
A indústria de caminhões tem enorme importância no Brasil por causa da opção que os governos brasileiros, desde Juscelino Kubitschek, fizeram pelo transporte de carga rodoviário, abrindo mão (incompreensivelmente) dos investimentos em ferrovias. Mas isso é outra história. Por conta dessa “dependência” que toda a produção brasileira tem dos caminhões, os governos costumam ser extremamente generosos com o setor. Reproduzo a seguir partes de um texto do jornalista Pedro Kutney, do site Automotive Business, para que você possa entender por que, como eu disse acima, incentivos exagerados levaram à crise atual:
“O Programa de Sustentação do Investimento (PSI) surgiu em 2009 como uma linha ainda mais barata do BNDES-Finame para financiar bens de capital, incluindo caminhões. Coisa de pai para filho mimado: prazos de até oito anos para pagar o veículo com os juros fixos mais baixos do mercado, abaixo da inflação, que ao longo dos seis anos do programa variaram de 10% a inacreditáveis 2,5% ao ano, em certos momentos com financiamento de 100% do valor do bem.
Assim, às custas do Tesouro Nacional que cobre a enorme diferença entre o PSI e as taxas reais de captação de recursos, mais de 80% das vendas de caminhões no País foram sendo sustentadas por um programa insustentável ao longo do tempo, que ajudou a corroer o caixa da União em algo como R$ 100 bilhões em financiamentos concedidos para compra de caminhões zero-quilômetro, ajudando a construir o rombo fiscal em que está metido o atual governo. Calcula-se que, mesmo com a baixa do mercado, o Tesouro gastou R$ 4,7 bilhões só no primeiro semestre deste ano [2015] para subsidiar as taxas do PSI.
Pior é que a grande maioria desses contratos foi celebrada com empresas transportadoras de médio e grande porte que bem poderiam pagar mais, pois é praticamente impossível o acesso ao crédito do BNDES pelos caminhoneiros autônomos, que continuam a somar a maior parte da frota rodando com veículos velhos, inseguros e altamente poluentes. Ou seja: o PSI trouxe poucos benefícios econômicos, sociais e muito menos ambientais.”
O jornalista prossegue:
“Por taxas que variaram de 2,5% a 6% ao ano entre outubro de 2012 e dezembro de 2014, com 100% do bem financiado, até quem nunca precisou de um caminhão comprou, não para virar transportador, mas para aproveitar o retorno financeiro sem igual da operação via PSI. O resultado da demanda acima da necessidade real pode ser visto em pátios que hoje abrigam milhares de caminhões novos sem uso.”
Diante desse panorama absurdo narrado por Pedro Kutney – um dos maiores especialistas do País em negócios da indústria automobilística –, o mercado que apontava para 200 mil caminhões/ano está hoje na casa dos 71 mil/ano. Kutney conclui:
“O resultado é a capacidade ociosa das fábricas que varia de 50% a 60%, dependendo do caso e da linha de produtos. Muitos terão de pagar por isso com seus próprios empregos até que se descubra, de fato, de quantos caminhões o Brasil precisa.”
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