A imprensa bem que se esforça para dar uma informação precisa sobre o consumo de combustível dos carros sobre os quais são feitas as reportagens, mas a realidade é que cada pessoa dirige de uma forma e, conseqüentemente, obtém sua marca de consumo, que é um resultado muito particular. O consumo é um assunto tão ligado à forma de dirigir de cada pessoa quanto às características técnicas do veículo testado. Certamente, o mesmo profissional que realizou um teste de consumo em ruas, pistas ou estradas, se tentar repeti-lo, vai obter uma marca diferente, tantas são as variáveis de uma medição de consumo para outra. Velocidade do vento, temperatura ambiente, tempo úmido ou seco, janelas abertas ou fechadas, calibragem dos pneus, alinhamento dos sistemas de suspensão e direção, ar-condicionado e qualidade do combustível são algumas dessas variáveis.

É impossível uma medição de consumo confiável quando feita em ruas, pistas ou estradas, independentemente da qualidade do equipamento utilizado na medição ou da capacidade do piloto de teste. Essa afirmação é fácil de ser comprovada. Por ocasião do lançamento do Mille Economy, a Fiat realizou um torneio de economia de combustível com os profissionais da imprensa especializada. Para esse torneio, com cerca de 130 jornalistas com trabalho focado em automóveis, utilizou-se um circuito fechado onde todos os participantes dirigiam da forma que julgavam a mais econômica possível (contando com o auxílio do econômetro original, visando a aprimorar ainda mais a forma de dirigir) para que se obtivesse a melhor marca de consumo do Mille Economy (os carros eram equipados com um flow-meter, equipamento eletrônico preciso que mede o combustível que o motor está consumindo, instantaneamente). Todos os jornalistas capricharam ao máximo, utilizando todo o conhecimento técnico que tinham sobre o assunto. Afinal de contas, a Fiat premiaria o vencedor com um Mille novinho, o incentivo de uma condução impecável por parte de todos os jornalistas. O resultado? O consumo variou de 16,49 km/l do motorista mais gastão para paupérrimos 26,66 km/l do jornalista mais “pão-duro”, que faturou o prêmio.

Se profissionais, contando com auxílio de medidores de consumo e econômetros, obtêm marcas tão distintas, imagine o motorista comum. Por isso, não se preocupe se suas marcas são piores que aquelas obtidas por algum outro familiar. O trânsito, a quantidade de faróis no percurso, o perfil altimétrico do trecho, a abrasividade do asfalto, as condições climáticas e o tamanho do roteiro são fatores fundamentais no quesito consumo, além, é claro, da forma como o motorista dirige. Mas, com dicas, vamos tentar ajudálo a economizar combustível e, conseqüentemente, gastar menos dinheiro e emitir menos CO2 na atmosfera. Confira nas próximas páginas.

Os segredos do Mille Economy

O Mille Economy pode ser considerado um dos carros mais econômicos do mercado nacional. Para o Mille, que já mostrava bons resultados de consumo, transformar-se em Economy, foi preciso que os técnicos melhorassem alguns itens do velho carrinho, que foi lançado na sua primeira versão em 1984. O motor foi completamente otimizado: bielas forjadas mais leves, pistões de menor atrito e mais compactos, hastes mais finas e molas com menos carga nas válvulas, coletor de escapamento tubular, sistema eletrônico de comando da injeção com mais recursos e nova calibragem, além da marcha lenta mais vagarosa, catalisador com menor restrição e um óleo mais fino. Além do motor, o câmbio teve a quinta marcha alongada, aproveitando dessa forma o torque mais acentuado nas baixas rotações, e o sistema de suspensões, tanto dianteira quanto traseira, teve revistos todos os valores de geometria tanto das suspensões quanto da direção. Juntamente com um pneu de baixo atrito de rolamento (que também é 5% mais leve), todas essas alterações transformaram o econômico Mille em sua versão mais “pão-dura”, o Economy. Com boa performance, graças ao baixo peso (pouco mais de 800 kg), e boa habitabilidade, o Mille é hoje um dos melhores carros urbanos do mercado: gasta pouco, polui menos e é prático no uso diário.

O consumo exato?

Você deve estar se perguntando: se é tão complexo assim chegar em um valor exato de consumo, como os engenheiros de fábrica chegam aos valores divulgados? Os fabricantes criaram artifícios técnicos para que seus testes de consumo pudessem ser repetidos quantas vezes fosse necessário, chegando-se a valores exatamente iguais. Eles padronizam todas as variáveis, criando uma situação na qual tudo é exatamente igual: temperatura ambiente, umidade relativa, pressão atmosférica, percurso da prova, condições mecânicas do veículo (exatamente como o especificado) e, principalmente, a forma como o piloto deve conduzir o veículo. Essa padronização só é possível com o carro em um ambiente fechado, com tudo controlado. Nesse ambiente, o carro é colocado sobre dinamômetros de rolo. A carga resistiva desses rolos é controlada por um sofisticado computador que simula trechos planos, subidas, descidas, curvas e por aí vai. Como se você estivesse dirigindo na rua. O piloto dirige olhando para a tela do computador, que tem em seu programa um percurso fixo – exatamente como determina a norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) – e uma bolinha segue um roteiro que tem aceleradas, freadas, subidas, planos. Quando o motorista erra uma marcha ou acelera mais que o especificado, o computador aborta o teste e manda o piloto reiniciar. Para maior precisão, o consumo não é medido por variação de volume ou de massa do combustível, mas sim pelos resíduos do escapamento: sabendo o que sobra, sei o que ele “comeu”. Sem nenhuma variável que interfira no resultado. Um carro testado hoje pode ser comparado a outro testado há dez anos, sejam eles da montadora que forem. Por isso MOTOR SHOW publica os valores obtidos nos testes ditados pela norma brasileira. Nada de instalar medidores de fluxo e andar em um percurso de estrada/cidade ou encher o tanque “até a boca” e dar uma volta em um percurso conhecido, como fazem algumas publicações concorrentes. Consumo deve seguir norma e ser feito por técnicos, não por curiosos.

Reduza o CONSUMO

CERTO

motor sempre regulado, com filtros limpos

óleo mais fino (5W30, por exemplo)

pneus calibrados nas recomendações do manual, considerando a carga

suspensão e direção bem alinhados, mantendo o paralelismo das rodas

pneus sem desgastes irregulares e com desenhos aparentes profundos

rodas perfeitas sem deformações ou ovalizadas

freio de estacionamento regulado sem prender as rodas traseiras

número de passageiros não superior ao recomendado

sempre que possível, andar com os vidros fechados e com o sistema de ventilação acionado

aproveitar o torque do motor, evitando as “esticadas” de marcha usar, sempre que a situação permitir, a marcha mais alta

arrancar sempre suavemente, sem pressa e procurar retomar a velocidade evitando a redução de marcha

trafegar sempre em velocidades moderadas

usar o ar-condicionado somente quando o calor incomodar

lembrar que o freio motor nas descidas corta o combustível

não transportar pesos desnecessários no veículo

manter o veículo limpo e preferencialmente polido

frear suavemente, em um espaço mais longo

ERRADO

óleo do motor fora do prazo ou das especificações

suspensão e direção desalinhados

pneus descalibrados, carecas e ovalizados.

passageiros em número maior que a lotação.

vidros abertos, principalmente na estrada

“esticar” marchas

trafegar usando as marchas mais baixas

arrancar de maneira agressiva, com as rodas girando em falso

reduzir de marcha sempre que quiser aumentar a velocidade

trafegar em altas velocidades

utilizar o ar-condicionado de maneira contínua

usar ponto-morto sempre que surge um declive

manter o porta-malas e o banco cheio de tralhas inúteis

carro sujo com barro dentro dos paralamas

volume externo de bagagens que altere a aerodinâmica original

pneus e rodas mais largos que o recomendado pelo fabricante

acessórios que prejudiquem a aerodinâmica original

acelerar o carro enquanto aguarda a abertura do semáforo

costurar no trânsito para andar mais rápido

frear bruscamente, de maneira curta, sobre o obstáculo

escapamento furado ou estragado

alterar as especificações originais com chip da injeção

Como fazer 25 km/

1. Início: a saída foi feita em segunda marcha, utilizando o motor de arranque para partir e, ao mesmo tempo, funcionar o motor. A energia elétrica da bateria vence a inércia do carro.

2. Trecho em declive, feito pela faixa interna da pista já com a quinta marcha engatada (essa é a única marcha utilizada durante todo o percurso) e o pé na embreagem para desconectar o motor do câmbio, poupando a marcha lenta da inércia do eixo piloto do câmbio. Velocidade com o carro livre na descida: 50 km/h

3. Início do trecho em aclive. O carro vai solto até atingir os 40 km/h. Nesse momento, tira-se o pé da embreagem e a quinta marcha já engrenada se encarrega de manter constantes os 40 km/h. A leitura do econômetro ajuda a controlar a carga no acelerador.

4. Sempre pela parte interna da pista e mantendo constantes os 40 km/h e o econômetro na máxima economia, contorna-se a curva nesse trecho plano.

5. Mesmo na curva fechada, ela deve ser contornada de maneira suave para evitar que os pneus arrastem. Foi o que fizemos. E também não brigamos com o volante, abrimos a curva suavemente, sem forçar os pneus no asfalto.

6. Declive leve com outra curva fechada. Já mudamos de faixa na curva anterior e estamos na parte de dentro da pista, no caminho mais curto. Pé na embreagem e aproveitamento da inércia proporcionada pelo declive.

7. Curva de raio longo, boa inércia do declive (50 km/h), quando se inicia outro longo e leve aclive a velocidade cai para os 40 km/h, solta-se a embreagem e estabiliza-se a velocidade, controlando o acelerador pelo econômetro.

8. Final do aclive e início de um longo declive. Pé na embreagem desde o início da curva para que a força de gravidade ajude a economizar. Pela parte interna da curva, o Mille percorre a reta a bons 50 km/h. O motor só será reconectado novamente ao câmbio no trecho 3. Foram duas extenuantes voltas e 25,51 km/l.

MOTOR SHOW também participou do torneio de economia promovido pela Fiat por ocasião do lançamento do Mille Economy. Conseguimos a segunda marca de exatos 25,51 km/l entre os cerca de 130 jornalistas que participaram do evento (na maior parte deles, o consumo oscilou dos 20 aos 24 km/l), enquanto o vencedor chegou à marca de 26,66 km/l. É possível ao consumidor comum chegar nesses resultados? Qualquer motorista “pão-duro” chega facilmente a essa marca? Na realidade, não. O fato de o torneio se realizar em um autódromo fechado nos permitiu fazer coisas que dificilmente o motorista conseguiria fazer na rua (leia ao lado e acompanhe na ilustração com o traçado real da pista). Algumas de nossas atitudes eram ilegais, como dirigir com o veículo desengrenado; outras perigosas, como mudar constantemente de faixa procurando sempre o trajeto que permitisse o menor percurso; e outras ainda estressantes, como dirigir a maior parte do tempo controlando as reações do econômetro e a velocidade em que o Mille transitava, nunca superior aos 40 km/h quando o motor movimentava o carro. Apesar do calor local na casa dos 32ºC, os vidros permaneceram fechados e o ventilador desligado para evitar o consumo de energia por parte do sistema elétrico. Dirigindo dessa forma “insana” podemse repetir marcas na ordem dos 26 km/l com o Economy. Mas no dia-a-dia nem o mais “pãoduro” dos motoristas chega a tais marcas.