Em seu fantástico livro sobre a Guerra de Canudos (Os Sertões), Euclides da Cunha afirma que o sertanejo é acima de tudo um forte. Pegando carona nessa frase, eu afirmo: na hora de comprar carro, o brasileiro é acima de tudo um conservador. Às vezes, um bobo. Não é racional como o alemão e o americano, tampouco um entusiasta como o argentino e o italiano ou prático como o japonês.

Brasileiro compra carro pela moda. Paga mais caro por produtos que não valem mais que a média só porque todo mundo quer ter um. É avesso aos avanços tecnológicos. Fica anos comprando o mesmo carro, mesmo que suas qualidades técnicas sejam comprovadamente inferiores. Além disso, é extremamente preconceituoso e considera como verdade fatos verificados muitos anos atrás.

Foi assim que passou décadas criticando os câmbios da Fiat porque lembrava dos primeiros carros da montadora italiana. Agora rejeita os Peugeot por considerar que eles desvalorizam demais, apesar de isso ter mudado nos últimos três anos. Atravessou décadas rejeitando os carros de quatro portas só porque sua “formação” histórica foi ditada pelo Fusca. Desvaloriza um carro do mesmo ano/modelo em relação a outro similar só porque um foi fabricado em dezembro de 2012 e outro em janeiro de 2013 (por exemplo).

Claro que estou generalizando. Existem muitos brasileiros que compram carros pela qualidade do produto – e nesse time eu coloco (a princípio) todos vocês que lêem reportagens e artigos sobre automóveis.

Por causa dessa característica do consumidor brasileiro médio, bons carros simplesmente desaparecem do mercado. A primeira vítima do conservadorismo e do modismo brasileiro foram as peruas. Carros perfeitos para carregar a família e muita bagagem, sem perder o comportamento dinâmico, as “station wagons” foram desprezadas e hoje respondem por ínfimos 0,05% das vendas. O mais incrível ainda é que esse número representa metade do que foi registrado no ano passado.

O modelo mais vendido nessa categoria é o Weekend (ex-Palio Weekend), da Fiat (910 unidades no primeiro trimestre). Depois vêm o Golf Variant (150 unidades) e o SpaceFox (104), ambos da Volkswagen. Audi, BMW, Mercedes e Volvo também mantêm peruas em suas linhas, mas vendem bem pouco.

Agora, o próximo tipo de carro ameaçado de extinção é o hatch médio. Caiu de 2,82% para 1,82% de participação de 2016 para 2017. Perde até para os monovolumes, que também ficaram reduzidos a pouquíssimos modelos. Em compensação, os SUVs e crossovers subiram de 17,26% para 20,86%. Estão a apenas 0,1% dos carros de entrada (VW Gol, Fiat Palio, Ford Ka etc.) e só perdem mesmo para os hatches pequenos (26,95%), onde brilham o Chevrolet Onix e o Hyundai HB20.

O triste de ver o desaparecimento dos hatches médios é que estamos abrindo mão simplesmente dos melhores carros que existem para dirigir. Eles são compactos, são estáveis, são práticos e têm um comportamento dinâmico só superado por cupês esportivos. No mínimo, estão no mesmo nível dos sedãs.

Nessa categoria (segundo a classificação da Fenabrave), estão apenas seis modelos: Chevrolet Cruze Sport6, Volkswagen Golf, Ford Focus, Fiat Punto, Peugeot 308 e Volvo V40. Na verdade, o Punto nem devia estar aí, mas sim na categoria hatch pequeno, junto com o Onix. Os líderes Cruze, Golf e Focus vendem em média apenas 466 carros/mês.

Evidentemente, os preços de alguns modelos influenciam nas vendas. Mas, como ninguém compra esses ótimos carros em suas configurações menos recheadas de equipamentos, não resta às montadoras outra alternativa que não seja manter só as versões topo de linha no mercado. Então, no final das contas, é o consumidor mesmo que rejeita as peruas e agora não quer mais saber de hatches médios.

Enquanto isso, alguns crossovers disfarçados de SUVs cobram o olho da cara só porque são mais elevados e têm o visual da moda. E os brasileiros compram. O consumidor brasileiro de carros é, acima de tudo, modista. Sem contar que é cada vez maior o número de pessoas que compram carro como um objeto da moda e não estão nem aí para itens como dirigibilidade, conforto, consumo, segurança e estabilidade.