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Domingo fim de tarde/começo de noite, Rodovia dos Bandeirantes, trecho entre Campinas e São Paulo (SP). Cinco faixas de rolagem, todas em excelente estado, e tráfego de caminhões e ônibus proibido. O limite de velocidade é de 120 km/h, mas nas duas faixas da esquerda, lotadas, os carros circulam a uma média de 90 km/h. As faixas à direita estão mais vazias – principalmente a quinta faixa, onde absolutamente ninguém circula.

Você quer andar mais rápido, pega a faixa mais à esquerda. Na faixa logo à direita até há espaço para o carro adiante – circulando a 90 km/h – sair. Você se aproxima e liga a seta à esquerda para pedir passagem, mas ele ignora. Você pisca o farol alto, o teimoso continua sem dar passagem nem acelerar. Pior, enfia o pé no freio para te irritar. Uma atitude sem noção, uma vez que a freada inesperada e completamente injustificada pode causar um acidente. Ou irritar o motorista atrás, que vai querer ultrapassar pela direita e/ou até te fechar, também causando sério risco de acidente.

“Não sou obrigado a dar passagem para ninguém”, costuma dizer esse tipo de motorista que, sabe-se lá por quê, faz questão de circular sempre na esquerda, independentemente de as outras uma, duas ou quatro faixas estarem completa e absolutamente livres. E a situação fica ainda pior quando ele está circulando no limite da via. Aí a justificativa passa a ser: “Estou no limite, e por isso mesmo não vou dar passagem. Ninguém pode andar acima de 120 km/h”.

Bem, em primeiro lugar, você é obrigado a dar passagem. E em segundo lugar, não é você quem define ou controla a velocidade dos demais motoristas. Não é sua função, não lhe compete. Quem diz? O código de trânsito. Então vamos responder a algumas perguntas para tentar acabar de vez com as dúvidas (e as brigas)?

1) A faixa da esquerda é somente para ultrapassagens?
Não exclusivamente. Diz nosso Código de Trânsito:

Art. 29, parágrafo IV – quando uma pista de rolamento comportar várias faixas de circulação no mesmo sentido, são as da direita destinadas ao deslocamento dos veículos mais lentos e de maior porte, quando não houver faixa especial a eles destinada, e as da esquerda, destinadas à ultrapassagem e ao deslocamento dos veículos de maior velocidade;

As faixas à esquerda, portanto, devem ser usadas tanto para ultrapassagens quanto para a circulação dos veículos de maior velocidade – podemos assumir que próximo à velocidade limite da via (e a velocidade mínima, mesmo na faixa mais à direita, é a metade da máxima – ou seja, 60 km/h para automóveis no caso dessa rodovia).

2) Então não é errado em circular pela esquerda? Não sou obrigado a dar passagem?
Não é errado, apenas desnecessário, principalmente se as outras faixas estão livres. Mas isso desde que não haja outro carro atrás querendo passar. Nesse caso, você é, sim, obrigado a dar passagem (e não vale ir para a direita e acelerar para atrapalhar a ultrapassagem, está bem claro), conforme explicitado no Artigo 30 do Código Brasileiro de Trânsito.

Art. 30. Todo condutor, ao perceber que outro que o segue tem o propósito de ultrapassá-lo, deverá:
I – se estiver circulando pela faixa da esquerda, deslocar-se para a da direita, sem acelerar a marcha;
II – se estiver circulando pelas demais faixas, manter-se naquela na qual está circulando, sem acelerar a marcha.
Parágrafo único. Os veículos mais lentos, quando em fila, deverão manter distância suficiente entre si para permitir que veículos que os ultrapassem possam se intercalar na fila com segurança.

E saiba também que, de acordo com artigo 198, deixar de dar a passagem pela esquerda, quando ela é solicitada, é uma infração média, penalizada com multa.

3) O carro atrás pode piscar o farol alto para pedir passagem?
Sim, o Código de Trânsito estabelece que ele pode tanto acionar a luz indicadora de mudança de direção (a “seta”) para a esquerda quanto piscar os faróis para solicitá-la:

Artigo 40: O uso de luzes em veículo obedecerá às seguintes determinações:
(…)
III – a troca de luz baixa e alta, de forma intermitente e por curto período de tempo, com o objetivo de advertir outros motoristas, só poderá ser utilizada para indicar a intenção de ultrapassar o veículo que segue à frente ou para indicar a existência de risco à segurança para os veículos que circulam no sentido contrário;

3) Mas se estou na velocidade máxima, ninguém pode passar. É contra a lei!
É aí que você se engana. Você não sabe se há uma grávida em trabalho de parto ou alguém em emergência médica no carro. Ou simplesmente um apressadinho. “O motorista tem que aprender que ele não é policial rodoviário, ele não representa a lei”, me contou um oficial da Polícia Rodoviária que atua na mesma rodovia. “Cada um dirige na velocidade que desejar, e cabe apenas a nós fiscalizar e multar os infratores”, completa. Ou seja, você pode até não gostar de ver as pessoas dirigindo mais rápido, mas não tem a função nem o direito de ficar a segurando na velocidade máxima da via.

4) E se a pessoa à frente não der passagem e não houver outra faixa à esquerda, aí eu posso ultrapassar pela direita?
Não, é proibido ultrapassar pela direita. Mas aqui que vem um detalhe interessante.

Conforme informado no Código Brasileiro de Trânsito, a ultrapassagem pela direita se caracteriza apenas quando o motorista sai para a faixa da direita, passa pelo veículo mais lento adiante e necessariamente retorna para a frente do carro ultrapassado, na sequência. Nesse caso, ambos cometem infrações e podem ser multados – um por não dar passagem, outro por ultrapassar pela direita. 

Mas pelos conceitos do Código Brasileiro de Trânsito, não é considerada irregular a mera passagem pela direita por outro veículo (“movimento de passagem à frente de outro veículo que se desloca no mesmo sentido, em menor velocidade, mas em faixas distintas”) ou a transposição de faixas (“passagem de um veículo de uma faixa demarcada para outra”), que pode ser realizada tanto pela esquerda quanto pela direita, de acordo com o artigo 29, parágrafo 1o. 

Ou seja, não comete  nenhuma infração quem, diante de um carro à frente que se nega a dar passagem, vai para a faixa da direita, acelera e apenas passa pelo carro mais lento, sem retornar imediatamente à faixa da esquerda. Nesse caso, só o carro que não deu passagem é que pode ser multado. Pela mesma regra, se a pista da esquerda é a mais lenta e as outras estão livres, você pode seguir pela segunda ou terceira faixas em velocidade mais alta, sem problemas (mas tome cuidado com os carros da esquerda que podem mudar de faixa sem olhar no retrovisor).

E da mesma forma não está errado, voltando ao exemplo do começo do texto, quem vem todos os 100 km de Campinas a São Paulo rodando a 120 km/h pela quinta faixa, aquela mais à direita, enquanto o resto das faixas – principalmente a mais da esquerda, justamente a que seria a mais rápida –, “rasteja” a 80 ou 90 km/h. É o que tenho feito, diante dos “donos” da faixa da esquerda, que temem em atrapalhar a vida dos outros.

É por essa e outras que temos tantas brigas e acidentes no trânsito. E é por ter motoristas que sabem dividir a estrada com os outros que países como a Alemanha, por exemplo, tem índices baixíssimo de acidentes mesmos com tantas estradas sem nenhum limite de velocidade (as famosas Autobahnen). O veículo que segue a 250 ou 300 km/h na faixa da esquerda em seu Mercedes-AMG ou Audi RS sabe que não vai subitamente encontrar um outro veículo a 80 km/h na mesma faixa.