Colocar o cinto de segurança, girar a chave, engatar a marcha e acelerar. Essa seqüência de ações que fazem parte do cotidiano de muita gente é um verdadeiro transtorno para uma grande parcela da população que sofre de um mal: o medo de dirigir.

De acordo com a psicóloga Cecília Belina, proprietária de uma rede de clínicas especializadas na fobia de dirigir e autora do livro Dirigir sem Medo, são muitos os motivos que levam a esse bloqueio, desde traumas até a própria complexidade do trânsito, que deixa as pessoas inseguras.

Além de ser um problema limitante, pois a pessoa depende sempre de terceiros para se locomover, ele não atinge só a vida prática e pode abalar os relacionamentos e, principalmente, a auto-estima. “Por se tratar de uma prática tão normal, o indivíduo começa a se sentir um imprestável”, afirma Cecília. No principal site de relacionamento da internet, há diversas comunidades relacionadas ao tema, com milhares de membros que relatam histórias comoventes e tristes sobre sua limitação, porém a solução pode ser mais simples do que se imagina.

ENFRENTE O MEDO

Quando foi tirar sua habilitação, o webdesigner Cláudio Manuel da Silva, de 29 anos, descobriu que tinha pavor de dirigir. Com a carteira em mãos, tentando vencer o medo, começou a praticar.”Fui dar uma volta no quarteirão, tive um bloqueio e não consegui mais guiar. Acabei voltando a pé”, conta o rapaz, que se rendeu e não pretende mais tentar. Colocou sua casa à venda e está mudando para um endereço mais perto do trabalho.

Cláudio M. da Silva está vendedo sua casa e vai se mudar para um local mais perto do trabalho porque não consegue dirigir. “Na minha profissão eu vejo, penso e só depois executo. No trânsito, o raciocínio e a ação são muito rápidos. Acho que não é para mim”, justifica o webdesigner

Segundo a psicóloga, isso não é o melhor a fazer. O único jeito de vencer o medo é encará-lo de frente. Porém, como se trata de um receio especifico, que exige o domínio de uma técnica para que o paciente se sinta mais seguro, se necessário, ele passa por uma reaprendizagem. “Nosso tratamento envolve o lado prático e psicológico. Trabalhamos sempre conversando e acompanhando os pacientes em todas as aulas”, explica a psicóloga. Não há tempo determinado para a cura. E o custo por mês gira em torno dos R$ 350.

Foi o que fez a enfermeira Maria Suzana de Almeida, 54 anos. Ela tirou sua carteira de habilitação, comprou um carro, mas ficou seis anos sem guiá-lo. “Percebi que aquele sentimento estava me escravizando e fui atrás de ajuda psicológica”, completa. Após quase um ano e meio, Suzana teve alta em outubro passado e agora vai para todos os lugares com seu Fiesta. “Na clínica não aprendi apenas a lidar com o medo, e sim a acreditar mais em mim”, conta. Muitas vezes, no entanto, apenas o trabalho psicológico não basta.

Depois de se tratar, Maria Suzana de Almeida está livre do medo, mas, durante seis anos, sofreu porq não conseguir dirigir. “Às vezes eu ia até a garagem e chegava a ligar o carro, mas não tinha coragem de sair”, conta a enfermeira

AJUDA MÉDICA

A psicóloga Cláudia Ballestero Gracindo afirma que existem dois tipos de medo: o normal – que pode ser causado por falta de prática e insegurança – e o patológico, que causa reações físicas (impedindo que a pessoa o enfrente) e está associado a causas mais graves, como depressão e transtornos de pânico. Nesses casos, além da ajuda psicológica, é necessário o auxílio de um psiquiatra. Cláudia diz que o tratamento médico é indicado em cerca de 40% dos casos.

O psiquiatra do Ambulatório de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, Luiz Vicente Figueira de Mello, diz que o Manual Estatístico Internacional de Doenças Mentais (DSM4) classifica o problema como um transtorno fóbico específico e que seus sintomas são: suor, tremor, tontura, coração acelerado, vontade de chorar, dor de barriga e um desespero que faz a pessoa perder as funções. O uso de medicamentos antidepressivos é feito com acompanhamento de um psicólogo. “Os remédios fazem com que a pessoa controle suas reações corporais, já as mentais e sentimentais ficam por conta dos psicólogos, que ensinam o indivíduo a lidar com o medo”, explica. “Tem gente que acha que psiquiatra é coisa de louco, mas não é. Está me ajudando a dosar meu medo”, conta Leonita B. dos Santos, de 38 anos, que vem tomando antidepressivos para cuidar de sua fobia, que lhe causava falta de ar e tremor.

Quem não tem condições para bancar o tratamento, pode procurar grupos de estudos em faculdades e associações como a Aporta (Associação dos Portadores de Transtornos de Ansiedade), a Abrata (Associação Brasileira de Transtornos Afetivos) e a Astoc (Associação de Transtornos Obsessivos Compulsivos). O que não pode é deixar o medo vencer.

Divã sobre rodas

Cecília Belina é uma das pioneiras do tratamento do medo de dirigir no Brasil e recomenda o enfrentamento como o primeiro passo para a cura. Mas alerta que o processo requer acompanhamento psicológico. “Não adianta ir a uma auto-escola e só fazer aulas. Se não tiver o auxílio de um profissional não vai funcionar”, alerta a psicóloga