Os grandes lançamentos da indústria automobilística normalmente envolvem altas somas em dinheiro e tudo é planejado para que a novidade chegue ao mercado com o melhor impacto possível. Nessa estratégia, não apenas a campanha publicitária na televisão, nas revistas, nos jornais, no rádio e na internet é importante, mas também a avaliação feita pelos veículos especializados. Como é impossível entregar um carro para cada revista, jornal ou site avaliar isoladamente e ao mesmo tempo, as montadoras costumam reunir os jornalistas do setor em um único local.

Além do test drive propriamente dito, os fabricantes usam esse momento para fazer apresentações técnicas do produto, explicar seu posicionamento no mercado, detalhar as características de cada versão, divulgar os preços, colocar os principais executivos em contato com a mídia e também para fazer ações de relações públicas. Trata-se, na verdade, de um grande show (que pode incluir uma apresentação de artistas famosos), no qual o carro é principal atração. Devido aos prazos industriais mais longos e à grande importância que têm para o público formador de opinião, as revistas especializadas costumam receber esses carros com antecedência. Assim, quando todo o restante da imprensa se reúne no local escolhido para a apresentação oficial do carro, as revistas já estão com suas avaliações, fotos e eventuais comparativos prontos, apenas à espera da data combinada para encerrar o embargo de publicação, se houver.

Embora possuam sites que concorrem com sites independentes ou com os próprios portais da internet, as revistas especializadas não gostam de ficar atrás quando se trata de divulgar uma novidade. A maioria das montadoras respeita isso, pelos motivos já citados. Todo esse contexto acaba influenciando os fabricantes na hora de decidir qual versão será mostrada antes – e isso acaba se tornando um jogo de xadrez. Afinal, grandes lançamentos normalmente têm mais de uma versão de motorização. Então surgem as dúvidas sobre o que é melhor: lançar antes a versão mais cara e equipada ou apresentar primeiro a mais barata e “pelada”? Qual delas terá melhor recepção por parte da imprensa especializada? É aí que muitas montadoras se perdem. Pouco importa se é uma marca líder de mercado ou uma novata. Todas estão sujeitas ao crivo dos jornalistas e suas diferentes expectativas sobre o carro. Mas, é óbvio, algumas novidades são mais esperadas do que as outras.

Tanto mais complicada é a tarefa das montadoras de causar uma boa impressão inicial quanto mais concorrentes estão chegando ao mesmo tempo. Foi o que ocorreu na virada do primeiro para o segundo trimestre, com a apresentação quase simultânea de cinco novidades no segmento de crossovers compactos: Honda HR-V, Peugeot 2008, Jeep Renegade, JAC T6 e Renault Duster reestilizado. De todos, os mais aguardados eram o Honda e o Jeep, ambos fabricados no Brasil.

Os japoneses não tiveram grandes dificuldades, pois o HR-V é um crossover sem qualquer pretensão de se aventurar pelo off-road. Nem sequer tração 4×4 o carro tem. Já o Renegade, para além de chegar com a expectativa de ter a líder Fiat por trás, inaugurando uma nova fábrica em Pernambuco, estreou com duas propostas completamente diferentes: um carro mais familiar, com motor 1.8 flex, e outro bastante ousado, com motor a diesel, tração 4×4 e capacidade de fazer o diabo fora da estrada. Que fez a Jeep? Entregou para as revistas apenas o Renegade 4×4 a diesel (certa de que se tratava da cereja do bolo) e deixou o Renegade 4×2 flex para a apresentação oficial no Rio de Janeiro. Assim, além de “atrapalhar” a estratégia das revistas especializadas, deixando-as sem o carro que realmente terá grande volume de vendas, colocou a versão flex na jaula dos leões. Ao proporcionar duas diferentes experiências de test drive no mesmo evento, a Jeep deu aos jornalistas um enorme argumento para reclamar do desempenho do Renegade flex, pois este tem um motor de apenas 132 cavalos e aquele tem um bloco de 170 cavalos. A diferença, num carro de quase 1,5 tonelada, foi gritante. E as críticas ao desempenho do Renegade flex reverberaram. Uma “injustiça” diante de um carro diferenciado, bem construído, bonito, com desenho próprio, robusto, espaçoso, estável e seguro.

Assim, finalmente chego à famosa questão da economia da azeitona da empada. Só que, no caso do Renegade, não apenas a azeitona foi economizada, mas também a empada. A economia da azeitona foi ter feito um único evento para apresentar dois carros de propostas distintas, dando mais importância para aquele que vai vender menos. A economia da empada inteira foi não investir num novo motor 2.0 — ou no próprio 2.4 que a Jeep usa nos Estados Unidos. Por falta de motores maiores disponíveis no Brasil, a FCA (Fiat Chrysler Automobiles) foi obrigada a beber da fonte de um motor pequeno (o 1.8 E.torQ da Fiat). Sem dúvida, a Jeep fez um trabalho mais econômico ao transformá-lo no 1.8 E.torQ Evo, mas insuficiente para o dinamismo que o Renegade projeta para seus possíveis clientes. O resultado foi uma festa sem azeitona e sem empada.