“Ninguém cai na F-1 de pára-quedas. Estou bem preparado, sei lidar bem com a pressão”

Lucas di Grassi, sobre sua estreia

” Vocês são os primeiros jornalistas para quem dou uma entrevista exclusiva como piloto titular da F-1″, disse Lucas di Grassi ao receber a equipe de MOTOR SHOW em seu escritório em São Paulo, poucos dias antes das festas de final de ano. Depois de um ano agitado na Europa, o piloto fez questão de deixar claro que esse seria seu último compromisso de 2009. Depois de seis anos fora do País, disputando categorias de base, Lucas assinou contrato com a equipe Virgin Racing de F-1 como piloto titular. “Sempre tive preocupação em planejar bem minha carreira, escolhendo as melhores categorias e me dedicando muito como piloto. Essa oportunidade é o resultado de todo meu empenho”, afirma o brasileiro.

Sua carreira começou em 1994, quando tinha dez anos. Suas primeiras voltas em um kart de competição aconteceram no kartódromo Schinchariol, em Itu (SP), onde seu pai costumava correr nos finais de semana. “Logo no primeiro dia de treino fui mais rápido que ele. Aí meu pai me deu seu kart para que eu começasse a competir”, conta. Entre 1994 e 2001, Di Grassi correu de kart e conquistou os títulos Sulamericano e Pan-americano e foi o quinto colocado no Mundial de 2001. No ano seguinte, estreou no automobilismo, no extinto Campeonato Brasileiro de Fórmula Renault e ficou com o vice-campeonato.

Segundo ele, o fato foi decisivo para que, em 2003, quando já corria de F-3, o jovem piloto fosse pré-selecionado para participar do RDD (Renault Driver Development), um programa de desenvolvimento de novos pilotos mantido pela marca. O brasileiro disputou a vaga no programa com pilotos do mundo inteiro e foi um dos escolhidos. “Eles bancam tudo. Arrumam lugar para você morar na Inglaterra, dão um contato semanal com a equipe de F-1, fornecem testes físicos, cursos para aprender a falar em público e aulas de inglês e francês”, conta Di Grassi. Mas, para continuar no programa, precisava mostrar resultados. “Eles exigiam muito.

O mínimo esperado era que você superasse seu companheiro de equipe”, relembra. O brasileiro foi um dos únicos cinco pilotos na história do RDD que conseguiram renovar seu contrato com a Renault por quatro anos. É também um dos três únicos (de um total de 40 pilotos) que chegaram à F-1.

Com esse apadrinhamento, Di Grassi disputou os campeonatos europeus de F-3 de 2004 e de 2005, ano em que ganhou o importantíssimo GP de Macau. Essa conquista fez com que subisse para a GP2, da qual foi vice-campeão em 2007, resultado que o levou a conquistar a vaga de terceiro piloto da equipe Renault de F-1 em 2008. Mas, como o regulamento não permitia muitos testes, depois de três meses, o brasileiro decidiu voltar para a GP2 para, segundo ele, “não perder o ritmo de corrida”. Mesmo tendo entrado no meio do campeonato, terminou o ano em terceiro lugar.

No final de 2008, o piloto já havia disputado uma vaga para a F-1, na Honda. Mas a marca saiu da categoria e Ross Brawn manteve Barrichello e Jenson Button na nova equipe. Depois da demissão de Nelsinho da Renault em 2009, Di Grassi também foi cotado para assumir a vaga, que ficou com Romain Grosjean.

Em 2010, aos 25 anos, Lucas di Grassi finalmente poderá mostrar seu talento na Virgin Racing, como companheiro de Timo Glock, o mesmo que levou o campeonato de GP2 em 2007, quando Lucas foi vice.

SHOW: Como foi ter estado tão perto de fechar um contrato com a Honda e depois ver o carro desenvolvido pela marca, aquele que você pilotaria, ser campeão de 2009 com a Brawn?

LUCAS DI GRASSI: Na vida acontecem essas ironias. Acredito que se eu tivesse assinado com a Brawn, com certeza teria terminado o campeonato pelo menos entre os três primeiros, logo em meu ano de estreia. Teria sido um grande feito. Lembro que conversei com o Ross Brawn logo depois de ele assumir a equipe e ele disse que estava apertado, não sabia até quando iria durar o time e que, por isso, precisava de um piloto mais experiente para tentar resultados nas primeiras corridas. Aí eles resolveram conservar a dupla Barrichello e Button. Faz parte.

No alto, seu primeiro teste de F-1 com a Renault. Acima, em 2009, na GP2 à frente do também brasileiro Diego Nunes. Abaixo, no pódio, comemorando a vitória na Hungria, em 2008

MS: Você também quase substituiu o Nelsinho Piquet na Renault. Depois do escândalo envolvendo a equipe, acha que foi bom não ter entrado no time naquele momento?

LG: Depois que acontece alguma coisa é fácil a gente tirar essas conclusões, mas, na época, eu teria adorado. É claro que, se soubesse que assinaria com a Virgin como aconteceu agora, não arriscaria começar na F-1 no meio de uma temporada, sem testar nada, com um carro difícil e um companheiro de equipe bicampeão mundial, que pode ser considerado um dos melhores da atualidade. Graças a Deus, estou tendo uma oportunidade melhor na Virgin.

MS: Além de chefe de equipe de Nelsinho, Flávio Briatore era seu empresário. Você também tinha este tipo de vínculo com ele?

LG: Quando você trabalha na Renault, sempre tem um vínculo com o Flávio (Briatore) por ele ser praticamente o CEO da equipe. Por isso, eu tinha um vinculo sim, mas, a partir do momento que ele foi banido da F-1, essa ligação acabou. Hoje não tenho mais nada nem com o Flávio nem com a Renault.

MS: E como foram os bastidores da equipe no fatídico GP de Cingapura de 2008, quando Nelsinho teria batido para favorecer seu companheiro de equipe?

LG: Graças a Deus eu não estava lá. Por incrível que pareça, foi o único GP do ano que eu não acompanhei, pois tinha que testar o carro da GP2 logo na segunda-feira após a corrida. Talvez eles tenham me mandado de propósito para outro lugar (risos). Para mim, foi chocante tudo o que aconteceu. Achei que isso nunca aconteceria num esporte como a F-1, mas, infelizmente, faz parte. Todo esporte tem coisas boas e coisas ruins, né?

MS: E como foram as suas negociações com a Virgin? Como aconteceu?

LG: Em 2005, quando terminei em terceiro no europeu de F-3 e ganhei o GP de Macau, eu corria pela Manor, que nada mais é do que a Virgin hoje. Por eu ter tido ótimos resultados com eles, já ter experiência na F-1 e ser jovem, eu me encaixava bem no perfil que o time procurava. Fiquei um tempo esperando para ver se iria rolar alguma coisa na Renault, que era minha prioridade por eles terem me ajudado, mas, como começaram as surgir boatos de que a montadora planejava sair da categoria, resolvi assinar com a Virgin.

MS: O patrocínio da Unilever, através da marca Clear, influenciou muito no seu acordo com a Virgin?

LG: Não foi dominante, mas com certeza ajudou. Até porque a F-1 está entrando numa nova era em que as montadoras estão saindo para dar lugar aos times independentes. Na montadora as coisas eram muito mais quadradas, se você fizesse um bom trabalho era contratado.

Hoje em dia, o valor que você consegue agregar à equipe também é importante. Por eu ser brasileiro, quanto mais empresas brasileiras se interessarem pela equipe por minha causa, maior o meu valor agregado como piloto. Atualmente, além de ter que apresentar bons resultados na pista, você também tem que trabalhar um pouco na parte comercial. Eu trabalho muito nisso e tenho que agradecer bastante a Unilever por acreditar em mim. Arrisco dizer que é o meu primeiro grande patrocínio. Por não ter sobrenome famoso, e nenhuma tradição no automobilismo, sempre tive dificuldades para arrumar apoio. Precisei primeiro criar um nome. E isso, infelizmente, é o que acontece com a maioria dos pilotos.

O que geralmente acontece com o piloto que está começando é que, por não ter patrocínio, não consegue entrar numa boa equipe. Sem uma boa equipe, fica difícil mostrar bons resultados. Sem bons resultados fica ainda mais complicado fechar um patrocínio. É um ciclo vicioso. No meu caso, graças a Deus, teve a Renault que enxergou meu talento e investiu na minha carreira para eu conseguir criar um bom nome, e isso foi fundamental para a Clear e a Unilever acreditarem em mim.

Acima, liderando o Desafio das Estrelas em 2009. baixo, nas 500 Milhas de Kart, em Londres, Lucas di Grassi, entre John Booth, diretor esportivo da equipe, e Richard Branson, dono da Virgin. Abaixo, foto oficial do piloto na nova equipe

MS: Na época de Senna, Prost e Piquet, os pilotos novatos não eram tão cobrados como hoje. E, naquela época, eles tinham oportunidade de testar muito mais. O que você acha desta tendência?

LG: A partir do momento que você vai competir na F-1, tem que estar preparado para apresentar bons resultados. Isso sempre foi assim e sempre vai ser. Mas, por outro lado, com tão poucos testes, fica muito difícil entrar na categoria e apresentar um desempenho satisfatório de imediato. Testei apenas 11 dias de F-1 nos últimos três anos. Em um passado não muito distante, os pilotos tinham, por ano, até 50 dias de treino. Hoje, eu vou ter que me adaptar ao carro, às pistas que eu ainda não conheço, tudo já para valer. Acredito que isso só aumenta o passe dos pilotos mais experientes. Acho que a FIA poderia dar mais testes para os estreantes.

MS: A Virgin contratou o brasileiro Luiz Razia como piloto de testes. O que você acha disso?

LG: Ele não vai testar o carro nenhum dia. Assim como eu, que este ano na Renault testei apenas um dia e meio. Isso acaba dificultando a mudança de geração na F-1.

MS: A Virgin tem um apelo sustentável. Conte um pouco mais sobre isso.

LG: Acho que é uma tendência da categoria passar a desenvolver tecnologias ecológicas. A Virgin em especial é a primeira equipe de F-1 que tem a maioria dos patrocinadores ecologicamente corretos. O time também vai fazer sua parte com emissão de carbono zero.

O carro está sendo desenvolvido todo em CFD (Dinâmica de Fluidos Computacional), o que diminui o gasto de material e, consequentemente, a geração de lixo. Posso praticamente afirmar que será a equipe mais ecológica do grid. Medidas como esta são importantes para que a F-1 caminhe na direção certa.

Quem sabe em um futuro próximo, possamos usar combustíveis alternativos, assim como ocorre na Indy, que anda com etanol, parte dele brasileiro. A própria implantação do KERS já é um passo sustentável, o problema é que ele foi uma ideia na hora errada. Por conta da crise financeira, não puderam desenvolver bem a tecnologia.

Outra boa iniciativa é a proibição do reabastecimento durante as corridas. Assim, os motores terão que consumir menos, gerando a mesma potência. Quando isso chegar ao consumidor, a emissão de poluentes diminuirá absurdamente. Além de ser muito interessante do ponto de vista esportivo. Afinal, as condições serão mais iguais para todas as equipes.

MS: Quais são suas expectativas para o campeonato de 2010?

LG: O meu objetivo principal em toda a minha carreira foi não dar o passo maior do que a perna. Sempre me preocupei em chegar em uma categoria tendo a certeza de que tudo foi preparado da melhor forma para ter o melhor resultado. O que eu quero é chegar no final do ano, olhar para trás, independentemente do resultado, e ver que tudo que eu poderia fazer foi feito, da melhor maneira possível. O resultado em si vai depender muito da equipe, do carro e da sorte. Ou seja, de coisas que fogem ao meu controle. O que preciso é focar no que eu posso controlar.

MS: Isso tudo é: superar o Timo Glock?

LG: Sem dúvida. Resumindo tudo, é isso aí. Aliás, não só superar o Timo, mas também os outros 24 pilotos do grid. Com um trabalho sério e um carro competitivo, quem sabe.

MS: O que você espera da Virgin Racing?

LG: A equipe tem uma estrutura muito sólida, e tudo indica que isso trará ótimos resultados nos próximos três, cinco anos. Isso é praticamente garantido. Quanto ao ano que vem, não dá para ter nenhuma certeza. Pelo que eu vi das equipes novas, a Virgin tem uma condição financeira, técnica e profissional muito boa, acima das outras. Mas é difícil falar porque na F-1 o investimento da equipe não é proporcional ao desempenho.

A Toyota tinha um dos orçamentos mais altos e não teve grandes resultados, assim como a Ferrari em 2009. A Virgin está utilizando uma nova filosofia de desenvolvimento do carro totalmente no simulador mas o quanto isso vai representar em performance na pista, é difícil saber até a hora de testar. Com o motor Cosworth tudo indica que estaremos bem servidos. O peso do propulsor é baixo, o consumo e a potência são bons.

MS: Como você está lidando com a ansiedade da estreia? O que você acha que passará na sua cabeça quando estiver alinhado no grid?

LG: Ninguém cai na F-1 de para-quedas. Não estarei lá por acaso. Para chegar à categoria, me preparei muito, durante vários anos. A pressão existe e sempre vai existir e eu estou muito animado para começar a andar. Mas ao mesmo tempo não é uma coisa nova para mim. Já passei por vários momentos da minha vida em que parecia que todo ano era o último e eu tinha que mostrar resultados para continuar. Então eu estou bem preparado e sei lidar bem com a pressão e com a ansiedade.

MS: Como será estar no mesmo grid de Michael Schumacher?

LG: Ele sempre foi uma referência para mim. Estar no mesmo grid que ele vai ser muito especial. Não o considero um ídolo, mas sim um exemplo de profissional completo. Ele é um excelente piloto, excelente acertador de carro e excelente formador de equipe, afinal conseguiu montar um time muito forte na Ferrari. Na minha opinião, é o piloto mais completo da história da F-1. Não sei se foi o mais talentoso, acho que o Senna era mais. Mas, de qualquer forma, é um cara em quem eu me espelho.

MS: Qual é a validade do contrato que você assinou com a Virgin?

LG: Não gostaria de falar sobre isso. Mas é um contrato normal, como qualquer outro.