Verdadeiros ícones de esportividade, Mercedes Classe E AMG e seu arquirrival BMW M5, pela primeira vez, têm motores turbinados. Para ser preciso, duplamente turbinados. Em nome da redução no consumo e na emissão de poluentes, assim como os sedãs das página anteriores, até mesmo eles foram forçados a aderir ao downsizing. Enquanto o E 63 AMG abandonou seu enorme 6.3 V8 em nome de um V8 5.5 biturbo, o M5 perdeu dois cilindros, trocando o 5.0 V10 da geração anterior por um V8 ainda menor, com apenas 4,4 litros e, também, um par de turbinas. Sinal dos tempos.

Observando apenas os números absolutos, as trocas até que não foram nada ruins. Esses novos e modernos motores têm consideravelmente mais potência e torque do que aqueles que substituíram.

Enquanto o Mercedes oferece 557 cv e 81,6 kgfm (antes tinha 514 cv e 64,2 kgfm), o BMW agora gera 560 cv e 69,3 kgfm (na geração anterior eram 507 cv e 53 kgfm). Para completar, ambos têm outros dos mais atuais recursos para economizar combustível – com resultado melhor, nesse quesito, para o Mercedes. Os dois motores têm injeção direta, comando de válvulas variável tanto na admissão quanto no escape (com relações infinitas no Mercedes), recuperação de energia cinética nas frenagens e até sistema start-stop – que desliga e religa o motor de modo automático em breves paradas –, algo até há poucos anos inimaginável de ser usado em um superesportivo. O M5 ainda traz o sistema Valvetronic, de variação contínua de abertura e temporização das válvulas de admissão, também inédito em um BMW com o sobrenome M.

Tudo bem, os motores são poderosos, mas não basta que um sedã superesportivo desses ofereça uma aceleração brutal e lance você como um foguete estrada adiante. Hoje até alguns carros elétricos são capazes de fazer isso. Motores a combustão aspirados são inconfundíveis e, de certa forma, insubstituíveis, por sua personalidade marcante que quase sempre é prejudicada quando se usa a sobrealimentação: o famoso turbo lag atrasa as respostas aos comandos do acelerador, a força é enviada às rodas em baixas e médias rotações, em vez de crescer junto com o movimento do ponteiro do conta-giros, e a recirculação dos gases de escape acaba abafando um pouco o som do motor.

E é aí que a AMG, com experiência bem mais ampla em compressores e turbos que a M Sport, leva vantagem: a divisão esportiva da Mercedes conseguiu superar cada uma dessas questões. Logo ao dar partida no motor, o E 63 responde malcriado, com uma balançada da carroceria. As duas turbinas são soldadas diretamente no coletor de escape, não há a tradicional válvula blow-off e os dutos de ar são o mais curtos possível, quase eliminando o turbo lag. Para completar, sabendo exatamente o que evitar em um motor turbo, a AMG conseguiu fazer com que o sedã entregue toda a força para as rodas de modo mais visceral, brutal – com explosões de força, como se fosse uma paisagem de picos e vales, não como uma planície. Lembra muito mais um motor aspirado que um turbinado – e essa lembrança é reforçada por seu som extremamente grave, como o de uma tempestade de trovoadas que se aproxima. O que mais se destaca no motor do Mercedes é justamente o que falta no do M5: uma atitude mais “dramática”.

O BMW entrega toda a sua potência, também para as rodas traseira e por meio de um câmbio automatizado de sete marchas (com dupla embreagem, enquanto o do rival é multidiscos), de forma muito mais linear. É educado demais, executivo demais para sua proposta. O som do motor é um tanto mais abafado – principalmente na cabine – e o zumbido das turbinas lembra que elas estão lá. Além disso, há um bom turbo lag e aí, mesmo que depois ele dispare como um monstro, em um esportivo isso é irritante. Para completar, é verdade que todo o torque do BMW é fornecido a apenas 1.500 rpm, antes que no Mercedes, mas, nessa rotação, seu rival tem só 1 kgfm a menos disponível e a 2.000 rpm já entrega sua força máxima – nada menos que 12,3 kgfm maior. A diferença é todo o torque disponível em um Fiat 500. Considerando essa diferença, até que o M5 se sai bem no desempenho, perdendo a prova de zero a 100 km/h por apenas 0,2 segundo (4s4, contra 4s2 do E 63).

Essa diferença nos motores se estende, de modo análogo, para vários aspectos dos carros, a começar pela aparência. O Mercedes faz questão de mostrar, de longe e claramente, que se trata de uma máquina especial: as pinças de freio nas enormes rodas são vermelhas, há um belíssimo aerofólio de fibra de carbono e saída quádrupla de escape com ponteiras retangulares, logos V8 biturbo nas laterais e ressaltos espalhados pela lataria; enquanto isso, o BMW tem pinças azuis (independentemente da cor da carroceria), alguns logos M, rodas também aro 19 (20 opcionais) e escapes discretos. O M5, no visual externo, não se diferencia muito de um Série 5, e isso se repete na cabine – onde, mais uma vez, o E 63 tem mais personalidade. O BMW tem apenas bancos esportivos “M” e uma série de botões extras para controlar respostas do motor e do volante, rigidez dos amortecedores, agressividade das trocas de marcha e intromissão do controle de estabilidade – com duas memórias graváveis. Já o Mercedes tem tudo isso, inclusive botões adicionais (menos o do sistema de direção, e sem memória) e, ainda, pedaleiras em aço inoxidável, bancos mais esportivos e com contornos ajustáveis, volante “quadrado” coberto de Alcantara, além de alavanca de câmbio inspirada em aviões. Resumindo, o BMW é mais luxuoso e o Mercedes, mais esportivo. E isso se vê também na lista de itens: mais completa no BMW em conforto, não em segurança (veja abaixo). Mas, voltando ao que de fato importa nesses superesportivos, mesmo que sejam sedãs de luxo: como é, afinal, dirigi-los? Já falamos por que o motor do Mercedes é mais agressivo, com uma personalidade “aspirada” e explosões de força em oposição à linearidade e à polidez do M5; o mesmo se repete no visual e, mais uma vez, na dinâmica. O BMW é equilibrado demais. Tem uma precisão irritante, fazendo você saber exatamente como vai sair da curva e avisando com muita antecedência sobre qualquer tentativa de a traseira escapar. Você pode abusar e exagerar, que ele não vai deixar nada acontecer, mesmo com tudo no modo mais esportivo (exceto com o ESP totalmente desligado, claro). Isso o torna um carro mais fácil de guiar, que conquista um público mais amplo.

Mas é isso que se busca em um supersedã? Para completar, além de o aro do volante ser desnecessariamente grosso demais, o sistema de direção do M5 não permite sentir a pista, não comunica o que está acontecendo. E não adianta colocá-lo no modo mais esportivo: ele só fica mais pesado, artificial, não mais sensível ou direto. E o pior é que, no conforto, o M5 destoa dessa personalidade mais “fácil”. Coloque todos os acertos no mais confortável possível e, mesmo assim, ele é duro e esportivo demais.

E aí, mais uma vez, o Mercedes o supera. O curioso é que, embora o BMW tenha mais botões e ajustes, trabalha com menos tons que o rival. O E 63 é um carro de extremos. Consegue ser mais confortável, se assim você quiser, ou mais selvagem, se preferir. É mais difícil de guiar e bem mais desafiador, menos comportado e até um pouco mais perigoso – no bom sentido –, se é que você me entende. É como se o BMW fosse uma estrada reta e o Mercedes uma cheia de curvas. O que você prefere?