11/08/2020 - 7:55
Ayrton Senna quase correu pela Ferrari. Aqui, com informações exclusivas, explicaremos porque o plano deu errado. Mas, para explicar tudo que aconteceu, antes precisamos voltar no tempo. Estamos em julho de 1990, pouco mais de trinta anos atrás. A Fórmula 1 vive há algumas temporadas uma enorme e formidável rivalidade entre dois grandes campeões, Ayrton Senna e Alain Prost.
Ambos, nos últimos dois anos, estavam competindo, e quase sempre vencendo, na McLaren-Honda – além de lutando ferozmente entre si. O brasileiro, que acabara de se juntar à equipe, ganhou o Campeonato de 1988; o francês, que já havia sido campeão em 1985 e 1986 pela equipe de Ron Dennis, também venceu em 1989 graças ao incidente em Suzuka com Ayrton, que foi desqualificado logo após o final da corrida.
O clima ruim na equipe levou Prost a aceitar a oferta de Maranello, e mudar para a Ferrari no campeonato de 1990. Mas, para a Ferrari, “apenas” Prost não bastava. E, graças a Cesare Fiorio, um habilidoso funcionário da marca, a assinatura de Ayrton Senna foi colocada no final do contrato proposto a ele para se colocar a serviço da Ferrari na temporada seguinte.
Não foi uma negociação fácil, nem curta, porque, após um primeiro contato em Montecarlo, em 1989, Fiorio partiu para o ataque a Ayrton Senna na segunda-feira, 26 de março – imediatamente após o final do GP do Brasil, vencido por Alain Prost com a Ferrari.
“UMA ESCOLHA REALIZADA POR AGNELLI NÃO PODIA SER DISCUTIDA”
Piero Fusaro (presidente da Ferrari, 1988-1991)
A partir desse momento, foram mais de três meses para tecer o acordo que, envolvendo os principais astros da categoria, tinha que ser negociado tanto em termos de direitos – remuneração, benefícios, prêmio pela conquista do título, espaços para patrocinadores pessoais no macacão e capacete – quanto de deveres.
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Senna, como todos sabem, era uma pessoa que não desistia de nada: atencioso, meticuloso, perfeccionista e, acima de tudo, muito exigente. Em uma outra segunda-feira, 9 de julho, logo após o GP da França, como sempre vencido por Prost (nas corridas, coincidências não parecem aleatórias), Ayrton concordou com os termos do contrato que faria com a Ferrari e Fiorio, todo-poderoso no que se tratava de competições, chegou a enviá-lo ao comando da Ferrari – e, é claro, também o do grupo Fiat.
O presidente responsável por assinar o tal contrato era o engenheiro Piero Fusaro, dirigente da Fiat por longo e sólido período, que já havia sido chamado no passado por Enzo Ferrari para comandar a equipe do Cavallino – e que havia ascendido rapidamente em Lingotto na época de ouro de Vittorio Ghidella, dirigente que conseguiu levar a marca de Turim ao primeiro lugar entre os fabricantes europeus. Fusaro assumira a presidência da Ferrari em dezembro de 1988, após a morte do fundador, e respondia somente ao chefão, dono da Fiat, Gianni Agnelli e seu braço direito, o homem mais poderoso de todo o grupo, Cesare Romiti.
Até aí, os fatos são conhecidos, pelo menos desde que, apenas em 2011, Cesare Fiorio decidiu tornar pública essa negociação, que havia ficado escondida por mais de vinte anos, e trazer à luz o contrato apresentado e assinado por Senna. Fusaro ainda hoje é um modelo de dirigente sênior da “escola Fiat”, leal ao dever e de poucas palavras, porque sempre coloca a empresa em primeiro lugar, subordinando a ela todo o resto. Quanto ao motivo pelo qual ele não pegou sua caneta-tinteiro e fez este acordo funcionar, ele nunca deu sua versão, assim como nunca respondeu às numerosas, e muitas vezes venenosas, suposições que circulavam a respeito dele.
UMA NOVA REVELAÇÃO
Trinta anos depois, quando essas notícias já viraram história, o ex-presidente se manifesta abertamente e dá sua versão, com revelações de grande interesse, que lançam uma nova luz sobre a controversa história e tornam ainda mais doloroso o fracasso na conclusão deste acordo.
“O contrato já estava em minhas mãos”, revela Fusaro, “mas Alain Prost (que liderava o campeonato de pilotos, um título que a Ferrari perseguia desde 1979), subvertendo totalmente a hierarquia, solicitou uma reunião reservada com Agnelli, que aceitou seu pedido. Após a reunião, o piloto francês declarou oficialmente que havia sido confirmado para seguir na Ferrari na temporada de 1991. Naquele momento, fiquei surpreso e, respeitando a hierarquia corporativa, consultei Romiti sobre a assinatura a ser adicionada ao contrato de Senna, até porque todos sabiam que a confirmação de Prost na equipe excluiria automaticamente a possibilidade da presença do campeão brasileiro. Tal confirmação se basearia na decisão atribuída a Agnelli – que, desconhecendo a negociação com Senna, não poderia dizer outra coisa ao piloto francês, que concorria ao título mundial. Diante da tergiversação do chefão do grupo, tive que me segurar, também porque a mudança de Ayrton para a equipe Ferrari, universalmente conhecida e amada em seu país, certamente significaria um retorno muito positivo para a imagem da Fiat no Brasil, onde o grupo tinha importantes instalações industriais”. E acrescenta: “Era uma realidade que eu conhecia bem, pois no passado tinha, entre outras tarefas, responsabilidade sobre as empresas Fiat Auto na América do Sul, incluindo o Brasil, onde a marca era fortíssima. A repetida insistência, com considerações relativas ao apoio à ratificação de um contrato no qual faltavam apenas as assinaturas, continuou por certo tempo, culminando com um ‘não!’ e a confirmação de Prost – já que uma escolha que, certa ou errada, havia sido oficialmente atribuída a Gianni Agnelli, e por isso, não poderia ser colocada em discussão. A decisão final foi tomada pelo comitê executivo da Ferrari, composto por Romiti, Fusaro, Luca Cordero di Montezemolo e Piero Ferrari, que compartilhavam as decisões estratégicas da empresa e sempre foram informados da evolução desta história. Fiorio era constantemente colocado a par de tudo, com toda a estima e consideração que lhe foram reservadas até 1985, o ano em que, tendo, entre outras, também responsabilidade pela Abarth, eu o nomeei diretor geral antes de enfim chamá-lo para Ferrari.”
A revelação do engenheiro Fusaro lança luz sobre um dos maiores mistérios da F1 e é reforçada pela confirmação do próprio Romiti, que contatamos antes de publicar esta reportagem. Um epílogo que certamente não consolará os decepcionados ferraristas, mas que ao menos explica por que o acordo do século não foi concluído.
O MONOPOSTO DE 1991
O desequilíbrio do “caminhão vermelho”
Que Ferrari Senna pilotaria se tivesse mudado para a equipe de Maranello na temporada de 1991? O monoposto daquele ano, chamado internamente de 642, era uma evolução do 641/2 usado no campeonato anterior, com excelentes resultados, pois havia levado Alain Prost a vencer cinco GPs e disputar o título com Ayrton até a penúltima corrida (a disputa terminou com o acidente de Suzuka).
Ele foi, no entanto, um monoposto problemático, apesar da boa estréia em Phoenix, nos EUA, quando Prost conquistou o segundo lugar, logo atrás de Senna. Os defeitos que tinha, como explicou o diretor técnico da equipe Pierguido Castelli à Quattroruote, em uma análise lúcida para a revista italiana (nossa parceira), sobre o 643: “O 642 tinha acima de tudo um problema de instabilidade aerodinâmica: sua eficiência (razão entre a resistência dianteira e a downforce) era boa, mas limitada a uma configuração muito precisa. Cada variação de milímetros na altura do solo, devido à rugosidade das pistas, à inclinação delas ou ao esvaziamento dos tanques, correspondia a alterações no equilíbrio, com quedas acentuadas de aderência na dianteira ou na traseira”.
Apesar de todos os esforços, Prost e seu companheiro de equipe Jean Alesi não conseguiram boas colocações no pódio. A crise final eclodiu no Japão, onde Prost declarou, no fim da corrida, que parecia dirigir “um caminhão”: foi imediatamente demitido e substituído por Gianni Morbidelli, sexto colocado na Austrália. Prost, então, fez um ano sabático antes de retornar à Williams e conquistar o quarto título em 1993.