09/01/2015 - 11:07
As curvas do circuito de Mugello são intermináveis: depois de uma bem fechada à direita vem um S difícil, seguida de uma longa descida e mais uma sequência desafiadora. Logo atrás de mim, o motor da 458 urra. Passo sobre as zebras, ouço os pneus cantando e sinto o volante vibrar. Corrijo a trajetória, sem tirar os olhos da pista. Repito as voltas como se fossem um mantra, com o piloto de testes sentado ao meu lado. Devia temer por minha vida, tamanha a imprudência que toma conta de mim. Mas tudo bem, não há risco algum, pois estamos imersos em uma realidade virtual. Não se trata de um videogame, porém, mas de algo muito sério.
Estamos a bordo do simulador que a Ferrari utiliza para desenvolver seus carros de rua. É a primeira vez que alguém que não usa o crachá da marca põe os pés nesta santuário protegido por enormes portas herméticas fechadas. Uma jóia tecnológica que desde 2012 é usada para refinar o desempenho, o prazer de guiar, os detalhes técnicos – em suma, a alma de cada nova Ferrari que nasce. As informações aqui analisadas são extremamente confidenciais. Por isso, para nosso teste, tivemos de “nos contentar” com experimentar um modelo já conhecido.
Todas as características do novo carro – mecânica, configurações eletrônicas, acerto de suspensões e aerodinâmica – são inseridas no sistema, que configura o simulador como se fosse um carro de verdade e o coloca para percorrer muitos caminhos – das estradas de todos os cantos do mundo aos alpes Emília-Romanha – que os pilotos de teste d Ferrari usam habitualmente para desenvolver os carros.
O coração do simulador é uma plataforma eletro-hidráulica. Sobre ele é colocada uma cabine com assentos, painel de instrumentos e cockpit: falta só a parte mecânica, que é reproduzida virtualmente. Atrás dessa cabine, dois grandes amplificadores geram os sons, do motor do motor aos pneus cantando. A plataforma é impulsionada por três braços e se move sobre um colchão de ar, que elimina o atrito, em um octógono de cinco metros de largura – para dar ao piloto todas as sensações físicas de condução. Logo à frente, em uma tela 180o que rodeia a estrutura, três projetores transmitem imagens com uma perfeição quase absoluta.
“Desenvolvemos aqui todo o projeto da LaFerrari, que, com 22 sistemas de controle eletrônico, precisava de um bom ambiente de simulação para seus ajustes extremamente complexos”, explica Matthew Lanzavecchia, diretor de desenvolvimento de veículos, o setor da marca que mais se beneficia desse instrumento. “Usamos como base o simulador da Ferrari F1, mas com especificações próprias para torná-lo adequado aos carros de rua. “Antes do simulador, o carro passava por uma série de sistemas de cálculos”, acrescenta Stefano Varisco, engenheiro especializado em dinâmicas veicular. “Agora, os modelos matemáticos são integrados ao simulador, o que nos dá muito mais informações e permite desenvolver de forma conjunta mecânica, eletrônica e desempenho.”
O simulador também pode operar sem piloto, para rodar milhares de quilômetros e acumular dados, mas as fases mais cruciais requerem uma intervenção humana – e nem todos os humanos estão preparados para trabalhar com essa máquina. Demos apenas algumas voltas no circuito de Mugello, com o estômago querendo sair pela boca e coração batendo quase tão rápido quanto girava o motor. “O piloto precisa de um especial”, diz Raffaele De Simone, chefe dos pilotos de teste. “Ele começa com sessões rápidas ao volante e, aos poucos, vemos se o piloto será capaz de se adaptar.” Sim, pois para dar um feedback valioso aos engenheiros, os testadores devem aprender a sentir o carro no mundo virtual, o que não é exatamente a mesma coisa quer nas ruas. Eles devem desenvolver a sensibilidade para perceber a lacuna que existe entre uma simulação quase perfeita e a realidade. E os mais jovens tiram vantagem da familiaridade maior que têm com tudo que é digital. E é preciso preparo físico: há pilotos de Fórmula 1 que já usaram o simulador para substituir sessões de treinos nas pistas.
O simulador, portanto, é um instrumento extraordinário, que reduziu drasticamente o tempo de desenvolvimento de novos modelos, mas sem substituir o trabalho do afinamento fino feito pelos pilotos de Maranello. Na verdade, agora eles têm muito mais tempo para trabalhar a bordo dos carros para chegar ao perfeito equilíbrio entre emoção e performance.