A ideia de realizar um GP de F1 em Havana foi de Fulgêncio Batista, em 1957, quando os ventos revolucionários sopravam de Sierra Maestra. Lá se encontravam os membros do movimento de esquerda liderados por Fidel Castro. O presidente-general selecionou os melhores pilotos do mundo e pagou polpudos cachês para que fossem correr em Cuba. O ditador, que havia tomado o poder do país em 1940, pretendia passar ao mundo a imagem de que tinha a população sob seu controle. O argentino Juan Manuel Fangio recebeu US$ 7 mil para participar da disputa. Venceu a prova realizada em circuito à beira-mar. Gary Cooper e Ernest Hemingway, entre outras celebridades, prestigiaram a festa. Batista demonstrou que reinava soberano na ilha.

Naquele dia, Fulgêncio Batista havia suspendido a censura à imprensa para a cobertura da corrida. Por isso, jornais de todo o mundo noticiaram o sequestro

O acontecimento deu início à vitória do movimento de Fidel contra a ditadura

Depois do sucesso de 1957, era inevitável repetir o feito no ano seguinte. Mas os revolucionários preparavam uma ação que mudaria os rumos da história de Cuba e do automobilismo: o sequestro de Fangio. “Na verdade, pensamos em sequestrá-lo em 1957”, conta Manuel Nuñez, do Movimento Revolucionário 26 de julho. Hoje, com 82 anos, conserva uma memória prodigiosa: “Estávamos determinados a acabar com a festa que Batista queria celebrar sobre o sangue dos cubanos. Mas os planos foram precipitados e tivemos que deixar para o ano seguinte”, relembra. Fangio foi para a pista no sábado, 22 de fevereiro de 1958. Fez a pole e igualou o recorde de Stirling Moss. Durante o jantar no hotel, enquanto conversava com amigos sobre a estratégia para a corrida, o piloto foi abordado pelos revolucionários. “Éramos sete, com três armas. Manolo Uziel se aproximou de Fangio.”

Manuel Nuñez, um dos revolucionários. Acima, placa alusiva ao sequestro fixada no Hotel Lincoln

Angel Fernandez Villa mostra sua foto com Fidel Castro e outros integrantes do movimento

Ainda hoje, 50 anos depois do sequestro, os protagonistas da ação rebelde são lembrados como heróis pelo povo cubano

Nuñez segue seu relato: “Quando ele tentou se virar, Manolo advertiu que estava pronto para atirar. Na verdade, a ordem era arriscar nossas vidas, mas não tirar um fio de cabelo dele”, completa. “Mestre, venha conosco”, disse o sequestrador. Uziel colocou o piloto em um Plymouth preto e deveria levá-lo a um esconderijo seguro, mas, em vez disso, num ato de absurda ingenuidade, levou-o para sua casa, para apresentar-lhe a sua esposa e o filho – e conseguir um autógrafo.

Os carros vendidos até 1958 em Cuba são propriedade privada. Para comprar um novo, o cidadão deve pedir autorização ao governo, mas o carro é bem do Estado, sem revenda

“Naquele dia, Batista suspendera a censura porque esperava a repercussão da corrida. Em vez disso, foi humilhado em todo o mundo”, relembra Angel Fernandez Vila, hoje com 79 anos. Foi para seu apartamento que Fangio foi levado por Uziel. O argentino manteve seu conhecido sangue-frio durante todo o episódio e, anos depois, chegou a brincar: “Meu raptor era um péssimo piloto”. Vila levou o refém para outra casa, onde passou a noite. Na manhã seguinte, Fangio recebeu a visita de Faustino Perez, estrategista do grupo, que se desculpou pelo sequestro. O piloto ainda conversou longamente com Marcelo Salado e Oscar Lucero, que tentaram convencê-lo da causa. Se conseguiram, não se sabe, mas uma coisa é certa: Fangio nunca os denunciou e, sempre se referiu a eles como “meus amigos sequestradores”.

Batista deu ordem para que fosse dada a largada no segundo GP de Havana. Cinco voltas depois, o inexperiente cubano Armando Garcia Cifuentes perdeu o controle de sua Ferrari Testarossa e se lançou sobre os espectadores, matando sete e ferindo 31. A disputa foi encerrada com vitória de Stirling Moss e Masten Gregory, que lideravam a prova. Fangio ficou agradecido por não estar lá.

Acima, Lorenzo Verdecia, da associação Amigos de Fangio, em frente à casa onde Fangio passou a noite. Abaixo, a Maserati com a qual passeamos por Cuba, homenagem aos tempos em que o piloto corria com os carros da marca

Foram 27 horas sem derramar uma gota de sangue. “Interceptamos uma conversa da polícia que deixava claro que a intenção de Batista era matar todos, inclusive o Fangio”, conta Vila. “Com isso, ele culparia os rebeldes pela morte do ídolo”, completa. Batista deixou o poder meses depois. Fangio, no auge de sua carreira, abandonou o automobilismo naquele mesmo ano, sentindo o peso da idade. Os sequestradores se tornaram amigos do piloto e o visitaram diversas vezes em sua cidade natal, Barcarcel, na Argentina – onde fica o museu em sua homenagem e onde está se comemorando, em 2011, os 100 anos de seu nascimento.

O campeão aceitou o convite que Faustino Perez lhe havia feito em 1958 e voltou a Cuba em 1982, como presidente da Mercedes da Argentina (e o “amigo sequestrador” como ministro de Comércio Exterior de Cuba). Queria vender caminhões da marca ao país – proposta rejeitada por Perez. A Maserati? Ainda é um símbolo para os cubanos. Ao passear com nossa GranCabrio por Havana, ouvíamos os gritos… “Italiano! Fangio!”.

Ao lado e acima, Fangio, o primeiro pentacampeão de Fórmula 1, em plena ação em 1957, no circuito italiano de Monza. Muitos anos depois, o piloto voltaria a visitar Cuba, mas como presidente da Mercedes da Argentina