Partir de uma base comum, na qual se compartilham motor, chassi e transmissão e fazer dois produtos completamente diferentes, tanto na forma quanto no conceito. Os protagonistas deste grande desafio eram Ford e Fiat e os carros em questão, os novos Ka e Cinquecento. Esse tipo de colaboração entre montadoras não é uma novidade. Só para citar um exemplo, em 2005, a Toyota e o Grupo PSA se uniram para a construção de um modelo compacto que, com pequenas modificações, serviria para as três marcas. Assim nasceram o Peugeot 107, o Citroën C1 e o Toyota Aygo.

Mas no caso de Ka e Cinquecento a coisa era mais complicada. Apesar de dividirem a mesma plataforma, os carros não poderiam guardar semelhanças, pois pertenceriam a categorias diferentes e teriam preços distintos, mesmo sendo dois compactos. Como foi lançado antes, o Fiat levou vantagem, deixando a tarefa de se “diferenciar” para o Ford. “Fizemos o possível. Acredito que, olhando, as pessoas não devem perceber a origem comum”, afirmou André di Buduo, designer do projeto. Segundo ele, o trabalho foi dificultado porque o Panda também deriva dessa plataforma e é um carro alto e estreito, o que colocou amarras no design.

A tarefa de “fordilizar” o Cinquecento começou no chassi. As suspensões dianteira e traseira, respectivamente, com MacPherson e rodas interdependentes, ganharam duas barras estabilizadoras: uma clássica, na dianteira, e uma dentro do eixo de torção, na traseira. Automaticamente, as respostas às variações dinâmicas ficaram mais imediatas, o que possibilitou um acerto mais suave do conjunto molas/amortecedores.

O resultado é que o Ka apresenta uma excelente estabilidade sem torturar os passageiros com uma calibragem excessivamente rígida. Nesta dinâmica, o esterço desempenha um papel fundamental. Ainda com acionamento elétrico como no antigo Ka europeu, teve a gestão de seu software reprogramado e não prevê mais o modo City (que diminui o esforço em manobras), mas responde de forma mais precisa e direta.

Não é difícil reconhecer no Ka alguns elementos do recente Fiesta, mas internamente também é fácil perceber que o trabalho de aproveitamento do espaço foi ainda mais bem-feito, se comparado ao do irmão maior. Em relação ao Cinquecento, inclusive, o Ka oferece uma sensação de mais espaço (e de fato tem mais espaço), principalmente na região em frente ao passageiro dianteiro.

O painel côncavo não só alarga o espaço para as pernas (o que permite que se coloque o banco mais para a frente favorecendo o passageiro de trás) como também oferece lugar para um amplo porta-objetos do qual se sente falta no modelo da Fiat. No assento traseiro também há um pouco mais de espaço na altura, em razão de as linhas da carroceria serem menos arredondadas já que as do Cinquecento. E o bagageiro é maior e mais aproveitável que o do modelo italiano.

O modelo, que já começou a ser vendido na Europa, não deve chegar ao Brasil. Aqui, importado custaria caro demais. Lá, o Ka vendido até o final de 2008 era o mesmo lançado em 1996 (que chegou aqui em 1997). No velho continente, o modelo não sofreu nenhuma das duas reestilizações vistas aqui, ou seja, era exatamente igual ao que começou a ser vendido em meados dos anos 90. São 12 anos de sucesso e quase 1,5 milhão de unidades comercializadas.

Por isso, além de diferenciar o modelo em relação ao Cinquecento, a Ford precisava manter elementos do antigo carro, para que ambos tivessem alguma ligação visual. “Mantivemos a semelhança na posição das lanternas, no desenho da janela traseira, mas precisávamos fazer um produto coerente com o knetic design, que agora é a identidade estilística da Ford”, explica Andrea Di Buduo. Um belo trabalho.

NA EUROPA, O MODELO NUNCA TINHA SIDO REESTILIZADO

O painel central alto e comprido não é tão agradável quanto o do modelo lançado em 1996. Mas ainda há ousadia no Ka. Veja a maçaneta!

O NOVO KA É UM MISTO DE FIESTA, CINQUECENTO E PANDA

OPINIÃO PROFISSIONAL

“O painel, com câmbio alto proveniente do Panda, e com desenho estreito, não ficou tão bom quanto o do Fiat 500. O do antigo Ka era mais agradável. Na traseira, note (na linha vermelha traçada) que a Ford precisou colocar o vidro abaixo da linha de cintura por causa da arquitetura peculiar do Fiat Panda, que, aqui, comprometeria a visibilidade”

 

 

 

O designer Mike Robinson analisa a evolução de design do Ka atual ante o modelo de 2006: “o antigo Ford Ka era mais diferenciado”

 

 

 

“Na dianteira, novamente o chassi compartilhado com o Fiat Panda criou amarras e levou os designer a optarem por uma frente exagerada, quase de um SUV. Em contrapartida a grade do antigo Ka era “triste”. Essa frente ficou mais bem resolvida e em melhor sintonia com a traseira”