“Há quatro coisas que fazem a diferença na Fórmula 1: gerenciamento de pneus, potência do powertrain, aerodinâmica e suspensão. Se pneus e motores não mudam, os únicos elementos em que conseguimos trabalhar são os dois últimos. E a aerodinâmica será justamente o principal foco de mudanças nos monopostos a curto prazo”, diz Marcin Budkowski, ex-gerente técnico da FIA e atual diretor executivo da Renault Sport Racing – equipe que retornou ao Campeonato como fabricante em 2016 e ainda busca resultados positivos, como os de Fernando Alonso em meados da década de 2000.

O Mercedes W11 deu seus primeiros passos em Silverstone, antes dos testes coletivos em Barcelona. As mudanças aerodinâmicas introduzidas visavam principalmente resolver problemas de superaquecimento da unidade de potência que
ocorreram na última temporada

O 70º Campeonato Mundial de Fórmula 1, que só começou em julho e tem muito menos corridas devido ao coronavírus, teve poucas mudanças regulatórias. E a profunda revolução que se esperava para 2021 acabou sendo adiada para 2022, também por causa da pandemia.

Então, no que resta desta temporada da Fórmula 1 e da próxima, as equipes só podem trabalhar nos detalhes, melhorando, principalmente, a aerodinâmica dos carros. E com limitações: quanto melhor o resultado deste ano, menos a equipe poderá usar os túneis de vento no ano que vem.

O trabalho das equipes de Fórmula 1 na aerodinâmica será, portanto, um dos centros das atenções. É um campo que fala sua própria língua, com termos às vezes obscuros – cujo significado essencial lembramos nesta reportagem.

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COMO FUNCIONA

Utilizamos como “quadro negro” a mais nova arma com a qual Maranello disputa o título do mundial de pilotos, do qual sente falta desde 2007 (seu último título de fabricantes, no entanto, foi em 2008). O nome do carro é SF1000, uma alusão ao número de participações em GPs da Scuderia – a única que esteve presente em todos os Campeonatos Mundiais desde a primeira edição, em 1950.

Problema e/ou deleite para os designers, o estudo dos fluxos de ar já há algum tempo determina os resultados de uma temporada: alguns monopostos, como o BrawnGP de 2009 ou os inúmeros monopostos de Adrian Newey na Red Bull Racing, por meio dela abriram diferenças abismais em relação aos rivais (explorando também “áreas cinzentas” do regulamento).

O Red Bull RB16, com unidade de potência Honda, é resultado do bom trabalho de Adrian Newey. É caracterizado por um “nariz” bastante pronunciado e uma seção reduzida; a distância entre-eixos do carro foi aumentada em comparação com o monoposto usado em 2019

Também em Maranello, os engenheiros tiveram que trabalhar muito durante o inverno para explorar os limites dos monoposto de 2019 na Fórmula 1: ele era muito rápido na reta, mas tinha uma carga aerodinâmica menor nas curvas do que a dos rivais (sendo a Mercedes a melhor nesse ponto).

O SF90, de fato, era quase impossível de superar nas retas, mas perdia boa parte da sua vantagem nas seções mistas, também sofrendo em curvas rápidas. Esse é exatamente o desafio mais importante ao trabalhar com a aerodinâmica: garantir que se obtenha sempre a maior downforce possível.

Fórmula 1 aerodinâmica
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Mas não se pode exagerar no arrasto, a resistência ao avanço que penaliza a velocidade máxima e que, junto com a perda de pressão causada pela proximidade do carro à frente, dificulta as ultrapassagens. Um problema que Ross Brawn, Liberty Media e a FIA tentam remediar com outra mudança importante anunciada: o impedimento do aumento da downforce entre este campeonato e o próximo.

Escolha dolorosa

Mercedes e Ferrari, e também a Red Bull com motor Honda, estão nesta temporada, e estarão na próxima, com carros que, basicamente, são evoluções e refinamentos daqueles de 2019. Nariz, asas, flaps e defletores, estudados em túneis de vento com o CFD (sistema computadorizado de simulação de dinâmica de fluidos), tem mostrado papel importante nos resultados.

Porque quando o desempenho dos monopostos, como aconteceu no final do campeonato, fica muito próximo, tornam-se essenciais à vitória as estratégias e a capacidade dos pilotos de gerenciar a eficiência e degradação dos pneus (neste ponto, Lewis Hamilton e Sebastian Vettel ainda permanecem como mestres incontestáveis).

As mudanças radicais que eram inicialmente programadas para o ano que vem e vão acabar vindo em 2022 introduzem várias anomalias nesta temporada e na próxima. Por um lado, grande parte do trabalho aerodinâmico realizado para os monopostos nestes próximos 15 meses podem ser completamente inútil para os carros de 2022.

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Por outro lado, as equipes terão que fazer neste período, ao mesmo tempo, o desenvolvimento das máquinas usadas na pista e o novo design daquelas completamente diferentes, que serão usadas a partir da temporada de 2022.

Isso deve forçar as equipes a fazer escolhas, talvez até drásticas: se em algum momento destes campeonatos a situação do ranking estiver comprometida por desvantagens intransponíveis, é bem provável que algumas das equipes acabem decidindo não se comprometer demais com os carros deste ano e do próximo, dependendo de sua situação financeira, e alocar mais recursos para o aprimoramento dos seus futuros modelos.

Uma escolha que é dolorosa para o show na pista, mas compreensível, especialmente para equipes que não possuem recursos suficientes (financeiros e humanos) para acompanhar os dois projetos com igual comprometimento.

ALAIN PROST
A palavra do professor

Este obviamente está sendo um ano difícil para todas as equipes. Palavra de Alain Prost, quatro títulos mundiais de F1, mais de 500 participações em GPs como piloto, gerente de equipe e consultor de outras, agora diretor não-executivo da Renault. “A complicação deriva da necessidade de dividir os recursos entre desenvolvimento do monoposto para a atual temporada e o design da mesma para 2022. Além disso, não está nada fácil para os pilotos manter sua concentração alta.”

Hamilton ainda é o favorito? “Ao vencer todos os anos há algum tempo, poderia estar desmotivado, mas Lewis mostrou que quer – e deve – alcançar o sétimo título, como Schumacher, e este é um estímulo importante; ele conta com o apoio total da equipe, mas os adversários são jovens e algumas equipes cresceram muito.

Quanto à Ferrari, ela terá que gerenciar bem seus pilotos.” [e melhorar seu carro, como estamos vendo]. Prost diz que Esteban Ocon, chamado para substituir Hülkenberg na Renault, “faz parte de uma nova geração de jovens pilotos franceses, já maduros e com alto potencial; não foi escolhido porque era francês, o que é particularmente apreciado pela Renault, é claro, mas porque já tem experiência na F1, conhece o time e também já pilotou para a Mercedes.”