O piloto Pastor Maldonado (Wiiliams) segue atrás do carro de Paul Resta (Force India) em Jerez. O que será que o piloto venezuelano está respirando?

Bernie Ecclestone se orgulha de a gasolina da Fórmula 1 ser mais “verde” que a comum. jean Todt, presidente da Federação Internacional de Automobilismo (FIA), quer impor uma redução drástica no consumo a partir de 2014. Fala-se em 40% de economia. Para percorrer os 300 quilômetros médios de um Grande Prêmio seriam usados 140 litros de gasolina, em vez dos 230 atuais. Para isso, terá que haver um enorme salto tecnológico, considerando que a potência dos carros deve se manter em cerca de 750 cv. Os motores de oito cilindros com 2,4 litros darão lugar a unidades 1.6 turbo, e será permitido aos construtores recuperar toda a energia possível com os sistemas de recuperação de energia (ERS), não limitando mais a recarga da bateria apenas às fases de frenagem. Haverá, assim, uma corrida para buscar novas tecnologias que, com o tempo, serão muito úteis para os carros de produção em massa contribuindo para a redução geral na emissão de gases nocivos. Um objetivo ambicioso para os engenheiros. Hoje downsizing (redução do tamanho dos motores sem comprometimento da eficiência) é a palavra de ordem.

CONTRADIÇÃO

Esse é um cenário previsto para o futuro. O presente, no entanto, é muito menos encorajador – ou, dependendo do ponto de vista, até vergonhoso. Charlie Whiting, diretor-técnico da FIA, proibiu este ano que os gases de escape fossem soprados no difusor traseiro também na fase de desaceleração do motor. O que acontece é simples: quando o piloto tira o pé do acelerador, a borboleta não fecha e as válvulas de admissão e escape permanecem abertas. Com uma oportuna inibição da ignição das velas (ao menos uma das quatro) a explosão da mistura ar/combustível não ocorre mais na câmara de combustão (porque isso liberaria mais potência para as rodas), mas na primeira secção do escape, em um fenômeno de pós-combustão semelhante ao que ocorre em jatos, em mísseis e em dragsters.

Adrian Newey, projetista da equipe Red Bull Racing, de modo genial, transformou em qualidade o que, na verdade, era uma falha do motor Renault. Para garantir a confi abilidade do V8, o técnico de Viry-Châtillon decidiu usar o comburente (mistura de ar e gasolina) para arrefecer a parte superior do propulsor. Uma boa escolha para aumentar a vida útil da unidade (cada piloto pode usar apenas oito motores em uma temporada com 20 GPs), mas que fez aumentar o consumo em até 5%.

Newey foi capaz de transformar essa energia extra em vantagem aerodinâmica. Soprando o gás para o ponto onde “nasce” o difusor traseiro, o britânico conseguiu aumentar a carga aerodinâmica (o downforce) do bólido RB7 a ponto de tornar o carro de Sebastian Vettel quase imbatível.

Esse fenômeno foi notado no GP do Brasil: a RB7 de Vettel, por exemplo, registrou uma póscombustão que durou cerca de seis segundos, depois da junção, na subida para a reta dos boxes; o sistema, portanto, trabalhou durante três quartos da longa curva de Interlagos. Logo os adversários descobriram seu segredo e passaram a copiá-lo, ganhando também cerca de um segundo por volta – uma enormidade para os padrões da F-1.

A FIA, desde então, reafirmou a proibição de usar o motor para melhorar o desempenho aerodinâmico e vetou o sopro do ar quente no difusor, impondo que nos monopostos de 2012 a descarga dos gases de escape fosse feita bem atrás, no fundo do carro, com uma sensível perda da carga posterior. A Federação, portanto, teve o cuidado de limitar o desempenho, evitando essa “perversão mecânica” que só servia para melhorar a aerodinâmica.

UM NOVO TRUQUE

Para assegurar atingir sua meta, a FIA proibiu mapeamentos “extremos” da centralina, que ajudavam no “truque”. No entanto, isso não resolveu o problema real, porque o sopro do escape, claro, não foi abolido. Os engenheiros estão estudando como recuperar, ao menos parcialmente, essa energia toda que não pode mais ser canalizada para o difusor. Uma equipe resolveu desviar os gases para a asa traseira, recuperando ao menos 30% da carga perdida antes de começar a temporada 2012.

Sabe qual será o efeito? Teremos carros mais poluentes, contrariando a campanha “Make Car Green” (carros mais verdes), com a qual a FIA, junto com os fabricantes, quer reduzir o impacto dos automóveis no ambiente sensibilizando os jovens para adotarem uma forma de dirigir mais ecológica. Assim, a Fórmula 1, que é a expressão máxima da tecnologia automotiva, pode acabar sendo um exemplo muito negativo.

ESTRANHO DESINTERESSE

Considerando que os F-1 usam gasolina verde, sem chumbo, que seu V8 gira a 18.000 rpm e não está ligado a um catalisador, é lícito questionar a quantidade de poluentes que são liberados na atmosfera por esse monte de combustível que não sofre uma queima completa. A reportagem pretendia publicar os números exatos, mas todos os especialistas que consultamos preferiram não arriscar. Um sinal evidente de que o tema é quente.

Mas Paolo Massai, grande especialista em motores (projetou o V12 da Ferrari no início dos anos 1990), não tem papas na língua e nos deu algumas pistas.

UM BÓLIDO DE F-1 EMITE GASES POLUENTES NA ATMOSFERA COMO UM CARRO DOS ANOS 70. OU SEJA, CERCA DE 150 VEZES MAIOR QUE UM MODELO ATUAL

“As emissões de um F-1 atual são comparáveis àquelas de um carro comum nos anos 1970, cerca de 150 vezes maior que a de um carro atual. E a cilindrada de um F-1, de 2,4 litros, é bem maior que a da média dos carros. Em resumo, uma monstruosidade!”, explica. “É verdade que há apenas 24 carros na pista, mas os efeitos dos gases não queimados são altamente nocivos. Os projetistas se preocupam com a queima perfeita na câmara de combustão para que diminua a emissão de gases poluentes, é claro, mas com o combustível não queimado liberado nos canos de escape a coisa é bem diferente”, completa Massai.

Na temporada de 2012, a Ferrari (na foto, o monoposto de Felipe Massa) parecia ter tido uma súbita melhora de desempenho. Mas, nas primeiras provas, problemas aerodinâmicos apareceram

A Pirelli, fornecedora de pneus, tem feito sua parte para ajudar a tornar a F-1 mais ecológica, trabalhando no desenvolvimento de compostos mais duráveis e baixando os tempos

Resumindo: o quadro é muito preocupante, especialmente se considerarmos que um piloto pode passar boa parte de uma corrida colado à traseira de outro carro. Além disso, é estranho que um motor não sirva apenas para produzir torque ou potência, mas se torne um instrumento aerodinâmico cujo “hálito” é bastante prejudicial àqueles que o respiram. É possível que a Fia não tenha levado esse tema para a equipe de Charlie Whiting? Todos sabem que a segurança sempre foi prioridade da FIA – e a saúde dos pilotos e espectadores é o único argumento que pode levar a uma mudança de regras sem aviso prévio. Não se sabe ao certo o efeito que esses gases podem ter sobre quem está na arquibancada, mas é surpreendente que, no ano passado, ninguém tenha tocado no tema.

Em 2011, o projetista da Red Bull descobriu como aproveitar combustível não queimado para melhorar a aerodinâmica do carro, tornando o bólido de Vettel quase imbatível