Estávamos no início 1993, mais precisamente em janeiro. O ano estava só começando. Eu, Douglas Mendonça, e meus companheiros de trabalho e amigos, Eduardo Pincigher e Bob Sharp, tínhamos uma grande missão: mostrar aos nossos leitores, em números e resultados, qual era o melhor esportivo nacional entre as três grandes fabricantes do nosso mercado. As estrelas: Gol GTi, Kadett GSi e Escort XR3.  

Foto: Marco de Bari/Quatro Rodas

Eu assinaria a matéria. Mas, pela grandiosidade do trabalho, deveria contar com a ajuda dos dois experientes jornalistas, e também pilotos, para chegarmos a uma conclusão definitiva de qual era o melhor esportivo brasileiro. 

Nesta época, o valente motor do Gol GTi, um 2.0 de 8 válvulas, era destaque pelo torque abundante desde as baixas rotações, e movia com facilidade a leve carroceria do Golzinho esportivo. O carro era absolutamente equilibrado, facílimo de ser pilotado, até mesmo por inexperientes motoristas. Uma delícia!  

No Kadett GSi, a GM ainda mantinha fresca as novidades como a injeção eletrônica em seu motor 2.0, além de um reescalonamento nas relações de marchas do câmbio. Realmente essas mudanças fizeram do antigo Kadett GS, um verdadeiro GSi. O Chevrolet também ostentava o motor mais potente nessa briga de titãs, um 2.0 de 121 cv, contra apenas 112 cv do Gol GTi. Mas, como sabemos, a maior potência não é sinônimo de maior desempenho em um carro, principalmente em um esportivo. Outros fatores acabam pesando.      

Finalmente tínhamos nesse comparativo, a verdadeira estrela para quem gosta de esportividade: o Escort XR3 chegava tinindo com uma nova carroceria de design supermoderno, e, no cofre, um motor semelhante ao do Gol GTi.  

Foto: Cláudio Larangeira/Quatro Rodas

Eu explico! Na época do lançamento do XR3 de segunda geração, ainda existia a Autolatina, uma empresa que fundia interesses entre Volkswagen e Ford. Nessa parceria, eles trocavam entre si carrocerias, plataformas e mecânica. Muito produto feito na fábrica da VW era vendido nas concessionárias Ford com marca americana impressa nos carros alemães, e vice-versa.  

O novo XR3 tinha carroceria do Ford recém-lançado na Europa, mas com o motor e câmbio da VW. O interessante é que no Escort, o mesmo motor do GTi desenvolvia 3 cv a mais, graças à disposição transversal, que, nesse caso, ainda resultava em novos coletores de admissão e escapamento, melhorando a performance. 

Pois bem, vamos voltar agora para o início do ano de 1993, quando avaliamos os três esportivos. Além dos testes convencionais (aceleração, velocidade máxima, retomada de velocidade, aderência lateral em curvas, consumo de combustível na estrada e na cidade), resolvemos levar os esportivos para o Autódromo de Interlagos, um ambiente bem propicio para essas feras.  

Foto: Marco de Bari/Quatro Rodas

Depois que fizemos todos os trabalhos de pista medindo o tempo de volta de cada carro com cada piloto, no final do dia, o experiente piloto Bob Sharp sugeriu uma “corridinha” entre os três. Emparelhamos os esportivos na linha de largada. De comum acordo, eu pilotava o Gol GTi , Pincigher pilotaria o Kadett GSi e o Bob ficaria ao volante do novo XR3.  

Largamos os três ao mesmo tempo, mas o GTi, mais leve, chegou na frenagem do S do Senna já com um carro de vantagem sobre os seus adversários. Percebi, logo de cara, que seria uma barbada para o Gol GTi! A nossa corrida de compadres seria de apenas uma volta, e quem a completasse primeiro, seria declarado o vencedor. Na descida da curva do lago eu já tinha mais de dois carros sobre o Kadett GSi, que nessa altura do campeonato, já começava a se livrar do XR3, terceiro colocado.  

Pelo visto, eu não encontraria dificuldades em dar a vitória para o Gol GTi, afinal de contas o mérito era todo do carro alemão. Ao volante, eu não tinha habilidade superior ao dos meus parceiros. 

Foto: Cláudio Larangeira/Quatro Rodas

Mas, sabe aquela história da ganância? Pois bem, eu querendo abrir uma distância ainda maior para o segundo colocado Kadett, fui além da conta na curva do Laranjinha, e perdi a traseira. O Gol GTi atravessou, mas como é um carro dócil e fácil de pilotar, um contra-esterço recolocou o VW na trajetória.  

O problema é que perdi muito tempo nesse descontrole, e o Kadett, que estava quase a três carros atrás, teve a oportunidade de praticamente me ultrapassar. Edu Pincigher, guiando o Chevrolet, quando viu o Gol GTi atravessando, viu a oportunidade de tomar a liderança. Acelerou forte o Kadett e, adivinhem? Também atravessou! No final, ele perdeu o mesmo tempo que eu, recolocando seu GSI na trajetória.  

A vantagem dos três carros foi mantida pelo Gol GTi. O restante do circuito da pista foi feito de boa, com os pés nas costas. Percebi que seria bobagem forçar, com risco de cometer outro erro. Cruzei a linha de chegada com quase quatro carros de vantagem sobre o Kadett GSi.  

Foto: Marco de Bari/Quatro Rodas

Você deve estar perguntando: “cadê o XR3?” Na realidade, esse Ford era um pré-série e apresentava um sério problema de soltar a borracha da barra estabilizadora quando era muito exigido. Segundo os relatos do Bob Sharp na época, logo na segunda ou terceira curva, a barra estabilizadora dianteira soltou-se e o carro ficou completamente desequilibrado, dificílimo de ser conduzido esportivamente. Uma pena!   

Esse pequeno tira-teima mostrou, na realidade, quem era o rei das pistas e para nós jornalistas especializados. Ali ficou mais do que claro que, antes de potência de motor, fala mais alto o equilíbrio em curvas e frenagens, e a rapidez das retomadas de velocidades nas saídas de curvas. E o Gol GTi, equilibrado e com bom freio, chegava rápido nas tomadas de curva. Era a receita perfeita de um esportivo de estirpe.