Os salões anuais do automóvel da China se tornaram a principal vitrine do mundo para a ascensão de veículos elétricos chineses de alta tecnologia, cada vez mais baratos, no maior mercado de automóveis do mundo.

Mas o salão do automóvel de Xangai foi aberto nesta quarta-feira em meio à incerteza de toda a indústria sobre como a guerra comercial entre EUA e China poderia minar a demanda e prejudicar as cadeias de suprimentos, já que cerca de 70 montadoras lançaram mais de 100 novos modelos, em um mercado concorrido.

As montadoras também enfrentaram uma repressão do governo chinês, anunciada na semana passada, à comercialização de sistemas de direção inteligente, que muitos executivos do setor veem como o próximo campo de batalha tecnológico no país.

As empresas adotaram uma mensagem de segurança na feira, depois que os reguladores proibiram termos como “direção inteligente” e “direção autônoma”. As regras surgiram após um acidente fatal com um Xiaomi em março, um veículo elétrico popular de marca chinesa, envolvendo o sistema de assistência ao motorista do carro.

A Xpeng, que promove sua tecnologia de assistência ao motorista orientada por inteligência artificial, disse que lançaria um “campo de treinamento” de segurança para motoristas.

“Vamos enfatizar os limites de capacidade das funções de assistência ao motorista para garantir a segurança”, disse o CEO da Xpeng, He Xiaopeng, aos repórteres.

Já os impostos de importação de 145% do presidente norte-americano Donald Trump sobre produtos chineses — e as tarifas retaliatórias de Pequim — reduziram as previsões de crescimento global. As montadoras chinesas também enfrentam tarifas da União Europeia.

Quando o salão do automóvel começou, nesta quarta-feira, grupos da indústria automobilística dos EUA enviaram uma carta a Trump pedindo a revogação das tarifas de 25% sobre peças automotivas importadas, alertando sobre o aumento dos preços dos veículos e a queda nas vendas.

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SINAIS DE PROBLEMAS

A demanda por veículos na China se manteve estável até agora neste ano. As vendas de automóveis até março aumentaram 12,5%, com ganhos liderados pelas duas maiores montadoras da China, a BYD e a Geely.

Mas há sinais de problemas. Carros chineses já estavam praticamente banidos do mercado norte-americano antes da última onda de tarifas de Trump. As montadoras chinesas podem sofrer com a queda da demanda se a economia do país oscilar ou se Washington pressionar outros parceiros comerciais dos EUA a restringir o comércio com a China.

As tarifas de Trump sobre a China impactam montadoras em todo o mundo. A japonesa Nissan, por exemplo, planejava exportar até 200.000 veículos anualmente de fábricas chinesas, já que suas vendas naquele mercado despencaram nos últimos anos.

Agora, a montadora não pode exportar esses veículos para os Estados Unidos, um dos seus maiores mercados.

“Não sei quão ruim a situação vai ficar. Não sei quão extremas algumas pessoas ou alguns governos vão se tornar”, disse Stephen Ma, chefe da Nissan na China e ex-CFO. “Embora eu tenha vivido e trabalhado nos EUA por muito tempo, eu não poderia ter previsto isso.”

A guerra comercial de Trump também está chegando mais perto de casa. A Tesla, administrada pelo aliado de Trump, Elon Musk, suspendeu os pedidos do Model S e do Model X por causa das contratarifas da China e interrompeu algumas importações de peças de origem chinesa para os veículos.

DIREÇÃO ASSISTIDA

As montadoras chinesas, lideradas pela BYD, têm comercializado agressivamente sua tecnologia de direção assistida. Ela vem sendo oferecida a um custo menor — ou gratuitamente — para que a companhia ganhe uma vantagem competitiva.

“Eletrificação” foi a primeira fase do desenvolvimento da indústria automobilística chinesa, disse Bo Yu, especialista em mercado chinês da empresa de pesquisa Jato Dynamics. “Agora, tudo se resume ao que chamamos de ‘smartificação’.”

A BYD desafiou recentemente os concorrentes ao oferecer gratuitamente a tecnologia de direção assistida “God’s Eye” (Olho de Deus) em toda a sua linha. Mas omitiu qualquer menção à tecnologia nas coletivas de imprensa em Xangai, onde revelou os modelos de baixo custo Seal 06 e Sealion 06, além de modelos de luxo.

O CEO da Xpeng, He, disse em coletiva de imprensa em Hong Kong, antes do evento, que pode levar uma década ou mais para que a indústria desenvolva com segurança sistemas de direção totalmente autônomos, que enfrentam grandes obstáculos regulatórios e legais.

Yale Zhang, da consultoria Automotive Foresight, sediada em Xangai, elogiou a cautela em relação à tecnologia autônoma.

“Não importa quão avançada seja a tecnologia”, disse. “Ela não tem sentido se causar vítimas.”

VELOCIDADE DA CHINA

O mercado hipercompetitivo da China continua sendo um campo minado para marcas estrangeiras.

Matt Noone, executivo de design da Buick da General Motors, disse que a marca se esforçou para acompanhar a velocidade e a capacidade tecnológica das montadoras chinesas.

“O alarmante neste evento é a enorme quantidade de tecnologia e conteúdo que está sendo oferecida aos clientes a um preço tão baixo”, disse ele, referindo-se aos recursos de direção assistida em veículos chineses de entrada. “Como vocês ganham dinheiro com isso?! Vocês estão ganhando dinheiro com isso?”

A Volkswagen, que já foi a marca de automóveis de passeio mais vendida na China, viu suas vendas caírem 6% no primeiro trimestre. A montadora alemã revelou o primeiro de cinco modelos VW e Audi nesta quarta-feira, sob um banner eletrônico com os dizeres “CHINA SPEED” (Velocidade da China).

A Cadillac da General Motors exibiu uma linha de modelos totalmente elétricos: Lyriq, Optiq, Vistiq e Escalade IQ.

“Isso mostra que a GM vê a Cadillac como sua melhor aposta para retornar à China em grande estilo”, disse Tu Le, fundador da consultoria Sino Auto Insights.

Mas a GM, disse ele, terá que vender o Cadillac na China por menos do que nos EUA.

Marcas estrangeiras enfrentam um grande desafio para alcançar seus concorrentes chineses, disse Andrew Fellows, chefe global de automotivo e mobilidade na consultoria de tecnologia Star.

“As montadoras ocidentais dormiram durante a pandemia, enquanto os chineses embarcaram na revolução dos veículos elétricos”, disse. “Elas vão ter dificuldade para desbancar as montadoras locais.”