27/12/2025 - 16:00
A trajetória do MP Lafer começa fora do universo automotivo. Nos anos 1970, Percival Lafer era proprietário de uma bem-sucedida indústria de móveis, reconhecida pela qualidade e com produção voltada inclusive à exportação. Atento ao mercado internacional, ele passou a observar o crescimento, especialmente nos Estados Unidos, de um nicho dedicado a carros clássicos e réplicas. Faltava apenas definir qual modelo serviria de base para essa empreitada.
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MP Lafer era inspirado no MG TD
A resposta surgiu de forma inesperada. Em um dia comum de trabalho, um de seus funcionários, João Arnaut, chegou à fábrica conduzindo um MG TD 1952, clássico inglês de linhas marcantes e personalidade própria. Sem o veículo habitual, João havia usado o carro que dera de presente à esposa, Ivone Arnaut. Ao ver o pequeno roadster britânico, Percival se encantou imediatamente. Depois de negociar com o casal, adquiriu o MG, desmontou-o completamente e, a partir dele, extraiu os moldes que dariam origem à carroceria da futura réplica nacional.
Mecânica? Fusca!
O projeto ganhou viabilidade técnica quando se constatou que a distância entre-eixos do MG TD era muito próxima à do VW Fusca. Enquanto o inglês media 2,38 m, o Fuscão tinha 2,40 m. A semelhança permitiu que a carroceria fosse aplicada diretamente sobre o chassi-plataforma da Volkswagen, solução simples e eficiente que se mostrou decisiva para o nascimento do MP Lafer.

Naturalmente, adaptações importantes foram necessárias. O conjunto original do MG, com motor dianteiro longitudinal arrefecido a água e tração traseira, foi substituído pela conhecida mecânica Volkswagen. O motor boxer traseiro, refrigerado a ar, passou a dividir espaço com o câmbio na parte posterior do carro. Um detalhe curioso é que o radiador dianteiro do MG acabou transformado no tanque de combustível do MP Lafer. No lugar de água, a tampa frontal passou a receber gasolina.
Dinâmica afetada
Essa configuração trouxe consequências dinâmicas. A dianteira longa e praticamente vazia virou porta-malas, enquanto motor, câmbio, motorista e passageiro concentravam grande parte do peso sobre o eixo traseiro. Em velocidades mais altas, a frente tendia a ficar leve, efeito intensificado pela entrada de ar sob os para-lamas dianteiros, o que comprometia o comportamento em estrada.

O posicionamento dos ocupantes também chamava atenção. Motorista e passageiro se sentavam praticamente onde estaria o banco traseiro do Fusca. Para viabilizar essa solução, pedaleira, alavanca de câmbio e freio de estacionamento foram recuados, enquanto a coluna de direção foi alongada. Mesmo sem se destacar pelo desempenho dinâmico, o MP Lafer compensava com sobra no visual. O charme das linhas clássicas conquistou o público brasileiro e também compradores no exterior, já que o modelo foi exportado para os Estados Unidos, países da Europa e até o Japão.

Como começou…
O primeiro protótipo, construído em 1972, utilizava integralmente a mecânica do Fuscão. Ele foi apresentado no Salão do Automóvel daquele ano e teve como garoto-propaganda Emerson Fittipaldi, recém-coroado campeão mundial de Fórmula 1. O piloto, inclusive, esteve entre os primeiros proprietários do modelo.
Com a autorização da MG inglesa para produzir a réplica do TD, concedida em 1973, a produção teve início no começo de 1974. Inicialmente, o MP Lafer utilizava chassi de Fusca, motor 1500 com um carburador e câmbio de quatro marchas. No segundo semestre daquele ano, o conjunto foi atualizado com o motor 1600 do recém-lançado Volkswagen Brasília. Pouco depois vieram a dupla carburação, nos moldes da linha 1975 do Brasília, e os freios dianteiros a disco.

MP Lafer em cena do ‘007 Moonraker’
Gravado no final dos anos 70, o filme ‘Moonraker’, da trilogia ‘007’, do espião James Bond, teve um MP Lafer como ator coadjuvante. Explico: parte da história se passava no Brasil, mais precisamente em Copacabana, no Rio de Janeiro, e, numa das cenas, James Bond é perseguido por uma espiã brasileira, que dirige…um MP Lafer! Ainda que a aparição do carro tenha durado menos de 1 minuto no total, sempre pela beira da praia carioca, marcou a presença de um fora-de-série nacional numa das sequências de filmes mais veneradas pelo mundo.

O tal carro utilizado nas gravações, um MP branco de ano 1978, pertencia à própria fábrica, e foi cedido pela própria fabricante, sem acordos comerciais nem coisa do tipo. Há quem diga que, depois, ele foi vendido normalmente ao grande público, se perdendo país afora. De qualquer forma, não faltaram registros fotográficos de Roger Moore, o ator do espião James Bond, ao lado do carro brasileiro.
Atualizações

Ao longo dos anos, o modelo passou por atualizações pontuais. As portas do tipo suicida foram substituídas por portas convencionais por exigência do Contran. As janelas laterais traseiras deixaram de ser plásticas com abotoamento e passaram a ser de vidro. Em algumas versões, como a TI, grade e para-choques passaram a ser pintados na cor da carroceria. Já na linha 1985, as rodas exclusivas deram lugar às rodas raiadas fornecidas pela Mangels, entre outras alterações evolutivas.
Na metade dos anos 1980, Percival Lafer tentou dar um novo passo no projeto. A ideia era melhorar a distribuição de peso e o comportamento dinâmico adotando um motor dianteiro arrefecido a água. Assim nasceu o protótipo MD-270, equipado com motor Volkswagen da linha Gol, Voyage, Parati e Saveiro, de 1,6 litro. O câmbio, porém, permaneceu na traseira, junto da tração. Para ligar motor e transmissão, foi desenvolvido um sistema de cardã.

Apesar da melhora no equilíbrio do carro e na dinâmica, o aumento de custos inviabilizou a produção em série. O protótipo permaneceu único e acabou sendo utilizado como carro de uso pessoal de Percival Lafer. Além disso, outros projetos, como o do sedan Lafer LL, com motorização de Opala, estiveram nos planos da empresa.
Produção (e o fim dela)
A produção do MP Lafer foi encerrada em 1990, impactada diretamente pela reabertura das importações no Brasil. Naquele período, o preço de um MP equivalia ao de três Fuscas, enquanto veículos importados ofereciam tecnologia mais avançada por valores inferiores. Com isso, a Lafer deixou o setor automotivo e voltou a concentrar esforços na fabricação de móveis de alto padrão para o mercado interno e externo.

Entre 1974 e 1990, cerca de 4.300 unidades do MP Lafer foram produzidas, sendo aproximadamente 1.300 destinadas à exportação.
Curiosidades
O modelo também carrega curiosidades que reforçam sua identidade. A sigla MP vem de “Móvel Patenteado”, nomenclatura utilizada pela Lafer em seus catálogos para identificar peças com patente própria. Internamente, a sigla acabou sendo adotada para batizar o automóvel, que não poderia usar o nome MG (Morris Garages).

Outra história curiosa do MP Lafer envolve seu fim da produção. Em 1990, Percival Lafer determinou que todo o ferramental utilizado na fabricação das carrocerias fosse enterrado nas dependências da antiga fábrica, onde mais tarde seria construído um grande supermercado. Atualmente, aos 89 anos, Percival segue atuando diariamente na empresa, como diretor e designer de móveis.
