Uma recente reportagem-denúncia em São Paulo ataca a “indústria da multa”: segundo ela, a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego da capital paulista) tem imposto metas de multas e pressionado seus agentes de trânsito para que multem mais carros.

Nas redes sociais – sempre elas – as pessoas começam imediatamente a vociferar contra a CET, criticando uma suposta “indústria da multa”, indignadas com esse “absurdo”, como se a CET e a prefeitura só estivessem interessadas no dinheiro arrecadado com multas – e não com a segurança da população e o cumprimento das leis de trânsito, exatamente o motivo pelo qual existe a CET e suas similares em outros municípios.

Vamos ver o que dizem as tais fontes da rádio? Diz a primeira: “Depois que teve troca de chefia, começou um terrorismo em cima da gente, querendo resultado em cima de autuação. Chegou ao ponto que, numa reunião, nos disseram que a única forma de segurar a gente era mostrar resultado de multa”

Ora, a fonte não citou uma meta de  “X multas por dia”. O que disse pode ser interpretado de várias maneiras. Uma é “chegou um chefe novo e teremos de fiscalizar melhor. Se não cumprirmos bem nossa função, podemos até perder nossos empregos”.

Outra fonte da rádio “denuncia” que “antigamente se trabalhava com duas empresas, cada uma empregando dez guinchos e ainda dividindo a frota com a Polícia Militar. Hoje, a CET sozinha está com 30 guinchos, e como os contratos são milionários, é preciso guinchar para justificar os custos. Então existe uma meta de 120 guinchamentos por dia.”

O que essa segunda fonte diz é absurdo. Basicamente reclama que houve investimento em um investimento pesado na frota de guinchos ESSENCIAL à atuação da CET. Não importa se são contratos milionários – há milhões de veículos nas milhares de ruas de São Paulo. E se pensarmos bem, 30 guinchos ainda é pouco.

Agora a fonte cita uma suposta meta de guinchamentos, mas a questão é saber como esse número foi anunciado. O número de 120 guinchamentos por dia é obrigatório ou é uma expectativa? Se for mesmo uma meta, é errado; no segundo caso, não há problema.

Afinal, é preciso guinchar para justificar o custo dos guinchos ou é preciso guinchar para desobstruir as ruas?

Agora que tal falarmos um pouco da realidade?

Nas minhas idas e vindas por são Paulo, vejo muitos carros estacionados em local proibido (“só cinco minutinhos”), dirigindo falando ao celular e cometendo barbaridades.

Considero que essas pessoas não estão sendo multadas o suficiente por suas infrações para manterem esses maus hábitos. E certamente não estão sendo multadas naquele momento, porque o carro está estacionado no caminho e o agente da CET não está ali.

Na Rua Clélia, na zona oeste da cidade, por exemplo, a faixa de ônibus funciona há anos das 16 às 20h. Nesse horário, como a pista da direita é exclusiva dos ônibus, é proibido estacionar da esquerda (se estacionam ali, os carros ficam apenas com a faixa central para circular, e logo se forma um congestionamento). Às 18h, porém, motoristas mal educados começam a estacionar ali e o caos se instala. Principalmente no dia de culto de uma igreja.

Frequente também no meu bairro é estacionarem perto das esquinas, apesar de sempre muito bem sinalizadas, forçando os ônibus a fazerem manobras em vez de simplesmente contornarem as curvas.

Pois bem, coincidentemente (só que não), nas últimas semanas os carros estacionados nas esquinas e em locais/horários proibidos da Rua Clélia começaram a ser “trocados” por placas que dizem “veículo guinchado” (abaixo). Outros não foram guinchados, mas começaram a aparecer com o papelzinho amarelo (a multa) grudado no para-brisa.

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Aqui o motorista estacionou em local proibido no horário de funcionamento da faixa de ônibus. Teve a punição merecida

Outro dia, na frente da tal igreja, às 18h45, havia cinco cavaletes de veículo guinchado. E o trânsito livre, fluindo que é uma beleza. “Viva a nova meta da CET”, pensei.

Todos esses veículos guinchados ou multados cometeram infrações de trânsito que não foram inventadas, e muito menos injustas. Os carros que estavam atrapalhando a vida de todo mundo foram retirados. Ou seja, a CET cumpriu sua tarefa.

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Estacionar perto da esquina é um dos motivo mais válidos para que um veículo seja guinchado. Um carro estacionado nessa situação (observe a placa) atrapalha a visibilidade do cruzamento e, portanto, a segurança de outros motoristas

Qual o problema de uma serviço público melhorar de qualidade? Não é justamente isso que a gente espera? Não é isso que a gente tanto cobra dos políticos? Não é muito melhor viver em um lugar onde leis são cumpridas e folgados não fazem você perder compromissos?

Criticar a suposta “indústria da multa” virou moda, mas por que mais multas significariam algo errado? Agentes de trânsito não inventam multas, radares não saem fotografando aleatoriamente. Por que essas multas todas seriam injustas, e não uma melhor punição aos motoristas mal educados? É como criticar a chefia da polícia por ter comprado mais viaturas e passar a pressionar os policiais para ficarem mais ligados e prenderem mais bandidos.

A matéria prima da “indústria da multa” é justamente a falta de educação do motorista. É isso que precisa mudar urgentemente no Brasil: os motoristas precisam de uma formação mais completa (e também de mais caráter). Basta seguir as leis para ajudar a quebrar essa suposta indústria.

Não quer ser multado? Não fale ao celular enquanto dirige, dê preferência ao pedestre, não faça conversões erradas, respeite os limites de velocidade, não estacione em local proibido. Quem está errado é você, não quem está te fiscalizando melhor.

AS VERDADEIRAS “CILADAS” DA FISCALIZAÇÃO

Há poucas infrações que de fato poderiam ser atribuídas à uma “indústria da multa”.  Prefiro chamar de “ciladas”. Nos casos a seguir, de fato há descumprimento da lei pelas prefeituras e polícias. É importante que eles sejam denunciados. Esse tipo de multa, porém, representa uma parcela pequena das infrações. A maioria ainda é decorrente pura e simplesmente do fato de que o motorista está sim, e conscientemente, violando o código de trânsito.

Mudar limite e multar na sequência não pode
Em alguns lugares, principalmente rodovias, de fato há mudanças súbitas dos limites de velocidade, indicadas por uma única e discreta placa logo seguida de um radar. Essas são verdadeiras ciladas. Nesses casos, considero sim que há intenção de multar o motorista distraído, que pode simplesmente não ter visto a placa – porque estava ultrapassando um caminhão, por exemplo.

Nesses casos, deve-se sim reclamar, pois há claramente um descumprimento da lei:

§ 1° A fiscalização de velocidade com medidor do tipo móvel só pode ocorrer em vias rurais e vias urbanas de trânsito rápido sinalizadas com a placa R-19 conforme legislação em vigor e onde não ocorra variação de velocidade em trechos menores que 5 (cinco) km.”

Radar escondido também não pode
Outra cilada comum, mas que também descumpre a lei, é esconder o radar atrás de placas, viadutos ou outros obstáculos. As rodovias Anhanguera e Bandeirantes, em São paulo, estavam cheias deles. Nos últimos anos, porém, foram retirados e trocados por radares em postes bem visíveis, de acordo com a lei. Não émais obrigatório ter placa se o limite for o máximo estabelecido no Código de Trânsito (110 km/h), ma esconder o radar, nem pensar:

Art. 7º Em trechos de estradas e rodovias onde não houver placa R-19 poderá ser realizada a fiscalização com medidores de velocidade dos tipos móvel, estático ou portátil, desde que observados os limites de velocidade estabelecidos no § 1º do art. 61 do CTB.

(…)

  • 2º Para cumprimento do disposto no caput, a operação do equipamento deverá estar visível aos condutores.